• Nenhum resultado encontrado

Este ato inclui a tessitura do fio que me conduziu pelos labirintos petrovi- chianos, a exemplo da estratégia utilizada por Teseu. Foi tecido na vertigem do encon- tro com o professor Petrovich e com aqueles que, entrevistados, o inventaram a partir do que lhes foi possível re-cordar e narrar, parafraseando García Márquez (2002).

Realizei entrevistas que incluíram estudantes e professores da Escola de Tea- tro da Universidade Federal da Bahia; amigos e colegas de trabalho; participantes da Atividade Curricular em Comunidade (ACC-UFBA); Griô Kaiodê: contando histórias com alegria20; a Iyalorixá do Terreiro do Ilê Axé Opô Afonjá; além de vários contatos

20

Projeto concebido e coordenado por Carlos Petrovich e Vanda Machado. Parceria Escola de Teatro - UFBA e Didá Escola de Música.

com a sua companheira. Foram incluídos, também, um ator e uma atriz que fizeram papel de bufão no teatro. As entrevistas foram agrupadas de acordo com o vínculo dos informantes com Petrovich, todas realizadas no ano de 2005.

Contei, ainda, com o material de duas conversas (gravadas) que tive com Pe- trovich, uma das quais em 2004, quando ainda não havia definido o objeto desta inves- tigação, e outra quando lhe fiz o convite para ser o meu bufão, três dias antes da sua morte, em 24 de abril de 2005; além de uma filmagem que realizei em novembro de 2003, durante um seminário da disciplina Universidade, Nação e Solidariedade, FACED/UFBA, do qual ele participou.

O produtor Élson Rosário, TV Educativa, cedeu-me a transcrição de uma en- trevista realizada com Pertrovich, também no mês da sua morte. Da mesma emissora tive acesso ao vídeo do programa Frente a Frente, de 1997, no qual era ele o entrevista- do.

Ressalto aqui a valiosa contribuição de Vanda Machado, companheira de Petro- vich por vinte e três anos; pesquisadora da cultura afrobrasileira; filha de Oxum. Além de duas entrevistas formais, trocamos correspondência via correio eletrônico, e mantivemos contatos pessoais freqüentes para troca de impressões e esclarecimentos de dúvidas quanto a datas e ações. A professora participou, ainda, das entrevistas realizadas na Didá Escola de Música e com o professor Roberval Marinho.

Os estudantes de artes cênicas, Marinho Gonçalves e Ângelo Flávio, foram elei- tos por terem participado de espetáculos dirigidos por Petrovich. Recém-egressos da Escola de Teatro, Rafael Moraes e Merry Batista integraram com ele os projetos Irê Ayó: caminho da alegria21 e Griô Kaiodê: contando histórias com alegria, respectivamente, tendo a últi-

21

Projeto concebido e coordenado pela professora Vanda Machado na Escola Municipal Eugênia Anna dos Santos – parceria SMEC e Sociedade Cruz Santa. Integrava a cultura afrobrasileira ao currículo esco-

ma, também, contracenado com Petrovich. Mesmo após ter concluído a sua graduação, pas- sou a acompanhá-lo em seus empreendimentos, não apenas profissionais, especialmente apoiando-o por conta da visão diminuída pelo diabetes.

Ainda com relação ao Griô Kaiodê: contando histórias com alegria, entrevistei membros da Didá Escola de Música, Organização Não-Governamental que oferece a crian- ças e adolescentes moradoras do Centro Histórico de Salvador e adjacências, no turno com- plementar à escola regular, atividades artísticas baseadas nos princípios da cultura afrobrasi- leira. Da entrevista participaram:Vivian Queiroz – presidente, musicista, Neguinho do Sam- ba – fundador, maestro, compositor, instrumentista; Adriana Portela – musicista; Débora Regina de Souza; Rosalina Nascimento; e finalmente Paula, Fátima, Carla e Patrícia – pseu- dônimos utilizados para proteção da identidade, por se tratar de menores.

