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P ATOGÊNESE E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

No documento ROSA MARIA RIBEIRO VIEIRA (páginas 31-38)

1.2 O COMPLEXO E NTAMOEBA HISTOLYTICA /E NTAMOEBA DISPAR

1.2.5 P ATOGÊNESE E MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Apesar da infecção por E. histolytica ter caráter cosmopolita, não se observa uma relação estreita entre prevalência e patogenicidade. É assintomática em cerca de 90% dos casos, mas, no entanto, é a segunda causa de morte por protozoários no mundo, superada apenas pela malária (WHO, 1997; Petri, Jr. & Singh, 1999; Que & Reed, 2000; Moncada et al.,2003).

O espectro clínico da amebíase envolve quadros extremos que variam desde quadro assintomático até colite amebiana fulminante, ou ainda necrose hepática que pode determinar a morte do hospedeiro. Ainda ocorrem os quadros intermediários que são os mais comuns (Rey, 2001).

O habitat natural da E. histolytica é o intestino grosso humano. O ambiente da luz intestinal é propício para a convivência pacífica da ameba com seu hospedeiro, onde ela pode se alimentar e se encistar para dar continuidade ao seu ciclo biológico.

A infecção na maioria das vezes é autolimitada e assintomática (Haque et al., 2003), e os trofozoítas colonizam o intestino grosso por aderência a

glicoproteínas presentes na mucina do cólon (Petri, Jr., 1999) que é uma barreira de defesa à invasão de patógenos.

A E. histolytica é um patógeno potente (Stanley, 2003) e uma das mais importantes células citotóxicas conhecidas (Mc Coy et al., 1994). Exibem também uma extraordinária capacidade citolítica (Leippe, 1997). É capaz de lisar “in vitro” uma grande variedade de células em cultura, como Polimorfonucleares Neutrófilos, Macrófagos e Linfócitos T (Petri, Jr., 1996; Stauffer & Ravdin, 2003).

Existem três fases distintas e separadas na patogênese da amebíase intestinal: colonização; ruptura e/ou dissolução da camada de muco que recobre a mucosa intestinal para ganhar acesso ao epitélio; ligação a células epiteliais do cólon do hospedeiro e citólise das mesmas (Moncada et al., 2003).

Por razões desconhecidas, em determinadas condições, a E. histolytica abandona a sua condição de comensal, degrada a camada de muco que reveste o cólon e ganha acesso ao epitélio intestinal. Lesa e causa erosão na submucosa, formando úlceras características em forma de “botão de camisa” (Que & Reed, 2000) e, em casos mais raros, lesa também a camada muscular. Através dessa camada entra na circulação portal, atinge o fígado, e através da circulação geral se dissemina para outros órgãos moles como o pulmão, o cérebro, o pericárdio, etc. (Eichinger, 2001).

Para que E. histolytica exerça seu potencial patogênico sobre as células do hospedeiro, é necessário que se estabeleça um contato direto entre moléculas de adesão da superfície da ameba e receptores específicos nas células do hospedeiro. Estas moléculas são respectivamente uma lectina de 260 KDa e

Glicoconjugados (Glicoproteínas e Glicolipídeos) contendo resíduos expostos de Galactose e N-Acetil-D-Galactosamina. A patogenia da amebíase é portanto contato-dependente (Haque, 2003; Stauffer & Ravdin, 2003).

A lectina é uma molécula central no processo de colonização, encistamento e invasão da E. histolytica (Petri Jr., 2002; Ravdin et al., 2003). Experimentos mostraram que células de mamíferos que não expressam resíduos de Galactose ou N-Acetil Galactosamina são resistentes à morte por E. histolytica (Stanley, 2003) e que a inibição de lectina torna a ameba incapaz de aderir e de lisar as células do hospedeiro. (Ravdin et al., 1980; Li et al., 1988; Dodson et al., 1999; Ravdin, 2003). Esta lectina é uma molécula glicoprotéica heterodímera de 260 KDa que reconhece resíduos de Galactose e N-Acetil-D-Galactosamina. É um importante fator de virulência da ameba, mediando aderência ao epitélio intestinal e citólise dependente de contato. A molécula consiste de uma sub-unidade pesada de 170 KDa e uma leve de 31 ou 35 KDa ligadas por pontes de dissulfeto (Yau et al., 2001). Adicionalmente, uma subunidade intermediária da lectina de 150 KDa também contribui para a aderência (Tachibana et al., 2003).

