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CAPÍTULO 3 – FORMAS DE ATUAÇÃO DOS BANCOS COMUNITÁRIOS DE

3.2 O estudo de caso

3.2.3 A atuação do BCD Ilhamar sob a ótica dos EES da Rede Ecosmar apoiados

Como já mencionamos anteriormente, o BCD Ilhamar desempenha uma função importante na organização da Rede Ecosmar. Cabe-lhe o papel de fomentar, na comunidade de Matarandiba, a construção de uma rede local de produção e consumo que se articulem livremente para discutir e debater o que o território demanda e o que ele precisa ofertar, estimulando produção e consumo no território, ambos através do microcrédito, porém o consumo um pouco mais marcado pela circulação da moeda social Concha.

Nesse sentido, o BCD Ilhamar tem apoiado os EES da Rede Ecosmar, principalmente, os empreendimentos associados à Ascoma, através da concessão de microcrédito para esses empreendimentos. Além disso, o BCD Ilhamar junto com a Ascoma tem participado de chamadas públicas (editais públicos), para captar recursos que serão utilizados para fortalecer a ação desses EES no território de Matarandiba. A participação nesses editais públicos de forma exitosa, tem sido a forma mais efetiva do BCD Ilhamar apoiar os empreendimentos da Rede. Isso porque o recurso que o Banco Ilhamar dispõe para realizar empréstimos ainda é insuficiente para promover ações mais estruturantes dos empreendimentos, como, por exemplo, compra de equipamentos mais caros para o funcionamento da padaria comunitária, da rádio A Voz da Terra e ainda outros.

A partir das informações obtidas pelas entrevistas da pesquisa de campo e minha experiência junto a esses EES, como assessoria técnica, verificamos que a relação entre o BCD Ilhamar e os empreendimentos apoiados, ocorreram principalmente, a partir da execução do Projeto Mão Amiga, em 2011.

É nesse sentido que buscaremos, a partir de agora, analisar as relações que se estabelecem entre o BCD Ilhamar e os EES apoiados, com objetivo de compreender se nessas relações há evidências das práticas dos princípios que norteiam a atuação do Banco Ilhamar, a saber: autogestão, cooperação e solidariedade. Nossa análise toma como ponto de partida, a própria percepção desses sujeitos que formam EES.

Com base nas entrevistas realizadas na pesquisa de campo, identificamos que as relações entre o BCD Ilhamar e os EES se realizam, principalmente no âmbito das reuniões gerais organizadas pela Ascoma, mensalmente, com o objetivo de discutir a situação de cada empreendimento, as dificuldades e as estratégias possíveis para superar os desafios desses EES, sejam eles de ordem de organização interna dos trabalhos, do processo de produção, de mobilização e/ou formação. É nesse espaço mais amplo de debate que são identificadas as necessidades dos empreendimentos e o BCD Ilhamar, a partir daí, estabelece as formas de apoio, como podemos perceber na entrevista com agente de crédito do BCD:

Quando o banco apoia esse investimento, a relação do banco na hora que o empreendimento vem aqui solicitar, por ser um empreendimento voltado para economia solidária, dentro da rede, ele tem um acompanhamento mais próximo ainda. Têm as reuniões gerais onde eles (clientes) também participam, têm todo esse planejamento de viabilidade também, e tem uma carência dos empréstimos liberados para os empreendimentos econômicos solidários. Se não me falha a memória, eles têm de um a dois meses para pagar. Essa foi uma regra definida no coletivo, com objetivo de apoiar os empreendimentos voltados para economia solidária (Agente fundadora do BCD Ilhamar 1, conselheira financeira da Ascoma, sexo feminino, negra, 39 anos de idade e segundo grau completo).

Aqui podemos verificar que existe uma preocupação em resolver de forma coletiva os problemas que afetam o funcionamento desses EES, assim como, existe uma união de esforços dos envolvidos nessas iniciativas, que supõe a construção de um tipo de relação pautada na confiança, no interesse e objetivos comuns de desenvolvimento da comunidade, através dessas iniciativas, e solidariedade. Esses elementos identificados são expressões que caracterizam princípios que orientam as práticas de economia solidária, como a cooperação e a solidariedade. No que concerne a percepção dos empreendimentos em relação ao apoio realizado pelo BCD Ilhamar, podemos analisar sobre dois aspectos, com base nos dados da pesquisa de campo nos EES, são eles: apoio financeiro e formação.

No primeiro, as entrevistas realizadas revelaram que todos os associados dos empreendimentos consideram essencial o apoio que o BCD dá, pois sem esse suporte muitas inciativas não teriam conseguido manter-se em funcionamento ao longo de todos esses anos, principalmente quando os recursos advindos dos financiamentos da empresa Dow e de editais públicos atrasavam ou acabavam:

Antes de ir para a padaria eu estava em outro empreendimento, então, antes de participar da padaria, eu sei que ela tinha recebido né, um recurso que veio através do banco, que foi de finança solidária, então, tipo, eu sei que esse valor foi pra padaria e mercadinho, então teve compras de maquinário e equipamentos e compras... coisas pra suprir as necessidades do mercadinho mesmo, produtos de revenda. Então eu acho que essa questão de ter esse recurso foi uma mão na roda, por assim dizer, porque tipo era o momento que eu sei né, conhecendo o histórico de tentativas para formar a padaria, que se não tivesse esse valor, talvez ela não tivesse sido inaugurada naquela

época (Empreendimento Solidário 4, sexo feminino, negra, 27 anos e ensino médio completo).

Sim, tem a padaria, que já tomou empréstimo no banco, inclusive recentemente. E tem a agroecologia que na época também estava passando por um momento difícil e foi o empréstimo do banco que deu um gás. Sem contar outros empreendimentos não econômicos solidários (solidária (Agente fundadora do BCD Ilhamar 1, conselheira financeira da Ascoma, sexo feminino, negra, 39 anos de idade e segundo grau completo).

