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A ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA POR MEIO DE PRECEDENTES E A UNIFORMIZAÇÃO DOS JULGADOS

3 O PRECEDENTE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A UNIFORMIZAÇÃO DOS JULGADOS NO ÂMBITO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO

3.2 A ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA POR MEIO DE PRECEDENTES E A UNIFORMIZAÇÃO DOS JULGADOS

Daí que por estar tanto a atividade judicial quanto a atividade administrativa decisória submetidas ao mesmo ordenamento, como visto no tópico anterior, devem esquivar-se de interpretações arbitrárias geradoras de abusos, que não se confundem com a livre interpretação jurídica, bem como devem sujeitar-se aos mesmos princípios constitucionais que impõem a igualdade de tratamento das partes, motivação, previsibilidade das decisões, eficiência e segurança jurídica100. Nessa perspectiva, todo órgão decisório deve empenhar-se em assegurar a uniformidade das suas decisões, com o intento de saber o que já foi decidido anteriormente para evitar contradições e, consequentemente, tratar desigualmente os interessados gerando incertezas.

99 Ibidem, p. 325.

100 LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.

Noutra via, há no Direito Administrativo normas escritas que se cruzam e conceitos jurídicos indeterminados, os quais não asseguram uma regulação substanciosa das atividades administrativas. Dessa forma, o emprego do princípio da reserva legal no Direito Administrativo não impede a possibilidade e premente necessidade da prática de novas formas de apreciação e discrição administrativa101.

Diante da ampla margem de interpretação proporcionada pelos enunciados normativos e a conseguinte insegurança jurídica gerada, muitos países de tradição romano-germânica102, semelhantes ao Brasil, têm analisado a inserção da teoria de precedentes no âmbito da atividade administrativa. Nesse contexto, nos países que possuem uma jurisdição administrativa, são as decisões proferidas pelos tribunais administrativos que ditam o Direito Administrativo para o caso em contenda e para as situações futuras semelhantes.

Os precedentes administrativos, portanto, são os atos decorrentes do comportamento fundamentado da Administração Pública que evidenciam a potencialidade de regular a Administração, sempre que em conformidade com o ordenamento jurídico103. Mesmo que o país não possua especificamente uma justiça administrativa, como ocorre no Brasil, a atuação a partir dos precedentes pode ocorrer amplamente em qualquer órgão estatal que atue nos contenciosos administrativos.

Sendo assim, a relação de complementariedade entre os dispositivos legais e as decisões é estabelecida a partir da observação do princípio da legalidade administrativa104. Sobre isso, é substancial esclarecer que o princípio da legalidade evoluiu do agir assujeitado à legalidade estrita no qual a Administração estava restrita a uma atuação nos termos em que a lei permitia, sendo a primazia da lei tanto a fonte limitadora como legitimadora da atividade estatal, para a desvinculação da atuação administrativa desvinculada da lei em sentido estrito. Ou seja, hodiernamente, com a Constituição como centro do ordenamento jurídico por ser dotada de

101 Ibidem, p. 70.

102 Entre eles a Espanha, Peru, Argentina, Colômbia e Chile.

103 LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.

Curitiba: Juruá, 2017. p. 71.

104 Sobre o princípio, SIQUEIRA lembra que é “elemento tradicional do Direito Administrativo, a ele se direcionou

com maior especificidade no âmbito da estruturação do Estado de Direito, visando tutelar a liberdade dos sujeitos e evitar a prática de arbitrariedades por parte do Poder Público”. SIQUEIRA, Mariana de. Interesse público no

direito administrativo brasileiro: da construção da moldura à composição da pintura. Rio de Janeiro: Lumen

supremacia, tem-se que as normas jurídicas105 (princípios e regras) são resultado de uma pluralidade de textos jurídicos que vão além da lei pura e estrita106.

Assim surge a juridicidade, acepção contemporânea da legalidade, com o intuito de vincular a atividade da Administração à lei, mas também ao Direito, levando em consideração a existência de uma pluralidade normativa, na qual muitos são os agentes criadores das normas jurídicas vinculantes e variadas são as expressões dessas normas107. Sob o mesmo ponto de vista, o artigo 2º, parágrafo único, inciso I, da Lei de Processo Administrativo Federal, propõe que o agir administrativo seja baseado na lei e no Direito, ampliando a base normativa sobre a qual a Administração deve fundamentar suas atuações e abstenções108.

