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No decorrer dessa aula, as crianças estavam sentadas em duplas e um trio, e, antes de entregar a atividade, a Professora Referência 2 explicou:

PR. 2: agora pessoal... vocês vão receber... uma folhinha:::: que é (...) essa atividade... são atividades com palavrinhas que (...)

[

THA: que tem no texto sem barra [

PR.2: são atividades... é uma atividade de CAça palavras... uma de formar palavrinhas... oh no primeiro é um caça palavras... vocês vão achar as palavrinhas e escrever do lado... o segundo... as palavrinhas... as sílabas das palavrinhas estão embaralhadas... emboladas vocês vão ter que FORmar a palavrinhas que TEM no TEXto com esses pedacinhos... e a terceira... é formar frases... uma com cada palavrinha... NÃO é uma pra dupla nem uma pro trio... ca-da um vai receber... procurem fazer... se precisar de ajuda não copie do colega... pergunte a ele... pergunta assim... coleguinha... se não LA... assim que se escreve?... com que letrinha?... e coleguinha que do lado ali... POde ajudar ... tá bom GA?... não é pra copiar... SE copiar... não consegue aprender... eu vou mandar ler::: não vai conseguir::::... já ten-tan-do escrever (aprende) tá? (EVENTO 130 – 17-11- 2009)

Com base nesse recorte observamos que a Professora Referência 2 deu explicações de como deveria ser realizado cada um dos itens que compunham aquela atividade, além de incentivar as crianças a interagirem entre si, mostrando para elas que era melhor perguntar ou pedir ajuda ao colega do que simplesmente copiar. Diante dessas orientações, observamos que as crianças interagiam entre si

conforme a recomendação dada pela professora e que ela, por sua vez, passava pelas mesas conferindo e ajudando quando as crianças perguntavam ou quando percebia ser necessária a sua intervenção.

Por meio da transcrição acima, percebemos também que estavam sendo privilegiadas a escrita de palavras, a organização de sílabas em palavras e, por último, a escrita de frases a partir de palavras-chave retiradas do texto. Desse modo, o texto “Sem barra”, de José Paulo Paes foi completamente decomposto em palavras e essas por sua vez decompostas em sílabas. Portanto, o texto não foi utilizado como unidade de ensino da língua, mas, sim, como pretexto para trabalhar as partes que constituem uma palavra (letras e sílabas).

Durante a entrevista, a Professora Referência 2 disse que o modo como foi alfabetizada influenciou em parte o modo como ela alfabetiza atualmente, pois, quando ela foi alfabetizada, sua professora trabalhava os sons das letras, e ela considera esse conhecimento importante para que as crianças consigam identificar uma palavra, achar uma frase e ler um texto. Entretanto, a professora declarou não fazer nenhuma questão de utilizar a cartilha.

Apesar de a professora não usar a cartilha, podemos observar, a partir do modo como o texto “Sem barra” foi utilizado, que ela se apropriou da concepção de texto presente nas cartilhas. Conforme Cagliari (1998), ela (a cartilha) decompõe o texto em palavras e sílabas como se linguagem fosse um material que pode ser dissecado. Para esse autor, atividades desse tipo

[...] automatizam demais a linguagem como o uso dos „tijolinhos‟ das famílias de sílabas para construir o „muro‟ chamado texto, acabam destruindo o texto na sua essência, porque não se trata simplesmente de uma fileira de palavras [...] (CAGLIARI, 1998, p.202).

Durante a pesquisa, encontramos, também, eventos mediados pela escrita de listas de palavras. Esse é um tipo de atividade escrita ancorada nas ideias presentes na concepção construtivista de alfabetização, que, segundo Gontijo (2008b, p.11), passou a fazer parte do “[...] discurso educacional brasileiro nas décadas de 1980 e 1990 [...]”. Segundo a autora, na „nova‟ concepção de alfabetização, os textos

presentes nas cartilhas são substituídos por parlendas, trava-línguas e lista de palavras, “[...] acreditando-se que, desse modo, é possível tornar a aprendizagem significativa para as crianças [...]” (p. 11).

