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2 LUGARES E SENTIDOS PARA O PATRIMÔNIO CULTURAL

2.3 Recorte Espacial e Apresentação das Edificações Referenciais

2.3.2 Cidade Universitária “Dr José Mariano da Rocha Filho”

FIGURA 11 – Cidade Universitária “Dr. José Mariano da Rocha Filho”. FONTE: a autora.

A Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) foi fundada em 14 de dezembro de 1960, a partir da assinatura da Lei 3834-C pelo então Presidente da República Jucelino Kubitschek. No entanto, as tratativas para a criação da UFSM foram iniciadas anos antes: a UFSM surgiu a partir da Escola Livre de Farmácia, criada em 1931. A partir de 1945, o Dr. José Mariano da Rocha Filho, médico egresso da Faculdade de Medicina da Universidade do Rio Grande do Sul (URGS, atualmente UFRGS), assume a direção da escola e a luta pela vinculação do curso santa-mariense àquela universidade para desafogar a instituição das dificuldades financeiras da época.

A instituição não era favorável à indexação das faculdades localizadas no interior do Rio Grande do Sul31 e, para cumprir o dispositivo constitucional que determinou à UFRGS a anexação das instituições, surge em Santa Maria a Associação Santa-mariense Pró-Ensino Superior (ASPES). Criada em 1948, sob a liderança de Mariano da Rocha Filho, a comunidade de Santa Maria passou a se articular também para consolidar a oferta de Ensino Superior na cidade.

A ASPES foi uma entidade determinante para a consolidação do desejo de expansão da oferta de cursos superiores tanto em Santa Maria como em outros municípios do país,

31 Além da Faculdade de Farmácia de Santa Maria, buscavam a indexação à URGS as Faculdades de

ampliando o potencial da interiorização da educação superior no Brasil. Segundo Barichello (2001, p.148), “a entidade gestionava junto aos políticos em nível local, estadual e nacional, elaborava o plano de funcionamento dos cursos e decidia a manutenção dos mesmos com a comunidade”. Através da ASPES, Santa Maria passou a contar com outros cursos além da já existente Faculdade de Farmácia: em 1954, foi criada a Faculdade de Medicina e, através das Faculdades Agregadas, a cidade podia contar com os cursos de Filosofia, Ciências Políticas e Econômicas, Direito e Enfermagem.

À época, também já havia a Faculdade Politécnica, sediada na Escola Industrial Hugo Taylor e, tão logo, a oferta dos cursos de Agronomia, Veterinária e Belas Artes. A criação da UFSM foi um marco na interiorização do Ensino Superior no Brasil e, segundo Barichello (2001), consagrou toda a dedicação de uma comunidade que, por cerca de 30 anos, atuou em prol da oferta de cursos superiores em Santa Maria. A concretização de um espaço físico para esta nova Universidade foi possível a partir da doação de terras realizada pelas famílias Tonetto e Behr, no bairro Camobi.

Segundo Pavezi (2010), assim que a USM foi criada, Mariano da Rocha Filho entrou em contato com Oscar Valdetaro e Roberto Nadalutti32, arquitetos responsáveis pelo projeto da Faculdade Politécnica, já em andamento na área recebida por doação. Assim, as primeiras discussões sobre o projeto da nova Universidade eram iniciadas, e as diretrizes já delineadas para este novo empreendimento eram alinhadas com o pensamento Modernista da época.

Pavezi (2011, p.17) destaca que as propostas idealizadas para Santa Maria tiveram inspiração “nas soluções desenvolvidas para a Cidade Universitária do Rio de Janeiro [...] e nos projetos de Le Corbusier e Lúcio Costa para a Cidade Universitária do Brasil”. Tanto no contexto urbano como nos projetos arquitetônicos, o Modernismo foi referência para diferentes cidades universitárias edificadas no Brasil durante o século XX – em Santa Maria, não seria diferente. A área doada à ASPES, de inicialmente 40 hectares, foi ampliada com a criação da UFSM, chegando a 578 hectares.

Neste espaço, a Cidade Universitária Dr. José Mariano da Rocha Filho foi edificada. Seu projeto tinha um determinante importante – a edificação correspondente à Faculdade Politécnica (atual Centro de Tecnologia) já estava em construção, assim como a via principal,

32 Oscar Valdetaro e Roberto Nadalutti foram os arquitetos responsáveis tanto pelo plano da Faculdade

Politécnica como pelo Plano Piloto para o campus da UFSM. Ambos egressos da Escola Nacional de Belas Artes, os dois foram sócios por longa data e tiveram atuação destacada no ramo da Arquitetura Hospitalar. Alguns de seus projetos são o Hospital de Clínicas de Ribeirão Preto (Ribeirão Preto/SP, 1956), a Maternidade Escola Assis Chateaubriand da Universidade Federal do Ceará (Fortaleza/CE, 1956) e o Hospital Santa Mônica (Belo Horizonte/MG, 1962). No Rio Grande do Sul, além do campus da UFSM, Valdetaro e Nadalutti tiveram participação no projeto do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Porto Alegre/RS, 1958). Fonte: ZAMPIERI, 2011.

que já havia sido delineada. Deste modo, após cinco propostas, o Plano Diretor para o campus da UFSM foi finalizado, dividido em setores para facilitar a organização de funções e públicos, assim como as etapas construtivas. A organização da Cidade Universitária Dr. José Mariano da Rocha Filho se dá a partir da seguinte configuração.