Contudo, isso não determina imediatamente que a prática decisória está em conformidade com a juridicidade do ordenamento pátrio e nem sua permissão para aplicação em caso concreto posterior. O que se busca é afastar o posicionamento restritivo da lei como única fonte norteadora da atuação administrativa, para reconhecer o precedente como fonte autônoma a influir na atividade administrativa, não de forma a substituir a legalidade, mas de maneira complementá-la autonomamente com regras, princípios e conceitos viabilizando a segurança jurídica, a imparcialidade, a igualdade e o princípio da legalidade109.

Evidencia-se, preliminarmente, que o Brasil não possui um conceito legislativo para definir precedentes administrativos ou os seus efeitos, a Lei de Processo Administrativo Federal não dispôs sobre os precedentes administrativos ou sobre as fontes do processo administrativo, nos termos do que se verifica no teor da legislação peruana110.

Sem embargo da inexistência de previsão na legislação brasileira de uma definição de precedente administrativo, um Projeto de Lei do Senado (PLS nº 349/2015), que propõe alterações na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, prevê o conceito do que nomeou de “orientações gerais”, sendo elas decorrentes de atuações anteriores da Administração Pública. Embora o Projeto de Lei não disponha de forma explícita sobre a

105 Podem decorrer de variados documentos jurídicos: lei em sentido estrito, Constituição e Tratados

Internacionais.

106 SIQUEIRA, Mariana de. Interesse público no direito administrativo brasileiro: da construção da moldura à

composição da pintura. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 126-136.

107 Ibidem, p. 131-132. 108 Ibidem, p. 135.

109 LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.

Curitiba: Juruá, 2017. p. 71.

110 No Peru, a Ley del Procedimiento Administrativo General 27.444 – Lei Geral de Processo Administrativo do

Peru estabeleceu, expressamente, em seu artigo V, como uma das fontes do processo administrativo, as decisões emitidas por tribunais ou conselhos da Administração Pública, as quais devem estabelecer critérios interpretativos de alcance geral e serem publicadas, gerando precedentes administrativos e esgotando a via administrativa. Ademais, o artigo VI, do mesmo diploma legal peruano, desenvolve o tema dos precedentes administrativos apresentando suas características e funções autônomas.

definição de precedente administrativo, já demonstra uma preocupação em regular a atividade administrativa reiterada e pública, e os reflexos futuros que estas podem gerar111. Notabiliza-se a importância dessa alteração legislativa, porquanto representa a inclusão da atuação administrativa concreta em uma norma de caráter geral para o Direito, além de dar margem para posterior desenvolvimento e pormenorização da atividade administrativa, inclusive com o a previsão e elaboração legislativa de um conceito de precedente administrativo.

Por outro lado, no ordenamento jurídico pátrio, existem normas que preveem decisões de uniformização jurisprudencial administrativa, as quais não possuem uma regra expressa de força vinculante, mas exercem uma forte influência sobre as decisões sucessivas da Administração, em razão de serem originárias, em regra, de órgãos administrativos superiores e buscarem a unificação do entendimento sobre determinado tema jurídico112. Essas decisões,

a depender das disposições específicas na Lei Orgânica e no Regimento Interno que regem a atuação do órgão, podem vincular a atuação administrativa futuramente113.

Nesse trilhar, em que pese a ausência de previsão legislativa explícita sobre a definição dos precedentes administrativos, como viu-se, existem várias normativas espalhadas que preconizam sobre decisões administrativas fundamentadas que tem a potencialidade de projetar efeitos para o futuro, além de disposições específicas que se assemelham a noção de precedente, nos termos do que propõe a citada legislação estrangeira.