Na Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia entrevistei professores, ex-colegas, alguns já aposentados, como no caso de Jorge Gáspari e Nilda Spencer – esta última fez parte da primeira turma de alunos da escola, em 1956, juntamente com Petrovich. Foram entrevistados, ainda, Maurício Pedrosa; Eliene Benício, atualmente diretora da Esco- la de Teatro; Harildo Deda; Ewald Hackler; Deolindo Checcucci; Maria Eugênia Millet; Sérgio Farias; Paulo Dourado, atualmente diretor da TV UFBA; o cineasta Wilson Lins, também da TV UFBA e, por fim, Cleise Mendes – desta última registrei, ainda, o discurso no qual fez uma homenagem a Petrovich, quando paraninfa dos formandos da Escola de Teatro, 2005.2. É interessante ressaltar que todos os citados, além de compartilharem a do- cência com Petrovich, com ele contracenaram, dirigiram-no, ou participaram de espetáculos como dramaturgos ou cenógrafos. Esta é uma característica importante da Escola de Teatro da UFBA, distinta das demais escolas de artes cênicas das universidades brasileiras, por se constituir, desde a sua fundação, em 1956, num curso de formação de atores e diretores. É

lar através da arte-educação. Para tanto, contou com a participação de Petrovich e de estudantes da Escola de Teatro da UFBA.

importante esta ressalva para registrar a amplitude do vínculo que estas pessoas mantêm entre si, considerando que além de professores estão freqüentemente envolvidos em ativida- des artísticas e culturais no circuito comercial da cidade do Salvador.

Ainda na UFBA, foi relevante o contato com Paulo Lima, hoje diretor da Fun- dação Gregório de Matos, Prefeitura Municipal do Salvador, governo João Henrique Carnei- ro (2004 – em exercício). Professor da Escola de Música, foi Pró-Reitor de Extensão nas gestões dos Reitores Felippe Serpa (1994 -1998) e Heonir Rocha (1998 - 2002); nesta última por apenas dois anos consecutivos. Esteve com Petrovich no Conselho Superior de Gradua- ção e projetos de extensão universitária.

Cito, ainda, o contato com Márcio Meireles, integrante do Conselho Diretor do Teatro Vila Velha, do qual Petrovich era sócio-fundador. Mantiveram vínculo estreito por vários anos, considerando o empenho do primeiro para reestruturar o referido teatro. Em seguida, quando da sua reinauguração, Petrovich protagonizou o espetáculo Um tal de Dom Quixote, dirigido por Márcio Meireles, que também o escreveu em parceria com Cleise Mendes, como uma homenagem ao ator.

Sendo Petrovich Ogan e filho de Ogum, a passagem pelo Terreiro de Candom- blé do Ilê Axé Opô Afonjá foi obrigatória, levando-me à Iyalorixá Mãe Estela de Oxossi e ao professor da Universidade Católica de Brasília e artista plástico, Roberval Marinho, igual- mente Ogan de Ogum, além de amigo e irmão.

Por fim, entrevistei Narcival Rubens, ator, pela referência que a ele foi feita por Petrovich, no programa Frente a Frente da TV Educativa, em 1997. À época contracena- vam em Dom Juan e em resposta ao ator Petrovich afirmou que gostaria de fazer o Dom Quixote, tendo ele como Sancho. Intrigou-me a escolha, ainda que posteriormente o Sancho tenha sido feito pelo ator Lázaro Ramos, considerando que o espetáculo Um tal de Dom Quixote foi realizado com o Bando de Teatro Olodum do qual o ator fazia parte.

Algumas destas pessoas foram indicadas por Petrovich na conversa que ti- vemos em abril de 2005, outras por Vanda Machado e outras, ainda, pelos próprios in- formantes. As entrevistas foram agendadas por antecipação, em local eleito pelo entre- vistado.

Optei por entrevistas abertas (BAUER; GASKELL, 2004), gravadas em áu- dio-tape, com aproximadamente uma hora de duração, todas posteriormente transcritas na íntegra, inclusive a realizada em 2004. O gravador foi utilizado mediante consenti- mento prévio dos entrevistados que aquiesceram na publicização da autoria das suas falas. Assim sendo, preservei o verdadeiro nome dos informantes, a fim de garantir o caráter de pessoalidade das narrativas e o clima intimista que esses mantiveram com Petrovich. Três deles, contudo, solicitaram que fossem identificados pelo nome artístico, como são conhecidos publicamente, para assegurar as suas presenças no texto.