Considerando que, nos anos 2000, o PROFA foi um programa de formação para professores alfabetizadores amplamente divulgado pelo MEC e utilizado no município de Aracruz, tendo servido para consolidar ainda mais o discurso e as práticas construtivistas de alfabetização, percebemos, assim como Gontijo (2008, p. 12), que as professoras das salas de aula pesquisadas tentavam se adequar a essas propostas e, sem compreenderem o significado do trabalho com textos, incentivavam as crianças “[...] a escrever listas de nomes de animais, de comidas típicas de festa juninas, de objetos que existem na sala de aula etc. [...].

No plano anual, encontramos, na dimensão da oralidade, da leitura e da escrita, argumentos que sustentam o uso de textos considerados adequados para ensinar a ler e escrever:

A oralidade, a leitura e a escrita devem ser trabalhadas de forma integrada e complementar. A ampliação do universo discursivo das crianças se dá por meio do diálogo e intercâmbios de idéias, do conhecimento da variedade de textos e de manifestações culturais que expressam modos e formas de ver o mundo, de viver e pensar. Listas, canções, poemas, histórias, trava- línguas, parlendas constituem-se num rico material para aprender a língua oral e escrita. Entretanto, possibilitar o acesso aos diversos usos da leitura e da escrita não é suficiente para que elas se alfabetizem. É necessário, além disso, um trabalho sistemático, centrado tanto nos aspectos funcionais e textuais, quanto ao aprendizado dos aspectos gráficos da linguagem escrita e daqueles referentes ao sistema alfabético (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE ARACRUZ, 2006b, p. 5).

Concordamos que as crianças precisam ampliar o seu universo discursivo, não só por meio do contato com materiais escritos, mas também pela realização de um trabalho sistemático que considere os aspectos textuais e a compreensão das convenções que regulam nosso sistema de escrita. Entretanto, consideramos bastante contraditório o argumento sobre o uso de textos adequados para alfabetizar. Para nós, a escrita de lista de palavras não contribui para que a criança produza discurso, pois, conforme Bakhtin (2003, p. 275), a real unidade da comunicação discursiva é o enunciado, porque “[...] o enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade real, precisamente delimitada da alternância dos

sujeitos do discurso, a qual termina com a transmissão da palavra ao outro [...]”. Sendo assim, as propostas de escrita de listas de palavras com finalidades avaliativas ou como pretexto para o ensino das unidades da língua não permitem que haja produção de sentidos, já que não pressupõem a interação com o outro.

Para Bakhtin (2003, p. 275), o diálogo é a forma clássica de comunicação discursiva. Assim sendo, toda enunciação é endereçada ao outro, que assume uma atitude responsiva, ou seja, passa a adquirir direito de réplica. Entretanto, essas relações de réplicas do diálogo são impossíveis de existir entre “[...] unidades da língua (palavras e orações) [...]”. Propostas de escrita de palavras ou frases como unidades da língua não possibilitam o uso da escrita com expressividade ou funcionalidade, visto que, para Bakhtin essas unidades só possuem valor se forem realizadas pelo falante em seu enunciado concreto. Dessa forma, “[...] as palavras não são de ninguém, em si mesmas nada valorizam [...]” (BAKHTIN, 2003, p. 290).

Passamos agora a relatar e analisar como ocorriam esses eventos mediados pela escrita de listas de palavras na sala de aula da Escola A. Assim, no registro 17, efetuado no diário de campo, datado de 6-5-2009, encontramos impressões de um desses momentos orientados pela Professora Referência 1, em que ela propôs, por meio da atividade mimeografada que podemos visualizar na foto 80 a seguir, a escrita de palavras que lembram a mamãe, pois, conforme o calendário, a escola comemoraria o dia das mães.

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