No tocante ao conceito de precedente elaborado pela doutrina administrativa brasileira e quais atos são englobados pelo termo, salienta-se que o tratamento do tema ainda é parco pelas obras nacionais certamente pela preponderância de um Direito Administrativo ainda circunscrito à legalidade ou pela inexistente jurisdição administrativa, o que dificulta a consolidação de uma doutrina de precedentes no Direito Administrativo brasileiro. Entretanto,

111 O conceito de orientações gerais difere do que se denomina de precedente administrativo, tendo em vista que

aquele é mais amplo e não tem a previsão explícita da obrigatoriedade de motivação das decisões, consoante o que se observa no artigo 24 do Projeto de Lei nº 349/2015, in verbis: “Art. 24. A revisão, na esfera administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas. Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público”.

112 LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.

Curitiba: Juruá, 2017. p. 80. Outrossim, o incidente de uniformização de jurisprudência administrativa está expressamente previsto nas seguintes normas: Regimento Interno do Tribunal de Contas de União (artigo 91, §3º), Regimento Interno do CARF (artigo 10), Regimento Interno do CADE (artigo 105), Regimento Interno do CRPS (artigo 15).

113 De acordo com o artigo 40, §1º, da LCP nº 73/1993, possuem força vinculante as decisões que aprovam

pareceres administrativos emitidos pela Advocacia-Geral de União, quando aprovados pelo Presidente da República.

algumas obras destacam o assunto, mesmo que o fazendo em referência à jurisprudência administrativa, como aquela proveniente dos órgãos judiciais decisórios114.

Mesmo com abordagens doutrinárias distintas sobre o tema e uma noção pouco elaborada do conceito de precedente administrativo, este trabalho buscou se filiar à definição de precedente administrativo como norma jurídica retirada por indução de um ato administrativo decisório, individual e concreto, seja ele “ampliativo ou restritivo da esfera jurídica dos administrados” 115, que vincula a atuação da Administração Pública nos casos

sucessivos semelhantes116. Ou seja, a ideia de precedente assimilada pelo Direito Administrativo em pouco difere com o precedente dos países da common law, em consonância com o que se expôs no capítulo 02 deste trabalho, uma vez que será a ratio decidendi das decisões administrativas que definem de maneira consistente o alcance e forma de aplicação das normas a que se sujeita a Administração em relação a determinada evento, o que gerará a ideia de vinculação.

Em outras palavras, é certo que precedente administrativo faz referência à transcendência que pode ter uma decisão da Administração em um caso concreto anterior para decisões em casos similares posteriores. Assim, alude para os efeitos vinculantes que um ato administrativo pode gerar à Administração para além da situação objeto da decisão. Não obstante, deve-se ressaltar que a vinculação do precedente administrativo nem sempre se estende para outros órgãos administrativos dada a autonomia de cada um deles, pertencentes a entidades federativas distintas, o que também não impede a possibilidade de que haja influência ou vinculação moral destes precedentes perante os demais órgãos117.

Dessa forma, a visualização do precedente é mais clara nos casos de decisões dos “tribunais de contencioso administrativo”118, os quais são órgãos administrativos com

114 Por esse ângulo, verbi gratia, é o posicionamento de DI PIETRO e GASPARINI, esse último, por sua vez,

afirma que a jurisprudência administrativa gera consequências para a Administração Pública, a qual é capaz, por ato normativo seu, aplicar seus efeitos em outras situações semelhantes. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito

administrativo. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 66-69; GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 17.

ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 81. Noutro pórtico, em conformidade com o que pontifica OSWALDO ARANHA, a jurisprudência administrativa não se limita àquela proveniente dos órgãos judiciais, o precedente administrativo seria atividade interna, reiterada e uniforme da Administração que dá origem à jurisprudência administrativa. BANDEIRA DE MELLO, Oswaldo Aranha. Princípios Gerais de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 239.

115 CARVALHO, Gustavo Marinho de. Precedentes Administrativos no Direito Brasileiro. São Paulo:

Contracorrente, 2015. p. 121.

116 No mesmo sentido, para LUVIZOTTO o precedente administrativo é “um ato com conteúdo jurídico, do qual

se pode extrair uma norma jurídica, e pode produzir uma possível situação de autovinculação da Administração à sua própria conduta”. LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade

administrativa. Curitiba: Juruá, 2017. p. 103.