Para melhor compreender a ambiência da trajetória de Petrovich, também como estratégia metodológica, passei a freqüentar teatros mais amiúde, e assisti a filmes e vídeos de peças das quais participou como ator, como diretor e como narrador: Canudos – a guerra do sem fim (1993); Um tal de Dom Quixote (1998); Gregório de Matos (1996); Salvador em Salvador22 (2002 – 2004), posteriormente com o nome Paixão de Cristo em Salvador (2005); O menino que era rei e não sabia (2001); Bahia Singular e Plural.(1999 – 2000); bem como os vídeos das intervenções pedagógicas: Irê Aiyó: caminho da alegria (1999) e Griô Kaiodê: contando histórias com alegria. (2001).

Nesta aproximação com o teatro assisti, dentre outras, a peça Escorial de Michel Ghelderode (1950), que me levou a entrevistar, em 2005, Deusi de Magalhães que fazia o papel do bobo Folial. Esta me indicou, do mesmo autor, Escola de Bufões (GHELDERODE,

22

Espetáculo aberto ao público, apresentado durante a Semana Santa, resultado de uma parceria entre a Prefeitura Municipal de Salvador, Governo do Estado, Escola de Teatro da UFBA, Arquidiocese da Cida- de.

1968), encenada em 1990 no Rio de Janeiro. O ator Leon Góes que participou deste espetácu- lo como o bufão Galgut, enviou-me cópia do texto e concedeu-me entrevista por carta. Tais contados foram motivados pela curiosidade de conhecer o processo de construção destas per- sonagens, no que tange às fontes inspiradoras e aos sentimentos experimentados, além de ter acesso à leitura dos textos por aqueles que o encarnaram.

A intenção inicial de trabalhar com entrevistas coletivas foi abandonada de- vido à dificuldade de agendas, e apenas teve este caráter àquela realizada com crianças, jovens e adultos da Didá Escola de Música. Nesta também esteve presente a professora Vanda Machado.O mesmo tipo de entrevista foi utilizado com Ângelo Flávio e Marinho Gonçalves.

Vale ressaltar que a primeira foi filmada e as pessoas provocadas a contarem "causos" sobre Petrovich – importava-me mais que um relato descritivo, a narração das experiências compartilhadas. Relativamente aos estudantes, estes gozaram da liberdade de interromperem-se e discordarem um do outro, sendo conduzidos, entretanto, pelos temas por mim oferecidos. O objetivo dos encontros grupais, recorrendo às idéias de Walter Benjamin (1985), era promover uma narração e memória coletivas, enriquecidas pela experiência do encontro e pelas recordações que tinham de Petrovich. Minha inter- venção limitou-se a estimular a continuidade da narrativa e focar nos temas propostos, em especial no caso dos estudantes de teatro, quando atuei mais diretivamente.

Com o mesmo espírito, realizei as demais entrevistas, inserindo, ainda, per- guntas de esclarecimento. Como temas - escolhi não apresentar questões fechadas para facultar maior liberdade à narrativa - sugeri: educação, universidade, riso, bufonaria, religião, cuidando para não negligenciar outras lembranças que pudessem me oferecer novas pistas.

Quanto à universidade, interessei-me, sobretudo, pelo vínculo que Petrovich mantinha com estudantes e com a comunidade, além da história da Escola de Teatro, vez que ele havia integrado a primeira turma. Na perspectiva do riso, interroguei acerca da forma como se relacionava com o poder instituído e sobre possíveis traços bufos na sua performance cotidiana. Tais questões me propiciaram elementos para inquirir acerca da sua idéia de educação e da relação que estabelecia com o divino, considerando sua filiação ao candomblé.

Neste percurso, foram recorrentes as referências de muitos entrevistados aos papéis que Petrovich viveu no teatro: Um tal de Dom Quixote, Antônio Conselheiro, Dom Luís e menos freqüentemente, Gregório de Matos. Tais referências, inevitavel- mente fizeram-me incluir questões acerca de possíveis semelhanças entre ele e essas personagens.

