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1 PATRIMÔNIO CULTURAL E SUA ELABORAÇÃO COMO

1.5 Atribuição de Sentidos e Construção de Identidades

O imaginário e as significações que são construídas a partir destas aproximações apontam para sensibilidades que, segundo Pesavento (2008, p. 58) são expressas em “atos, em ritos, em palavras e imagens, em objetos da vida material, em materialidades do espaço construído”. Estas também são referências para a organização de discursos e a percepção da alteridade – bases para a construção da identidade. Através de alteridades é que se produz identidades, estabelecidas em um processo relacional.

Segundo Pesavento (2008, p. 60), “há uma produção imaginária deste outro, que afirma a alteridade e a diferença, no tempo e no espaço”. Ela ainda destaca que esta construção se dá a partir da combinação das condições sociais, da percepção que se faz do outro e, por conseguinte, das relações discursivas estabelecidas. Hall (2009a, p.111-112) vê a identidade como um ponto capaz de relacionar “os discursos e as práticas que nos tentam ‘interpelar’ [...] para que assumamos nossos lugares como os sujeitos sociais de discursos particulares e, por outro lado, os processos que produzem subjetividades”.

A identidade é construção de sentido que organiza conceitos e permite a coesão social e, para Pesavento (2008), também relaciona o indivíduo com a coletividade. Ao estabelecer diferenças, ela ratifica sua formação através de processos relacionais marcados simbólica e socialmente. Deste modo, para Woodward (2009), a identidade somente pode ser vista como um ponto fixo dentro do discurso social quando se considera seu caráter relacional. Para a autora (2009, p.17), “a representação inclui as práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos como sujeito”.

Como integrantes do imaginário social, as representações identitárias são matrizes de práticas sociais, guiando as ações e pautando as apreciações de valor [...] elas se traduzem, pois, não apenas em performances de atores, mas em discursos e imagens, cumprindo a função de verdadeiros ícones de sentido, altamente mobilizadores (PESAVENTO, 2008, p.91)

Silva (2009, p. 82) destaca que “a identidade e a diferença se traduzem, assim, em declarações sobre quem pertence e sobre quem não pertence, sobre quem está incluído e quem está excluído”. Isto demonstra que a identidade é também um processo de demarcação, distinguindo o que fica “dentro” e o que fica “fora”, ratificando a ideia de que o preceito básico no qual a relação de identidade se sustenta é a ideia de diferenciação. Em relação ao patrimônio, enquanto elemento simbólico e representativo, ele integra os diferentes discursos que compõe e diferenciam as identidades.

O patrimônio cultural estabelece-se como ponto de referência para a construção identitária e, nesta aproximação, também ele é observado pela dicotomia entre identidade e diferença. Segundo Meira (2008, p.21), “ao escolher o que deve ser preservado como patrimônio, está-se definindo, também, o que pode ser descartado”. Neste conflito, entram em cena outras dicotomias, tais como “memória e esquecimento, modernidade e antiguidade [...] alienação e identidade, história e mito, autenticidade e simulacro, traição e invenção, verdade e representação, imagem e documento” (2008, p.21).

A pluralidade de contextos sociais oferta diferenciados significados à construção identitária, sendo capaz de alterar ou agregar novas características à identidade até então formada. O homem posiciona-se dentro das incontáveis possibilidades que lhe surgem – e a adoção de uma ou outra identidade é resultado das relações que ele assume. Para Woodward (2009, p.33), “as identidades são diversas e cambiantes, tanto nos contextos sociais nos quais elas são vividas quanto nos sistemas simbólicos por meio dos quais damos sentido a nossas próprias posições”.

O patrimônio cultural, neste sentido, pode ser tido como referência para a organização de caracteres comuns entre diferentes sujeitos, aproximando-os e gerando relações capazes de manter a aproximação entre eles. Neste sentido, Canclíni (1994, p.99) destaca que o patrimônio cultural é “o que um conjunto social considera como cultura própria, que sustenta sua identidade e o diferencia de outros grupos”. Assim, vê-se como a construção identitária é pautada pela diferença e, especificamente, como o patrimônio é elemento referencial para a organização e existência de um grupo.

