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3. QUADRO ANALÍTICO DE SASKIA SASSEN

3.5. ATOR LOCAL NA POLÍTICA GLOBAL

O estudo do ator local na política global ocupa um espaço peculiar nos trabalhos de Sassen. Na obra Sociologia da Globalização (2010)175 ela destaca a posição intermediária destes atores entre o local e o global.176 Além da conformação das Classes Globais Emergentes, a

autora também identifica plataformas globais parcialmente

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As colocações a seguir são feitas a partir da obra Sociologia da Globalização, a partir do capítulo 7, páginas 158 a 177.

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Este pensamento é desenvolvido parcialmente, na obra Territory, Authority, and Rights: From Medieval to Global Assemblages (2006).

desnacionalizadas, como a cidade global e a internet. O contexto conta com a força das tecnologias da informação como instrumentos acessíveis aos atores locais, transformando-os em “atores locais na política global”. Assim, é a partir da própria infraestrutura criada pelo capitalismo global que emergem novos atores177 questionadores de sua lógica, que atuam politicamente em espaços transnacionais a partir do local e do global.

Primeiramente, é importante ressaltar que a discussão sobre o que é o global tem prevalecido sobre o que é o local. Sassen afirma que a atualidade traz novas condições que permitem rediscutir o conceito do local que, segundo a autora, acomoda

um conjunto de materializações que divergem dos padrões dominantes. Fundamentais entre essas condições são a globalização e/ou globalidade, como constituinte não apenas de espaços institucionais transfronteiriços mas também de imaginários poderosos que possibilitam certas aspirações à prática política transfronteiriça, mesmo quando os atores envolvidos são imóveis. (SASSEN, 2010, p.164)

A autora destaca, que as Classes Globais Emergentes, a globalização e as novas tecnologias da informação e comunicação (TICs) possibilitaram a entrada de vários atores nas esferas internacionais. A crescente infraestrutura da economia global facilita e condiciona, parcialmente, a participação destes atores. Sassen afirma que:

mais importante em minha análise, a possibilidade de imaginários globais proporcionou que mesmo aqueles que são geograficamente imóveis se envolvessem na política global. [...] Ou seja os atores não estatais podem entrar e adquirir visibilidade em fóruns internacionais ou na política global como indivíduos ou coletividades, emergindo da invisibilidade da participação

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Para Sassen as empresas transnacionais fazem parte destes novos atores. Como já descrito, elas não fazem parte desta análise e estão já vislumbradas em uma Classe Global Emergente, no pensamento da autora.

agregada em um Estado-Nação, que é representado exclusivamente por um soberano. (SASSEN, 2010, p. 158)

Para Sassen, a cidade global, ou seja, o território nacional, que também é plataforma parcialmente desnacionalizada, constitui o palco de crescentes transações que criam uma nova geografia transfronteiriça não dominada exclusivamente pelos Estados. As novas TICs, e principalmente o acesso público à internet, fortalecem essa política multi-escalar, em redes globais e viabilizam uma infraestrutura para o enraizamento da sociedade civil global. Aqui se enquadra a seguinte formulação da autora:

as organizações da sociedade civil e indivíduos têm desempenhado papéis cruciais no trabalho de adaptar as tecnologias globais do Norte para as condições globais do Sul. O resultado tem sido que certas materializações do local na verdade podem ser constituídas em escalas múltiplas e, desse modo, podem fazer parte de formações globais que tendem a redes lateralizadas e horizontais, que diferem das formas verticais e hierarquizadas típicas dos grandes atores globais como o FMI e a OMC. (SASSEN, 2010, p. 159)

Sassen identifica este labor das Organizações e Indivíduos, promovendo espaços em redes que se encaixam promovendo novas inserções territoriais e a interação dos múltiplos partícipes. Neste processo, o local não é descartado, mas o global é desenvolvido, abrigando, de forma complexa, o capital social e político global.