As entrevistas aconteceram a partir de julho de 2005, aproximadamente três meses após a sua morte. Os informantes, emocionados, centravam a fala em recordações dos momentos compartilhados, favorecendo uma intensidade afetiva importante nos relatos que, contudo, tangenciavam quase que fatalmente os aspectos positivos do modo de ser petrovichiano. O meu papel foi acolher o sentimento expresso e ao mesmo tem- po instigá-los no sentido das temáticas pretendidas. Essa comoção, contudo, facultou- me compreender outros aspectos do homem Petrovich, especialmente quanto aos afetos que mobilizava nas pessoas. Contei, amiúde, com o apoio de Vanda Machado, a despei- to da dificuldade para abordá-la na perspectiva da pesquisa, nos meses imediatamente subseqüentes à morte do seu companheiro. Esteve ela sempre disponível para colaborar com dados e elucidação de pontos que me pareciam pouco claros. Foi relevante para a condução do processo de entrevistas, a minha prática clínica como psicóloga, por doze anos consecutivos.

A recente morte de Petrovich e a necessidade de conhecê-lo para além das realizações educacionais justificou a eleição da entrevista aberta como técnica de levan- tamento de dados. Se por um lado essa técnica facultava aos entrevistados a liberdade narrativa, por outro eu fazia intervenções para que não perdessem o foco da investiga- ção, sinalizando questões pertinentes aos temas apresentados. Tais questões eram for- muladas de acordo com o contexto narrativo e as entrevistas ocorriam em clima de con- versação informal, possibilitando a espontaneidade das respostas.

O caráter exploratório da entrevista aberta facultou-me maior abrangência das informações que, complementadas com os filmes mencionados, aproximou-me mais do homem Petrovich - era inegável a inteireza com que ele estava em tudo o que decidia fazer, a despeito do caráter fragmentário de todo homem, e da forma como se referia, perdido nas suas várias personagens.

Merece consideração registrar, ainda, que conheci pessoalmente Petrovich em 1999, no projeto Irê Ayó: caminhos de alegria, período em que eu trabalhava na SMEC. Posteriormente, estreitamos vínculo à época de apresentação do espetáculo de sua autoria O menino que era rei e não sabia, para escolas públicas, no projeto A escola entra em cena, também desta Secretaria. Daí por diante, os encontros foram menos fre- qüentes, mas sempre muito afetuosos, quase que invariavelmente intermediados pela presença da professora Vanda Machado. Nas oportunidades em que estive na sua casa fui acolhida com generosidade e pude compartilhar do seu ambiente familiar.

Fomos, ainda, colegas na disciplina Epistemologia do Educar – Seminários Avançados Transdisciplinares, FACED/UFBA, 2005, considerando que ele naquele semestre havia ingressado como aluno regular do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas/UFBA, a título de mestrado.

Tão relevante quanto a pesquisa acerca da vida de Petrovich foi decidir como or- ganizar os dados e como narrá-los. O desafio de escrever sobre o riso e a bufonaria num templo que acolhe, por vezes com preciosismo, o pensamento sério, implicou no tensiona- mento entre as normas acadêmicas instituídas a partir de categorias lógico-gramaticais e a liberdade estética que me permitiria ser conduzida pela natureza mesma da relação com o objeto desejado. Enquanto a primeira me impunha uma forma, legitimada como recurso do método científico, com recorrência à impessoalidade e linguagem direta; a segunda, incerta e plural, incitava-me a beber de fontes pouco confiáveis do ponto de vista da ciência. A litera- tura e a dramaturgia sinalizaram-me com possibilidades de uma escrita alegórica e aberta, porque sem reservas quanto ao uso de figuras de estilo, contrapondo-se ao relato informati- vo, muitas vezes ilegível para o leitor, pelo caráter conclusivo e fechado.

Neste estudo, buscarei, num jogo lúdico de construção e de desconstrução da linguagem, a interpenetração das vozes dos diferentes entrevistados, sabendo que à me- dida que criavam a personagem Petrovich, por ela eram modificadas. A título de ilustra- ção, o musical Evita, adaptado para o cinema e dirigido por Parker (EVITA, 1996), mostra o narrador Che, voz do povo argentino, dentro da história, interagindo com as personagens, enquanto retrata a trajetória da protagonista Evita Perón. O que se produz é, então, um saber narrativo marcado pela presença do autor como personagem implica- da no componente biográfico histórico e cultural do sujeito investigado. Um autor que é simultaneamente locutor/narrador à semelhança do narrador artesão de Benjamin (1985). Este foi, também, o meu empreendimento na medida em que durante muitos momentos percebia-me fortemente identificada com as idéias de Petrovich, e se consti- tuía um grande esforço delas afastar-me para deixar que ressoassem outras vozes e pu- desse, afinal, emergir um texto polifônico e polilógico.