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1.3 A ocupação econômica no antigo norte de Goiás na primeira metade do século XX

1.3.1 As atividades produtivas

Conforme mencionamos anteriormente, a dinâmica produtiva do antigo norte de Goiás era completamente inexpressiva até meados do século XX. O teor capitalista da sociedade era dado pelos mecanismos de mercantilização da pequena produção, muito mais próxima de uma economia de excedentes. Em função disso, as atividades econômicas estavam restritas a uma agricultura de subsistência e à pecuária extensiva. Praticamente não existia um setor industrial e as poucas unidades que eram encontradas estavam mais próximas de indústrias artesanais e não fabris.

Esse baixo dinamismo econômico refletia-se na dinâmica populacional. Em 1900, o norte de Goiás contava com 67.748 pessoas, pouco mais de 25% da população total de Goiás. Ao longo dos anos, a participação relativa da população norte goiana foi diminuindo. Em 1950 reduziu-se para cerca de 16%. As taxas de crescimento anuais não ultrapassavam os 2%, ao passo que no sul do estado tinha início um afluxo de migrantes, elevando as taxas de crescimento para 3,5% ao ano.

No que diz respeito às atividades produtivas, de acordo com o Censo Demográfico e Econômico, do IBGE, em 1940, o norte de Goiás possuía 12.972 estabelecimentos agropecuários, sendo 1.167 estabelecimentos agrícolas (9,0%), 10.061 dedicados à agropecuária (77,5%) e 1.740 dedicados à pecuária (13,5%). Dos estabelecimentos agrícolas só 6 eram de grande porte e 1.161 de pequeno porte, certamente com exploração familiar de subsistência. Dos estabelecimentos mistos, apenas um foi classificado como de grande escala, todos os 10.060 eram pequenos empreendimentos. Acredita-se que também se tratava de uma típica exploração familiar, com uma pequena roça e algumas cabeças de gado. Já os estabelecimentos dedicados à pecuária a situação se invertia: os de grande escala constituíam a maioria, 1.296, enquanto os de pequena escala eram 44441.

No sul do estado, os estabelecimentos agropecuários, segundo a modalidade de exploração, estavam assim distribuídos: das 42.936 unidades, 14% dedicavam-se à agricultura, 72% à agropecuária e 13% à pecuária. Porém, os efeitos de estímulo decorrentes da industrialização do país e a maior vinculação à economia paulista conferiam a esta região um dinamismo ainda não experimentado pelo norte goiano.

O lento processo de desenvolvimento das atividades agrícolas da região setentrional de Goiás pode ser verificado na Tabela 1.8. Enquanto no sul do estado a área de lavouras cresceu 242,2%, entre 1940 e 1960, na região norte o crescimento foi de 6,2%. Houve, inclusive, redução da área cultivada entre 1940 e 1950, passando de 92.442 ha para 62.220 ha, recuperando-se na década seguinte. Acredita-se que um dos fatores responsáveis pela expansão agrícola do sul e redução da área cultivada no norte de Goiás foi a instalação da CANG, em 1941, que atraiu um bom número de pequenos produtores, em virtude da promessa de terra gratuita, assistência financeira e orientação técnica aos produtores que lá se instalassem.

Tabela 1.8 - GOIÁS: Utilização das terras - Área (ha) - 1940-1960

Categoria Norte de Goiás* Sul de Goiás

1940 1950 1960 1940 1950 1960 Lavouras 92.442 62.220 98.161 260.225 402.722 890.393 Pastagens 2.123.289 3.202.454 5.840.111 11.716.268 12.380.267 13.327.983 Matas e Florestas 1.107.659 1.317.049 2.086.972 2.379.216 2.131.402 2.672.176 Terras Irrigadas - - 390 - - 755 Terras Improdutivas 224.460 837.266 572.768 797.478 1.463.561 1.052.061 Terras Não Exploradas 393.852 1.161.499 785.148 508.632 1.629.675 1.550.396 TOTAL 3.941.702 6.580.488 9.383.550 15.661.819 18.007.627 19.493.764 Fonte (dados brutos): IBGE - Censo Demográfico e Econômico (1940, 1950); Censo Agrícola (1960). Elaboração própria. Nota: *O Norte de Goiás aqui considerado diz respeito exclusivamente aos municípios que existiam à época e atualmente constituem o estado do Tocantins. Para a relação dos municípios considerados, ver o Apêndice Metodológico, no final do trabalho.

Dentre os produtos cultivados na região, destacava-se a mandioca, cuja produção (104.292 t) representava 50% do total produzido em 1960. Sua expressividade estava relacionada às facilidades no plantio e à sua utilidade. Por ser bastante resistente às vicissitudes da natureza, podia ser cultivada em terras com baixa fertilidade, servindo tanto para a alimentação humana quanto para o consumo animal. Era o único cultivo do norte do estado cuja produção superava aquela verificada no sul de Goiás. Em segundo lugar aparecia o arroz, que apresentou a maior taxa de crescimento do período (320,9%). Produzido consorciado com outras culturas, além do abastecimento alimentar tinha a função de formar pastos, antes da instalação definitiva da pecuária. Juntos, mandioca e arroz representavam 76,3% da produção regional em 1960.