117 LUVIZOTTO, Juliana Cristina. Precedentes administrativos e a vinculação da atividade administrativa.

Curitiba: Juruá, 2017. p. 103.

significativa semelhança de funções com os judiciais, uma vez que possuem a garantia da imparcialidade de julgamento, seguem os ritos processuais com forte identidade com os ritos dispostos no Código de Processo Civil, estabelecem a coisa julgada administrativa (que pode ser revista em âmbito judicial), possuem órgãos decisórios superiores onde são tomadas decisões monocráticas e colegiadas, asseguram garantias processuais aos administrados e cumpre a necessidade de análise jurídica e motivação das decisões.

Com primazia, é facilmente compreensivo que das decisões emanadas por esses órgãos decorram a atuação pelos precedentes administrativos, especialmente pela exigência jurídica de motivação para adoção de decisões e a de fundamentação nas atividades realizadas, o que dificulta a mera reprodução de práticas isentas de conteúdo jurídico. Todavia, com o número cada vez maior de atribuições assumidas pela Administração Pública, levando em consideração a ampliação no seu campo de atuação, deve-se apontar neste texto que os precedentes administrativos também podem abordar os atos administrativos proferidos nas instâncias não contenciosas.

Nesse espeque, há tantos atos administrativos passíveis de criar precedentes, quanto atuações administrativas por meio de processos administrativos, vez que, dessa maneira, a Administração se pronuncia a partir de decisões motivadas119. Como dito acima, os precedentes administrativos podem se formar a partir de uma série de atos administrativos sejam eles restritivos do direito do administrado, lhe causando um gravame, ou ampliativos, responsáveis por criar ou ampliar direitos já existentes, desconstituindo possíveis distinções entre precedentes originados em razão da forma do ato ou de seu conteúdo jurídico.

Veja-se, os atos administrativos se tornam vinculantes na medida em que representam a solução jurídica para uma situação concreta, de maneira motivada. Em outras palavras, um ato de uma autoridade administrativa que possua uma razão de decidir aplicada a fatos concretos e que essa razão transcenda a esfera do caso individual irá, com isso, constituir um precedente administrativo que deve ser de observância obrigatória pela Administração (caráter normativo). Sem embargo, cabe ressaltar que a vinculação da Administração ao precedente não decorre, diretamente, da aplicação dos princípios da igualdade, segurança jurídica e eficiência, e sim de uma previsão normativa em lei ou regulamento. Com efeito, a principal função da vinculação da Administração ao precedente é exatamente garantir a uniformização da interpretação administrativa, de forma a reduzir demandas repetitivas que exijam novas manifestações do órgão consultivo, por exemplo, sobre situação já consolidada120. O objetivo é

119 Ibidem, p. 104. 120 Ibidem, p. 107.

justamente certificar de que a atuação administrativa será mais coerente e ágil, além de que as decisões emanadas estarão em consonância com os princípios elencados.

De acordo com o que se expôs no tópico acima, é a regra do artigo 50, inciso VII, da Lei 9.784/1999 que permite a distinção aplicativa (em analogia ao artigo 489, §1º, incisos V e VI, do CPC/2015). O agir administrativo está vinculado ao precedente, porém é possível afastar a aplicação do precedente naquele caso concreto, com a indicação das diversidades entre as teses jurídicas do precedente e aquelas que realmente deveriam incidir no caso concreto.

No entanto, a formalização do tratamento dos precedentes ainda é incipiente nos órgãos administrativos, pois não se tem uma sistematização padrão de como são tomadas as decisões que têm por base decisões anteriores do mesmo órgão, isto é, a autovinculação. Essa situação também gera um impasse na definição de quais tipos de atos podem ser denominados de precedentes administrativos.

É possível vislumbrar algumas iniciativas de organização interna da própria Administração com o escopo de uniformizar o seu entendimento e, por conseguinte, atribuir coerência às suas decisões, contudo não possuem a adesão de uma generalidade de órgãos administrativos. Na verdade, o que ocorre é que essas iniciativas são pontuais no que tange à uniformização da interpretação administrativa e, por isso, apresentam-se de forma fragmentada por todo ordenamento jurídico, dificultando uma sistematização121.