A patogênese da amebíase requer aderência ao epitélio intestinal, efeitos citolíticos e proteolíticos da ameba sobre os tecidos e resistência do parasito aos mecanismos de defesa do hospedeiro (Hughes & Petri, Jr., 2000).

Estudos mostram que a morte celular, na amebíase invasiva, ocorre inicialmente por necrose lítica mediada pelos amebaporos, pequenos peptídeos localizados nos grânulos citoplasmáticos, secretados pela ameba após contato, e que são capazes de se inserir na membrana das células e de formar poros nessas membranas, numa ação semelhante a dos Linfócitos T citotóxicos. Os grânulos

citoplasmáticos também contém lisozimas, fosfolipases, cisteino-proteinases e proteínas que ligam Cálcio (Leippe, 1997; Yan & Stanley, Jr., 2001).

No entanto, um outro mecanismo de morte celular ocorre principalmente no abscesso hepático amebiano. É a apoptose ou morte celular programada, um sistema seqüencial de morte das células, executada por degradação de vários componentes celulares. E.histolytica ativa a apoptose por ativação da Caspase 3, um componente crítico na fase efetora da via apoptótica (Yan & Stanley, Jr., 2001).

As cisteínoproteases secretadas pela ameba dentro do microambiente são também fatores importantes de virulência na doença causada por E. histolytica, pois degradam a matriz extra-celular, separando as células facilitando a invasão (Moncada et al., 2003). Degradam Imunoglobulina A (IgA) (Kelsall et al., 1993) e Imunoglobulina G (IgG) (Haque et al., 2003; Que & Reed, 2003), componentes da resposta imune humoral. As cisteínoproteases também estão envolvidas no recrutamento de células inflamatórias para o local da invasão (Moncada et al., 2003). Ativam complemento por via alternativa, por clivagem direta da cadeia alfa de C3 (Reed et al., 1989), mas degradam C3a e C3a, anafilatoxinas geradas pela ativação da cascata do complemento (Que & Reed, 2003).

E. histolytica é resistente à lise pelo Complexo de ataque à membrana, formado pelos componentes terminais da cascata do complemento C5b – 9. Essa resistência é mediada pela lectina da ameba, que compartilha similaridade estrutural e antigênica com o CD59, um inibidor de C5b-9 em células sangüíneas humanas (Braga et al., 1992). A lectina é portanto uma proteína

multifuncional, cuja atividade é crucial para a citotoxicidade da ameba (McCoy et. al., 1994).

Resumidamente, os fatores ligados ao parasito, ao hospedeiro e à microbiota, que concorrem para que a ameba assuma ou não um perfil invasivo, são o perfil genético e imunoenzimático do parasito, os fatores do hospedeiro (idade, estado nutricional, competência do seu sistema imunológico), os mecanismos que o parasito utiliza para escapar das defesas do hospedeiro e a modulação que a microbiota pode exercer sobre a virulência do parasito (Salles et al., 1998).

A decisão por invadir é uma ameaça à vida do hospedeiro, mas é uma atitude suicida da ameba, pois não há evidências de que ela volte a se encistar após invadir, e se isso ocorresse, como estes cistos continuariam sendo eliminados para dar continuidade ao ciclo? Certamente, ao invadir, ela ou morre pelo tratamento específico do hospedeiro, ou morre com ele ao determinar quadros fatais (Stauffer & Ravdin, 2003).

As principais manifestações clínicas da amebíase são a colite amebiana disentérica, a colite amebiana não disentérica e o abscesso hepático amebiano. Esses quadros são caracterizados por lesões inflamatórias e ulcerativas do cólon e por abscessos (Stanley Jr., 2003). Felizmente, a maior parte dos portadores de E. histolytica não desenvolvem quadros invasivos mesmo os de área endêmica (Blessmann, et al., 2003).