Outros produtos que se destacavam na economia local eram a cana-de-açúcar e o milho. A produção de cana-de-açúcar destinava-se à fabricação de aguardente, uma vez que sua produção era insignificante em relação aos demais estados produtores (e mesmo em relação ao sul de Goiás) e dada a existência de algumas unidades fabris produtoras de cachaça. O milho normalmente era plantado consorciado com outras culturas, principalmente o feijão (Tabela 1.9). Além dos produtos citados, a banana também apresentou crescimento significativo no período analisado (111,3%), passando de 6.763 cachos para 14.288 cachos.

Tabela 1.9 - GOIÁS: Produção Física (t) - 1940-1960

Produtos Norte de Goiás Sul de Goiás

1940 1950 1960 1940 1950 1960 Algodão 961 314 598 1.723 3.231 3.637 Arroz 13.024 27.127 54.815 48.337 228.942 458.492 Batata Inglesa 0 2 0 0 722 0 Café 48 50 46 5.540 13.403 71.052 Cana-de-açúcar 60.663 13.616 29.539 105.809 139.989 81.312 Feijão 1.391 3.329 2.237 10.979 35.954 76.145 Fumo 434 80 106 1.525 574 355 Laranja (1) 906 1.191 2.453 2.998 1.842 12.694 Mandioca 74.151 47.244 104.292 47.360 16.730 17.454 Milho 6.970 14.482 14.572 148.982 221.497 315.504 TOTAL 158.548 107.435 208.658 373.253 662.884 1.036.645 Fonte (dados brutos): IBGE - Censo Demográfico e Econômico (1940, 1950); Censo Agrícola (1960). Elaboração própria.

Nota: *O Norte de Goiás aqui considerado diz respeito exclusivamente aos municípios que existiam à época e atualmente constituem o estado do Tocantins. Para a relação dos municípios considerados, ver o Apêndice Metodológico.

(1) Mil frutas

No sul do estado, os produtos agrícolas mais importantes eram o arroz e o milho. A expansão dessas duas culturas estava relacionada não apenas às facilidades de produção, mas também aos estímulos governamentais para a expansão da fronteira agrícola, visando atender as demandas crescentes de alimentos dos setores urbano-industriais.

Retomando a análise da Tabela 1.8, observa-se que, não obstante a expansão da lavoura, principalmente no sul do estado, a economia goiana estava assentada na produção de gado. Em 1960, as pastagens representavam 62,2% das terras ocupadas no norte e 68,4% no sul de Goiás. Na região setentrional, grande parte das terras ainda era ocupada com matas e florestas (28,1%, em 1940 e 22,2%, em 1960). No sul do estado, essa categoria apresentou redução de 15,2% para 13,7%, entre 1940 e 1960.

De acordo com Estevam (1997), desde o início do século XX, o sul de Goiás havia se especializado na produção de gado, que era adquirida por produtores do Triângulo Mineiro, encarregados da tarefa de recria e engorda. Somente após esta fase, as rezes eram negociadas nos centros consumidores, principalmente em Barretos e no sul de Minas Gerais. No norte do estado, não havia um esquema definido de cria-engorda-abate de bovinos. Os rebanhos acompanhavam o eixo Araguaia-Tocantins e dispersavam-se pelo Pará e Maranhão.

No entanto, Campos (1985) ressalta que enquanto a pecuária avançava pelo norte do estado, era possível demarcar diferenças entre a produção das duas regiões de Goiás. No norte, prevalecia a pecuária extensiva, com o gado quase que totalmente destinado ao corte. No sul, não obstante continuasse a produção extensiva do gado para corte, tinha início a pecuária de leite, considerada mais intensiva. Segundo o autor, mais de ¾ do leite goiano era produzido em regiões próximas a Goiânia, Brasília e ao Triângulo Mineiro. No interregno analisado, a produção de leite cresceu 134,8%, no norte e 151,7%, no sul, que concentrava quase 90% de todo o leite produzido em Goiás.

Comparando-se a área de pastagens com o rebanho bovino observa-se que, enquanto no norte os pastos cresceram 175,1%, entre 1940 e 1960, o rebanho bovino cresceu 47,3%, passando de 769.704 para 1.133.591 cabeças de gado. No sul do estado, a área de pastagens cresceu 13,8%, no mesmo período. O rebanho saltou de 2.205.601 para 3.729.191 cabeças, ou seja, um crescimento de 69,1%, confirmando a utilização de uma pecuária mais intensiva na região meridional de Goiás. No Brasil, o crescimento do rebanho bovino foi de 62,9%, no período citado. A despeito do crescimento da pecuária, o período assinalou a redução de 11,4% no abate de bovinos, no norte do estado, e crescimento de 0,9% no sul. Tal fenômeno estava relacionado à quase inexistência de frigoríficos instalados em território goiano, de modo que o processamento da carne era feito no interior paulista ou nas cidades do Triângulo Mineiro.

Capítulo II – A INTEGRAÇÃO DA ECONOMIA DO ANTIGO NORTE DE