Noutra banda, cumpre elucidar que a elaboração de súmulas pelos órgãos administrativos não se confunde com a formação de precedentes administrativos, uma vez que as súmulas são, em regra, apenas verbetes de caráter geral e abstrato, que não possuem qualquer vinculação com os fatos do caso concreto que lhe deu origem. Desse modo, não permitem o acesso às razões da decisão e nem às circunstâncias fáticas da situação analisada.

Outrossim, não se deve confundir o precedente com outras figuras presentes na atuação administrativa, como: jurisprudência, costume, praxe administrativa e analogia. Assim, nos termos do que se explanou no Capítulo 02, precedente e jurisprudência administrativa não devem ser tratados como sinônimos, tendo em vista que, quantitativamente, o precedente administrativo costuma fazer referência a uma única decisão sobre caso em particular; ao passo que a jurisprudência é vista como uma pluralidade de decisões sobre vários casos concretos. Já qualitativamente, o precedente passa pela comparação entre os fatos do primeiro caso (anterior) e os fatos do segundo caso (sucessivo) para que se decida da mesma forma que o fez no caso anterior, em observância aos princípios da igualdade e segurança jurídica; a jurisprudência, por

outro lado, serve para sinalizar o entendimento majoritário de determinado órgão administrativo e ser utilizada – mormente os enunciados provenientes das decisões – como reforço argumentativo de uma tese adotada122.

No que se refere ao costume, é compreensível que se faça uma comparação entre precedente e costume, vez que ambos são comportamentos anteriores que, inevitavelmente, surtem efeitos no presente e influenciam acontecimentos futuros. Apesar dessa similaridade, o costume demanda uma reiteração de atos sem uma justificativa lógica (obrigatoriamente) e certa antiguidade, necessariamente; enquanto o precedente observa as justificativas utilizadas na decisão anterior e as utiliza no caso novo de forma racional, não tem o dever da reiteração de diversas decisões, bem como inexiste a exigência do fator tempo.

Já com relação à praxe administrativa, normas de conduta de eficácia interna da Administração que costumam reger o comportamento do funcionalismo público. Deve-se mencionar que, em regra, a prática administrativa não contém normas jurídicas, sendo constituída por simples e usuais normas técnicas, para uso interno e, por isso, não criam direitos ou geram obrigações aos administrados; em contraponto com o precedente administrativo que está diretamente relacionado à resolução de um caso particular.

Por último, nos termos do artigo 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a analogia deve ser usada nos casos de omissão legal, ou seja, é utilizada diante da ausência legal para decidir um caso concreto, em complemento as lacunas legais existentes no ordenamento jurídico; à medida que o precedente ocorre em momento posterior à analogia legal (artigo 4º, LINDB) – após definida a norma aplicável, deve-se verificar como ela será aplicada –, já que analogia utilizada é aquela para estabelecer uma comparação entre as realidades fáticas dos casos, para ser utilizado ou não o mesmo critério de julgamento. Assim, no caso do precedente se dá a analogia na aplicação específica da mesma norma jurídica para o caso concreto novo e não em decorrência da inexistência de dispositivo legal.

Diante do exposto, com o desenvolvimento da obrigatoriedade do precedente, formação e uniformização da jurisprudência administrativa, intenciona-se obstar a indeterminação normativa que propicia a existência de mais de uma interpretação de uma norma específica ante o mesmo caso concreto, o que pode ser resolvido por meio de procedimentos jurídicos previamente estabelecidos. Já que não basta examinar o caso e proferir julgamentos, é premente o dever de respeito à jurisprudência e a obrigatoriedade de se manter uma coerência entre as

122 TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Trad. Chiara de Teffé. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 3,

n. 2, jul.-dez./2014. Disponível em: <http://civilistica.com/precedente-e-jurisprudencia/>. Acesso em: 01 nov. 2017.

respectivas decisões, até para que a atuação administrativa seja mais efetiva, em respeito ao princípio da eficiência123.

Destarte, para garantir a uniformização dos julgados é exigível severa aplicação do princípio da publicidade, além da motivação das decisões. Isso porque, se os atos da Administração não forem prévia e publicamente divulgados, de forma adequadamente fundamentada, acessível e compreensível, conforme propõe a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), as decisões dos órgãos administrativos não serão conhecidas e, por sua vez, não poderão ser aplicadas em casos subsequentes em evidente descumprimento da isonomia e

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