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Atos Irregulares e Atos Inexistentes

CAPÍTULO V – INVALIDADES ATOS ADMINISTRATIVOS

3. Atos Irregulares e Atos Inexistentes

Observa-se que alguns doutrinadores incluem em sua classificação de atos inválidos os atos irregulares e os atos inexistentes.

Os atos irregulares, conforme preciosa lição de Celso Antônio Bandeira de Mello384, são:

aqueles padecentes de vícios materiais irrelevantes, reconhecíveis de plano, ou incursos em formalização defeituosa consistente em transgressão de normas, cujo real alcance é meramente o de impor a padronização interna dos instrumentos pelos quais se veiculam os atos administrativos. Seria a hipótese, exempli gratia, de expedir-se um ato através de ‘aviso’, inobstante a lei previsse que deveria sê-lo, ‘por exemplo’, mediante ‘portaria’.

Como a origem dos atos irregulares deriva de erro relativo à metodização, ressalta o ilustre autor que eventual violação poderá ensejar somente sanções de natureza administrativa, em nada interferindo na validade do ato, já que “as regras atinentes a tal aspecto não têm relevância jurídica”.

Os atos irregulares também são reconhecidos por Seabra Fagundes385,

que, na mesma linha de pensamento acima, ressalta que os atos irregulares são aqueles que apresentam defeitos de pequeno relevo para o Direito, quase sempre de forma, ou seja: “o conteúdo do ato não prejudica nem nenhum interesse se pode dizer ferido por esses erros leves da forma”.

Weida Zancaner386, ao utilizar nomenclatura diversa e classificar como

“atos absolutamente sanáveis” aqueles “atos maculados por pequenas irregularidades”, na verdade, reporta-se aos atos irregulares. Para a autora, os atos irregulares abarcam apenas as hipóteses de vícios materiais irrelevantes.

De fato, incluir os atos irregulares entre as espécies de atos inválidos representa má interpretação. Isso porque os atos irregulares, como explorado de maneira brilhante pelos autores acima, representam na verdade vício de pequena monta e podem no máximo violar normas impostas pela própria Administração em nome da padronização de seus atos, não representando, assim, qualquer ameaça ou maculação aos direitos e garantias dos administrados. Portanto, a invalidade não é questão posta perante os atos irregulares.

A Lei Federal 9794/99, em seu artigo 2°, parágrafo único, inciso IX prevê que nos processos administrativos será observada a “adoção de forma simples, suficiente para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados”.

Pode-se interpretar o parágrafo único, IX, do art. 2.º da Lei Federal no sentido de admissão daquilo afirmado acima, visto que a referida Lei elevou a forma ao caráter instrumental, devendo o ato praticado com mero defeito formal ser resguardado.

385 O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, p. 72-73. 386 Da Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos, p..91.

Também no ordenamento jurídico pátrio o ato administrativo em sede de controle judicial não será invalidado diante de vício de motivação que importe em mera irregularidade, em consonância à instrumentalidade das formas positivada na Lei Federal.

Como bem anotado por Weida Zancaner387: “Inúmeros atos absolutamente sanáveis são, hoje, invalidados pela Administração Pública, a pedido do interessado, com o fito de procrastinar a aplicação da lei, mormente nos atos”.

Assim, para evitar o mau uso dos instrumentos de defesa à disposição do administrado, e consequentes maiores delongas administrativas e judiciais, mediante a existência dos atos irregulares, provenientes de violação de normas padronizadoras da Administração, devem tais atos ser considerados válidos, ensejando no máximo sanções administrativas. Contudo, quando estivermos diante de atos com vício materiais de pequena monta – como, por exemplo, erro de grafia - deve-se somente retificar o ato.

Por sua vez, os atos inexistentes388 são aqueles considerados verdadeiros disparates prescritivos, situando-se na seara do impossível, pois prescrevem condutas criminosas como, por exemplo, tortura, trabalho escravo, etc. Seus traços característicos são389: a) imprescritibilidade; b) a impossibilidade de eventual convalidação ou conversão; c) a possibilidade de direito de resistência; d) não resguardo de seus efeitos produzidos.

Com a devida vênia, entendemos que os atos inexistentes não podem ser incluídos como categoria de atos inválidos. Como a própria nomenclatura enuncia, os atos administrativos inexistentes são aqueles que, por abarcarem

387 Da Convalidação e da Invalidação dos Atos Administrativos, p. 91.

388 Celso Antônio Bandeira de Mello os inclui como categoria de atos inválidos (Curso de Direito

Administrativo, p. 437 - 438) conceituando-os como aqueles que “consistem em comportamentos que

correspondem a condutas ofensivas a direitos fundamentais da pessoa humana, ligados à sua personalidade ou dignidade intrínseca e, como tais, resguardados por princípios gerais de Direito que informam o ordenamento jurídico dos povos civilizados”.

situações disparates, contrárias à razão e ao bom senso, simplesmente não existem no ordenamento jurídico.

Ora, a invalidade refere-se aos atos jurídicos administrativos existentes no ordenamento, o que evidentemente não se configura nos atos chamados “inexistentes”390.

Um ato considerado inexistente – obviamente no sentido de absurdo real - nem entra no sistema normativo como ato jurídico, haja vista não possuir qualquer mandamento crível de caráter impositivo. Conseqüentemente, nem há que se falar em invalidade daquele ato, pois nem componente jurídico ele possui391. Se os atos inexistentes não são atos jurídicos, obviamente também não veiculam normas jurídicas392. Nesse compasso, válidas são as lições de Mônica Martins Toscano Simões393 sobre

o tema:

Ora, na medida em que os chamados atos inexistentes, assistindo o campo do impossível jurídico, não impõem obediência, forçoso é concluir que não se lhes reconhece teor prescritivo, indispensável à sua caracterização como atos jurídicos.

A mesma autora encontra uma solução primorosa para o impasse, enquadrando os atos inexistentes como fatos jurídicos que, quando portadores de condutas criminosas, colocam-se dentro das normas penais. Entendemos que o fato jurídico aqui deve ser interpretado como algo produzido e devidamente cumprido por alguém ao qual se atribui efeitos penais.

390 Sobre o pensamento acima Carlos Ari Sundfeld (Ato Administrativo Inválido. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 1990, p. 21-22) com propriedade elucida que “uma ordem inexistirá juridicamente se, além de inadmitida pelas normas do sistema, for desconhecida como tal pelos destinatários”.

391 Carlos Ari Sundfeld (op.cit, p. 22) ensina que “a invalidade é um atributo exclusivo de normas, isto

é, de atos jurídicos”.

392 Vladimir da Rocha França (Estrutura e Motivação do Ato Administrativo. São Paulo: Malheiros,

p.191-192) adverte que “se, por alguma insana razão, tenta a Administração Pública implementá-los, cabe ao administrado o direito de resistir manu militari à tresloucada medida, com supedâneo na regra da legítima defesa. Trata-se de uma garantia contra a delinquência dos agentes estatais”.

Dessa forma, rechaçamos por completo a possibilidade dos atos inexistentes serem considerados como categoria de atos inválidos.

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