A Avenida Central, que configura o eixo estruturador norte-sul, permite a visualização das repetidas edificações de mesma tipologia onde se concentram os diferentes setores da UFSM. Após o arco, à direita, localiza-se (sic) o Colégio Industrial e Técnico e os edifícios do Centro Politécnico. Na sequência, ainda do lado direito, o conjunto de Institutos que se caracterizam por ter uma tipologia linear e geométrica constituindo-se por blocos de três pavimentos sobre pilotis interligados por anfiteatros e áreas livres de circulação. À esquerda da Avenida Central, está localizado o Centro Médico – onde se concentra o Hospital de Clínicas, o Hospital de Neurologia e Psiquiatria, e as faculdades de Medicina, Enfermagem, Odontologia e Farmácia. Após este conjunto, sucede-se a presença do lago artificial e posteriormente dois prédios idênticos, dando início as faculdades Isoladas e aos edifícios residenciais. A Avenida Central bifurca-se no sentido leste-oeste e delimita um grande parque retangular, onde se situa a Praça Cívica. No sentido leste encontra-se o Centro de Esportes e no oeste o Planetário. Ao sul uma sequência de edificações singulares em seu caráter formal: Casa das Nações, Imprensa Universitária, Teatro/Cinema, Reitoria, Prefeitura e Museu (PAVESI, 2011, p.18- 19).

A construção do plano diretor proposto para o novo campus foi dividido em três etapas, cujo prazo total era de cinco anos. No entanto, Grigoletti (apud Pavezi, 2011) destaca que grande parte da paisagem hoje presente no campus da UFSM foi edificada entre os anos 1960 e 1970. Tal situação é explicada, destacadamente, por circunstâncias políticas, administrativas e financeiras. Isto também justifica o diferente tratamento estético dado a determinadas edificações da Cidade Universitária – aquelas que integraram a primeira fase das construções, tais como o Centro Politécnico (atual Centro de Tecnologia), Hospital de Clínicas (hoje Hospital Universitário de Santa Maria), Biblioteca Central e Reitoria, por exemplo, possuem acabamento mais rico que outros, como os prédios básicos ou os atuais Centro de Ciências Rurais e Centro de Artes e Letras.

A arquitetura do campus da UFSM materializa elementos da escola Modernista em diferentes edificações. Segundo Pavezi (2011), é possível identificar o uso de brises, cobogós, pilares, murais e coroamentos, assim como pavimentos térreos com pilotis e/ou transparências, saguões marcando os acessos, estruturas aparentes, janelas em fita e a opção pela planta livre. O conjunto destas compõe o plano piloto proposto para o campus, agregando diretrizes da Arquitetura Moderna nacional de forma destacada.

A organização espacial dos setores propostos para o campus universitário segue diretrizes identificadas originalmente na proposta de Le Corbusier e Lúcio Costa para a

Cidade Universitária do Brasil e para as cidades de Brasília (Brasil) e Chandigarh (Índia). A proposta adota uma linha axial e um traçado tipo “espinha de peixe”, com as edificações paralelas a esta centralidade. Segundo Zampieri (2011, p.130), “o trajeto pela via principal, atual Avenida Roraima, permite um passeio arquitetônico que tem início em um pórtico de acesso ao campus [...] e é finalizado pela praça cívica”.

A Cidade Universitária Dr. José Mariano da Rocha Filho tem importância para Santa Maria como referência de arquitetura e de composição urbana, trazendo ideias e representações já em circulação no país e que, até então, apareciam de forma pontual na cidade (a exemplo da Residência Dátero Maciel, dos anos 1930, e o Edifício Taperinha, da década de 1950).

Ao mesmo tempo em que o projeto para o campus de Santa Maria atua como difusor da arquitetura moderna no âmbito local, devido ao seu caráter institucional e de relevância para o município; ele coloca a cidade de Santa Maria em um panorama nacional da arquitetura, uma vez que adota como sistema projetual a linguagem universal da arquitetura moderna (ZAMPIERI, 2011, p.137).

Deste modo, é possível mensurar a importância deste conjunto para a arquitetura local e sua inclusão no presente estudo. A partir dos valores propostos por Riegl (2013) e já apresentados anteriormente, a Cidade Universitária da UFSM pode ser observada tanto a partir dos valores de rememoração como daqueles de atualidade. Assim como a Residência Dátero Maciel, a Cidade Universitária enquadra-se em três valores determinados por Riegl (2013) – histórico, de novidade e de uso.

O campus materializa um trecho importante da história santa-mariense – a batalha de uma comunidade pela oferta de Ensino Superior na cidade. Tal empreitada hoje garante a Santa Maria uma posição importante neste segmento, visto que conta com sete instituições de Ensino Superior (Santa Maria em Dados, 2012). A posição de pioneira no Ensino Superior fora do eixo das capitais estaduais também garante à UFSM um ponto importante na história das Universidades brasileiras. Além disto, a construção do campus da UFSM no bairro Camobi foi determinante para sua urbanização e ocupação, potencializada a partir da década de 1960.

Em relação aos valores de contemporaneidade, o campus da UFSM agrega os valores de novidade e de uso. Mesmo cinquentenário, o espaço ainda é destaque para o acervo arquitetônico santa-mariense, tanto em seu traçado urbano como em suas edificações. Sua utilização é cotidiana e, paulatinamente, é ampliada conforme o crescimento da instituição.