Tipicamente os pacientes com colite amebiana se apresentam com história de dor abdominal em cólica por várias semanas, perda de peso, diarréia

aquosa e sanguinolenta, tenesmo, febre e manifestações dispépticas. O início é insidioso, os sinais e sintomas são variáveis, tornando difícil o diagnóstico. Febre e fezes sanguinolentas estão ausentes em muitos dos casos (Haque et al., 2003).

Os diagnóstico diferencial de uma doença diarréica com sangue oculto ou aparente nas fezes, deve incluir infecção bacteriana por Shigella spp, Salmonella spp, Campylobacter spp, Escherichia coli enteroinvasora e enterohemorrágica, e ainda causas não infecciosas como a doença inflamatória intestinal, a colite isquêmica, as malformações artério-venosas e a diverticulite (Stanley, 2003).

A colite amebiana pode ser disentérica e não disentérica. A colite disentérica tem um período de incubação que varia de dias a meses. O quadro clínico se apresenta de forma aguda e os principais sintomas são: diarréia com fezes líquidas, muco-sanguinolentas e dependendo da gravidade, muco-pio- sanguinolentas, com vinte ou mais evacuações diárias. Dor epigástrica, plenitude, pirose e flatulência também podem estar presentes. (Salles et. al., 1998; Haque et. al., 2003).

A colite não disentérica é a forma observada com maior freqüência. Tem início insidioso, com crises de diarréia com menor número de evacuações que a forma anterior, fezes moles ou pastosas acompanhadas de dor em cólica, podendo ou não conter muco ou sangue, flatulência e desconforto abdominal. As crises se intercalam com períodos de diarréia e de constipação intestinal, dor e sensação de plenitude.

Alguns indivíduos podem ainda desenvolver um quadro fulminante de colite, com diarréia sanguinolenta profusa, febre, dor abdominal disseminada, sinais de irritação peritoneal e leucocitose. O índice de perfuração intestinal, nesses casos, é muito alto. Gestantes, pacientes imunossuprimidos por uso de corticóides e indivíduos imunocomprometidos, são pacientes que se encontram numa faixa de risco aumentada para a colite fulminante. Uma outra complicação da colite amebiana é o megacólon tóxico (Adams & Mac Leod, 1977; Petri and Singh, 1999; Stanley Jr., 2003; Haque et. al., 2003).

O abscesso hepático amebiano é das manifestações clínicas extra- intestinais a mais comum. Provavelmente, a ameba atinge o fígado por disseminação pela via hematogênica e/ou linfática. Alguns indivíduos apresentam, simultaneamente, o quadro de colite mas não é comum o indivíduo com abscesso hepático apresentar sintomatologia intestinal concomitante. O mais comum é o indivíduo relatar durante a anamnese, episódios de diarréia recentes (Stanley Jr, 2003). A doença hepática amebiana deve ser suspeitada em indivíduos com história de exposição ao parasito, como moradia e viagens para áreas endêmicas, ou imigrantes provenientes de áreas endêmicas e que apresentem febre, dor no hipocôndrio direito e perda de peso (Haque, 2000).

O abscesso hepático é dez vezes mais comum em homens adultos jovens, entre 20 e 40 anos, do que em mulheres, e é pouco comum em crianças, apresentando distribuição homogênea por sexo. Não se sabe por que o abscesso hepático afeta mais homens do que mulheres, uma das possíveis explicações é o uso abusivo do álcool (Hughes et al., 2000).

Na maioria dos casos, o abscesso é único e localizado no lobo direito do fígado, enquanto os piogênicos são múltiplos. (Hughes et al., 2000)

Na forma aguda, o abscesso hepático se apresenta com febre e dor abdominal localizada no hipocôndrio direito e hepatomegalia. Na forma sub- aguda, a perda de peso é um dado importante, enquanto que a febre e a dor são menos freqüentes.

Deve ser feito o diagnóstico diferencial com abscessos piogênicos, cisto hidático e hepatoma. (Petri & Singh, 1999). Abscesso pulmonar, cerebral, pericárdico e amebíase cutânea são manifestações extra-hepáticas menos comuns (Haque, 2003).

No documento ROSA MARIA RIBEIRO VIEIRA (páginas 31-38)

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