O conjunto de bens que formam o patrimônio cultural é referencial para a geração e manutenção das identidades, trazendo para o presente alguns elementos do passado que são,

em qualquer forma, portadores de sentidos. Meira (2008) retoma, no caso das cidades, a contribuição de Rossi (2001) ao afirmar que este autor aponta tais elementos como permanências que, no contexto cultural, relacionam-se com questões ligadas à identidade. A própria ideia de locus, defendida pelo autor (2001, p.74) como “a relação singular, mas universal, que existe entre certa situação local e as construções que se encontram naquele lugar” coaduna com tal discussão, visto que ratifica o caráter referencial do bem edificado na elaboração e percepção das identidades.

A construção de uma identidade nacional foi motivação para o interesse, durante o Iluminismo, pelo patrimônio cultural. Os monumentos, enquanto elementos que ratificam a identidade de uma nação, também operam como marcos simbólicos de referência. A contemporaneidade, marcada pela oferta fragmentada de posições nas quais o sujeito pode localizar-se, faz com que existam diferentes possibilidades para a construção da identidade. Segundo Woodward (2009, p. 29), “as sociedades modernas [...] não têm qualquer núcleo ou centro determinado que produza identidades fixas, mas, em vez disto, uma pluralidade de centros”. No contexto do patrimônio cultural, destaca Meira (2008) que os monumentos ocupam um lugar de destaque para legitimar estas identidades, tanto individuais como coletivas, além de trazer verossimilhança para estas construções.

A leitura das fragmentações que formam a contemporaneidade se dá, sob uma lógica cultural, através de uma negociação de sentidos. Para Martín-Barbero (2001, p.304), as mediações que intermediam essas relações são “os lugares dos quais provêm as construções que delimitam e configuram a materialidade social e a expressividade cultural”. Já Polistchuck e Trinta (2003, p.148) definem que “mediar significa fixar entre duas partes um ponto de referência comum, mas equidistante, que a uma e a outra faculte o estabelecimento de alguma inter-relação”.

Em um contexto onde há sentidos e fatos culturais em circulação, cada sujeito envolvido pode fazer diferentes leituras sobre aquilo que recebe, construindo significações tanto individuais como coletivas. Para Jacks (1999, p. 48), estas leituras formatam “um conjunto de elementos que intervêm na estruturação, organização e reorganização da percepção da realidade em que está inserido o receptor, tendo poder também para valorizar implícita ou explicitamente esta realidade”. Através de mediações, acontece a produção e a reprodução dos sentidos construídos socialmente, sendo que ela é o “lugar” disponível para estas interações.

O palco onde se discute os processos de mediação é o cotidiano, necessário para a compreensão das interpretações feitas e, conforme Jacks (1999), também para salientar a

complexidade do real e os elementos simbólicos que aproximam sujeitos e campos sociais. Assim, busca-se valorizar elementos do modo de vida, dos contextos sociais e das experiências culturais do grupo social. O ambiente urbano e o patrimônio cultural inserem-se como referências para estes sujeitos, participando da construção de repertórios e das atribuições de sentidos.

Para Polistchuck e Trinta (2003), os efeitos destes sentidos são relacionados com trocas sociais, partilhas culturais e com o exercício contínuo de interação, resultando em construções que, além do sujeito, alcançam os grupos. Assim, é possível retomar a ideia do imaginário social e a construção de identidades, aproximando temas debatidos anteriormente e corroborando com Teves (2002, p.65), que aponta estas interações como um “processo de produção de sentidos que circulam em nossa sociedade que permitem a regulação de comportamentos, a identificação e a distribuição de papeis sociais”.

O produto dessa construção se realiza nos processos discursivos, a partir de significados que, sob a forma de signos-veículos, operam dentro de uma corrente comum. Segundo Hall (2009b, p.366), “uma vez concluído, o discurso deve então ser traduzido – transformado de novo – em práticas sociais, para que o circuito ao mesmo tempo se complete e produza efeitos”.