Atuando em rede, os atores locais conformam micropolíticas contestatórias e se beneficiam das TICs e das práticas políticas transfronteiriças que se multiplicam com a maior e mais rápida conexão global. Isto possibilita novos significados e potencialidades para o local. Para Sassen,

os ativistas podem desenvolver redes para circular informações baseadas no lugar - sobre meio ambiente, habitação, condições políticas locais - que podem se tornar parte do trabalho político e de estratégias para abordar uma condição global - o meio ambiente, a pobreza, o desemprego crescente, a falta de responsabilização das

multinacionais e assim por diante. (SASSEN, 2010, p. 169)

Sassen sustenta a existência de uma prática política transfronteiriça, sem escalas hierárquicas, mas determinada por um contexto multi-escalar com relações diretas entre o local e o global ou a proliferação de transações locais, vinculadas às redes globais. Este trabalho pode ser desenvolvido de três formas: 1) na localidade, mas estabelecendo um intercâmbio informacional com lógicas de outras redes internacionais. Neste caso, o global vê-se enriquecido pelas práticas e retóricas do local; 2) com o envolvimento de atores globais, como OMC e FMI. Nesta forma, além do intercâmbio informacional, se estabelece um público transfronteiriço; e 3) através da mobilização global de Indivíduos e organizações para temas e casos globais, fazendo uso da mídia global. Em sentido contrário, esta via também é usada para fortalecer as transações do local e conscientizar o global sobre os temas locais.

Uma ressalva que Sassen traz, diz respeito ao aspecto cosmopolita que, segundo ela, não está presente nestas práticas do ator local na política global. Nesta direção, a socióloga argumenta que,

os tipos de prática política aqui discutidos não configuram a rota cosmopolita para o global. Eles são globais pela multiplicação deliberada de práticas locais. E também são formas de construção institucional de âmbito global que podem partir de localidades e redes de localidades com recursos limitados e também de atores sociais informais. São tipos de sociabilidade e luta profundamente enraizados nas ações e atividades das pessoas. Nesse processo, eles não precisam se tornar cosmopolitas, podendo permanecer domésticos e particularistas em sua orientação, mas ainda assim estão participando da política global emergente. (SASSEN, 2010, p. 174)

Assim, conforme o pensamento de Sassen, pode-se afirmar que ambas as Classes Globais Emergentes e os novos atores políticos locais embutidos na globalização constituem novas formas de emaranhamento local-global que transcendem a jurisdição do Estado-nação. Estes novos atores constituem os micro atores da sociedade civil global, e que se utilizam do espaço político local, as cidades, como espaço central na

globalização, visto que possibilita o acesso a atores políticos informais, que muitas vezes são invisíveis na política nacional. As tecnologias tem um papel central para uma nova política que, mesmo em uma rede global, se dá no nível local, ou nacional. Esta nova política se insere em uma natureza multi-escalar dos novos processos globais, e permite que atores locais se conectem a outros atores locais, nacionalmente e internacionalmente, sem ter de passar por uma escala hierárquica. Sassen afirma que este processo dá lugar à emergência de identidades parcialmente transnacionais sem anular o vínculo nacional. A autora afirma que "essa mudança é elemento crucial para uma política global de atores localizados – ou seja, uma política que possa incorporar as micropráticas e micro-objetivos da vida cotidiana das pessoas, bem como suas paixões políticas." (2010, p. 173)

Neste sentido, compreende-se também que a expressão do ator local na política global remete ao aspecto da cidadania. Para Sassen, a globalização dá lugar a uma cidadania desnacionalizada. Isto se estabelece ao mesmo tempo em que a organização institucional e territorial do poder estatal, bem como sua autoridade são alteradas, imprimindo novas dimensões dos direitos formais, psicológicas e práticas da cidadania. O Estado-nação ainda detém a regulamentação formal da cidadania, mas, o ambiente global possibilita novas narrativas e práticas aos Indivíduos que, mesmo baseados na nação, exercem também poder político na esfera internacional. Neste sentido, Sassen defende que há um deslocamento da soberania no ambiente da globalização. As telecomunicações e o ambiente virtual criam novas possibilidades para a participação política da sociedade civil internacional na construção de um Regime Internacional de Direitos Humanos. Neste processo, o Estado não é o único sujeito dos direitos internacionais e junto dele e das OIs, também as ONGs e os Indivíduos participam. (SASSEN, 2003a)

As colocações deste capítulo demonstram os esforços de Sassen em analisar a configuração da Política Internacional a partir das forças estatais e não estatais. Seu esforço abarca a investigação histórica, mas, também, a formulação de um quadro analítico mais complexo. No intuito de estabelecer vínculos centrais entre o pensamento da autora nestas obras e o tema proposto para investigação, sublinha-se aqui alguns pontos referenciais e considerações que auxiliam no prosseguimento desta pesquisa.

