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Por meio da apresentação dos vários recortes desse evento, podemos constatar que todas as atividades desenvolvidas a partir da leitura do texto “A dança do macaquinho” tinham como finalidade o trabalho com o som [k] diante das vogais [e] e [i]. Dessa forma, pensamos que a Professora Referência 2 considerou a necessidade de graduar o ensino para facilitar a compreensão das crianças e, por isso, não abordou, por exemplo, que esse som pode ser representado pela letra c diante das vogais [a], [o] e [u]. Certamente, conforme aponta Lemle (2007), há necessidade de trabalhar esses aspectos gradualmente considerando o grau de motivação fonética. Porém, o ensino isolado de uma relação entre som e letra não permite que as crianças realizem comparações e relações necessárias ao processo de compreensão.

Depois da leitura e de toda a explicação mostrando quando a letra (u) é pronunciada diante da letra (q), a Professora Referência 2 realizou um ditado de dez palavras nas quais essa letra só aparecia diante das letras e, i. Desse modo, conforme explica Cagliari (1998, p. 289), esse ditado serviu para avaliar se as crianças haviam assimilado ou não um conhecimento ortográfico. Para esse autor, esse tipo de

atividade “[...] não leva em conta que o aluno pode ter outras estratégias para escrever e lidar com a ortografia [...]”.

Ao analisarmos os eventos mediados pelo trabalho com as relações entre sons e letras e letras e sons, observados nas salas de aula da Escola A e da Escola C, verificamos que, por um lado, tanto o texto como a palavra não são tratados como enunciados 32, tendo em vista que, em ambos os casos, essas unidades são

dissecadas em unidades mínimas da língua. Para nós, essas práticas demonstram que primeiro é necessário aprender como essas partes menores se articulam entre si, para só depois ser possível a aprendizagem da produção do discurso. Por outro lado, a forma como as professoras das salas de aula pesquisadas lidam com as relações entre fonema e grafema (escrita) e grafema e fonema (leitura) revela a necessidade de investir em um trabalho que leve as crianças a compreenderem essas relações.

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A concepção de linguagem adotada neste trabalho defende o enunciado como real unidade da comunicação discursiva, pois, conforme Bakhtin (2003) enunciado pressupõe endereçamento ao outro, atitude ativa e responsiva por parte de interlocutor, ou seja, pressupõe a alternância de vozes.

4.2 O TRABALHO COM A LEITURA

De acordo com a concepção bakhtiniana de linguagem, ler pressupõe uma compreensão ativa e responsiva por parte do leitor, ou seja, a leitura pressupõe diálogo entre leitor e autor. Conforme assinala Bakhtin (2009, p.111), o processo de leitura está intrinsecamente relacionado ao processo de compreensão, pois esta apenas se efetiva quando há, com “[...] maior ou menor nitidez, a indicação de um acordo ou desacordo com alguma coisa [...]”, já que os contextos do leitor e do autor “[...] não estão simplesmente justapostos, como se fossem indiferentes uns aos outros; encontram-se numa situação de interação e de conflito tenso e ininterrupto [...]”, ou seja, leitura pressupõe a possibilidade de alternância de vozes (diálogo).

A interação do leitor com o autor, na visão de Bakhtin, se dá também no espaço do texto escrito. Apesar de o texto escrito não possibilitar o diálogo face a face, isso não diminui, em hipótese alguma, a comunicação verbal entre esses dois sujeitos, sobretudo porque

[...] o livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um elemento da comunicação verbal. Ele é objeto de discussões ativas sob a forma de diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido de maneira ativa, para ser estudado a fundo, comentado e criticado no quadro do discurso interior [...] (BAKHTIN, 2009, p.127).

Para Bakhtin (2006, p.137), a compreensão é uma forma de diálogo entre leitor e autor. Por isso, esse é um pressuposto fundamental para pensarmos as práticas de leitura, pois, segundo o autor, compreender é um processo no qual o leitor, ao entrar em contato com cada palavra da enunciação, busca palavras suas para formar uma réplica. Desse modo, Geraldi (2002, p.81-82) também entende que o processo de compreensão não consiste apenas em reconhecer a palavra impressa ou ouvida, mas é, antes de tudo, uma atitude responsiva do sujeito de oferecer sua contrapalavra, ou seja:

Um leitor que não oferece às palavras lidas as suas contrapalavras, recusa a experiência de leitura. É preciso vir carregado de palavras para o diálogo com o texto. E essas palavras que carregamos multiplicam as possibilidades de compreensões do texto (e do mundo) porque são palavras que, sendo nossas, são de outros, e estão dispostas a receber, hospedar e modificar-se face às novas palavras que o texto nos traz. E estas se tornam por sua vez novas contrapalavras, nesse processo contínuo de constituição

da singularidade de cada sujeito, pela encarnação da palavra alheia que se torna nossa pelo nosso esquecimento de sua origem.

A partir dessas considerações, é possível perceber que a leitura é uma atividade discursiva que se realiza na interação verbal, mediante o contato com textos escritos.Por isso, mesmo, acreditamos que as práticas alfabetizadoras devem tomar o texto como unidade fundamental para a formação de leitores.

Nesse sentido, verificamos espaços onde os eventos de leitura aconteciam com maior freqüência. A tabela abaixo destaca esses espaços:

TABELA 88 – Espaços de leitura onde eram realizados os eventos de leitura

ESPAÇOS DE LEITURA ESCOLA A ESCOLA C

F % F %

Sala de aula 18 100 38 92,68

Biblioteca 0 0 04 7,32

Total 18 100 42 100

Assim, os 18 eventos de leitura observados na sala de aula da Escola A e registrados na tabela 88, aconteciam na sala de aula, com a mediação das professoras referência, articuladora e do projeto “Escola em rede”, porque, nessa escola, não havia um espaço específico para o funcionamento da biblioteca. Na sala onde ela estava, também funcionava a sala dos professores. Além disso, uma parte dela era ainda utilizada para guardar o arquivo “morto” e depositar materiais diversos. Assim, conforme mostramos nas fotos 40 e 41 abaixo, as condições físicas e a organização do espaço não permitiam que os professores e as crianças utilizassem a biblioteca como um espaço específico para a realização de atividades de leitura.

Foto 40 – Arquivo “morto” /depósito de materiais. Foto 41 – Sala dos professores/biblioteca.

A tabela 88 mostra que, na sala de aula da Escola C, 7,32% dos 42 eventos de leitura registrados (4) foram realizados na biblioteca. Conforme o cronograma apresentado na foto 42 a seguir, é possível perceber que, uma vez por semana, eram planejadas e realizadas diferentes atividades no espaço da biblioteca:

Foto – 42 Cronograma de atividades realizadas na biblioteca.

As atividades planejadas pela pedagoga e pelas auxiliares de biblioteca eram coordenadas pela auxiliar de biblioteca, enquanto a professora referência realizava o planejamento individual. Dessa forma, as atividades de leitura realizadas nesse espaço eram mediadas pela auxiliar de biblioteca, que, em entrevista, disse não ter formação para atuar no espaço da biblioteca e nem na área da educação.

A rotina de utilização desse espaço era dividida em dois momentos. Começava com as atividades previstas no cronograma apresentado acima e, em seguida, as crianças eram orientadas a escolher o livro que quisessem para leitura em casa.

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