Segundo Sassen (2006), a partir de meados da década de oitenta se admitem processos de construção de capacidades que conduziram a uma mudança na configuração institucional do Estado, dando lugar a

novas manifestações sociais em rede e nas quais o indivíduo possui maior acesso para comunicação mundial, protesto e articulação. Este período, caracterizado pela autora como um tipping-point ou ponto de inflexão, abre espaço para novos arranjos institucionais. A autora destaca que estas mudanças institucionais afetam diretamente as composições dos territórios, da autoridade e dos direitos e, por conseguinte, o Estado. Entende-se aqui que também neste período, gradativamente, se conforma uma articulação mais institucionalizada da Ajuda Humanitária Internacional, nas lógicas organizadoras em escala nacional e global, e onde a ação do voluntariado individual é também crescente. Este trabalho busca evidenciar que, a articulação global dos vários atores da Ajuda Humanitária Internacional, em gradativa construção através da coordenação do OCHA, colabora para uma Desnacionalização parcial do Estado: ao estabelecer uma consciência transnacional sobre o tema; ao sujeitar as ações da área a um Regime Internacional, não mais exclusivo da vontade estatal; ao conduzir a crescente participação transnacional dos vários atores internacionais, dentro dos ditames dos Direitos Humanos.

Na obra Sociologia da Globalização (2010), Sassen traz o conceito de Classe Global Emergente, seus elementos constitutivos, expressões e dinâmicas, demonstrando que o Estado não mais permanece como centro exclusivo do protagonismo internacional. Na abordagem da autora, trata-se de grupos sociais que se arranjam em formas sociais que podem ser identificadas e que agem desagregando o nacional, seu controle, regime, sistemas e políticas nacionais, historicamente construídos. Estas Classes Globais Emergentes permanecem vinculadas às vertentes nacional e internacional, mas participam do processo de Desnacionalização parcial. Considera-se neste trabalho, de forma preliminar, que a conjugação dos vários atores da Ajuda Humanitária Internacional constitui uma Classe Global Emergente e atua na lógica de Desnacionalização parcial do Estado, processo que se acentuou a partir dos anos de 1980 com a intensificação do fenômeno da globalização e o protagonismo de atores diversificados. Assim, o quadro analítico de Saskia Sassen admite uma abordagem que abarca, além do conceito especifico sobre Classe Global Emergente, a sua própria concepção de globalização. Para a autora a globalização é um processo multifacetado e fragmentado, distinguindo- se da concepção de outros autores como Wallerstein, que tem uma visão sistêmica, compacta e hermética do que é a globalização como um processo único e que tem suas origens no Século XVI. Para entender o processo da globalização a autora usa a idéia da emergência de regimes

globais setoriais especializados. Neste sentido a era global não se manifesta como um movimento avassalador e único mas, antes, ela se constitui mediante a ação da sobreposição de regimes parciais, em determinadas áreas. Este trabalho indica como um destes regimes setoriais em construção, a formação de um Regime Internacional da Ajuda Humanitária, focando-se no nível institucional e organizacional internacional, centrado na coordenação do UNOCHA dos diversos atores internacionais humanitários.

Para demonstrar esta visão, e como objeto do próximo capítulo, esta pesquisa culmina com um esforço exploratório com base nas bases normativas, teóricas e na tipologia de Sassen, em confronto com a realidade de coordenação do OCHA, nos trabalhos dos atores da Ajuda Humanitária Internacional.

4. OCHA E ATORES EM COORDENAÇÃO - CLASSE