Acho que o banco hoje em dia, fazendo uma avaliação da prática, dá o suporte aos empreendimentos já criados, principalmente os da ASCOMA, porque ele meio que gere as contas dos empreendimentos, isso nem é refletido internamente, mas o banco meio que gere contas de cada empreendimento, os agentes dos empreendimentos depositam, sacam quantias e o banco faz essa gestão. Eu acho isso muito massa porque faz um trabalho que é necessário ser feito, mas os empreendimentos não precisam fazer porque centralizam isso no banco. Acho isso muito bom! Por outro lado, ele é reflexo de uma, como posso dizer, uma hibridização entre o financeiro do banco e o financeiro da associação e isso pode ser um pouco perigoso. Acho que é algo bacana essa gestão das contas, mas que ao mesmo tempo tem que ter atenção porque são coisas diferentes e tem que ter muito cuidado. Mas apoio aos empreendimentos sim. A padaria por exemplo, recebeu muito apoio do banco e de recursos mesmo ao longo desses anos; iniciativas novas, por exemplo o jornal expresso de Matarandiba que é recente também recebeu apoio em algumas edições. Isso tudo tem impacto para a economia do lugar direto e indiretamente (Coordenador ITES/UFBA, sexo masculino, negro, 26 anos de idade e ensino superior completo).

Esses empreendimentos ainda possuem uma estrutura frágil em termos de sua sustentabilidade financeira. Dos cinco EES entrevistados, apenas dois conseguem obter receita para custear suas atividades, os demais ainda dependem dos aportes de recursos de financiadores externos, tanto público quanto privado. Entre os principais motivos identificados, podemos mencionar a falta de conhecimento técnico e de gestão para conduzir o empreendimento, a rotatividade dos associados nos empreendimentos, a própria dimensão do território em termos de tamanho e localização de Vila. Matarandiba é uma comunidade pequena e de difícil acesso, isso impacta as ações dos empreendimentos que não conseguem produzir e comercializar seus produtos nas quantidades necessárias para gerar receita suficiente para manter o empreendimento e os seus associados. Por isso, o suporte realizado pelo BCD se constitui fundamental para superar essas dificuldades impostas aos EESs.

O segundo ponto que identificamos nas entrevistas com os EESs, que permeiam as relações entre o BCD Ilhamar e os EESs diz respeito às formações realizadas pelo banco comunitário. A maioria dos entrevistados mencionou que o BCD Ilhamar, assim como a Ascoma, realiza formações com os demais empreendimentos e que essas formações são importantes para que a iniciativa possa superar as dificuldades, principalmente de gestão e controle financeiro. As principais formações que os entrevistados mencionaram foram sobre: economia solidária, gestão financeira e estudos de viabilidade econômica. Quando há necessidade de formações mais específicas, voltada para um empreendimento específico, o

BCD Ilhamar e a Ascoma buscam realizar através do contato com os seus parceiros, principalmente com o apoio da ITES/UFBA.

Segundo o coordenador de campo da ITES/UFBA, um dos entrevistados nesta pesquisa de campo, nos últimos anos a Ascoma junto com o BCD Ilhamar e a ITES/UFBA têm realizado um esforço de criar duas frentes de formação: uma política e outra mais técnica. Os temas das formações foram definidos a partir da demanda da comunidade e se destinam à toda a Rede Ecosmar, independentemente do empreendimento, com objetivo de integrar mais a Rede:

Na parte política nós fizemos uma série de rodas de diálogo que aconteciam com a presença de todos os membros da Rede, da Ascoma e da Ascomat e com um convidado durante um turno. As Rodas foram: Autogestão, Economia Solidária, Feminismo, Consciência Negra, e História da Rede Matarandiba; na Parte Técnica foram dois cursos: Gestão Criativa de Conflitos e Elaboração de Projetos Comunitários, o primeiro com 4 turnos e o segundo com 5 encontros presenciais e atividades em grupo fora do horário da formação (Coordenador de campo da ITES/UFBA, sexo masculino, negro, 26 anos de idade e superior completo).

Buscamos identificar se pelo fato do BCD Ilhamar apoiar financeiramente esses EESs, havia alguma interferência do Banco Ilhamar nos processos internos dos empreendimentos. A resposta de todos os entrevistados foi que não. Eles destacaram a autonomia que tinham para realizar suas atividades e tomar decisões. Quando havia necessidade de resolver algum problema que fugia de sua condição de resolver dentro do próprio empreendimento, eles mesmo buscava discutir coletivamente durante as reuniões gerais dos empreendimentos, realizadas mensalmente.

Diante do exposto até aqui, podemos concluir que as relações entre o BCD Ilhamar e os EESs apoiados são construídas com base no diálogo e participação coletiva dos associados, com vista a resolver problemas comuns que afetam diariamente esses empreendimentos. Nesses processos de gestão coletiva, observamos determinadas características autogestionárias, de cooperação e solidariedade, embora ainda não apropriadas plenamente por todo o coletivo. Isso não nos autoriza afirmar que não existe elementos desses princípios presentes, no entanto, não estão totalmente desenvolvidos, sendo lentamente inseridos no cotidiano dos sujeitos envolvidos nessas práticas. Se nos empreendimentos e no BCD Ilhamar percebemos a presença desses princípios, o mesmo não ocorre em relação a comunidade. Como discutimos ao longo deste capítulo, ainda parece distante da comunidade a ideia de uma outra organização social, econômica e política, que esses EESs da Rede lutam para construir.

Diante disto, percebemos o quanto essas experiências ainda são frágeis do ponto de vista do alcance de suas ações, estando limitadas a poucas pessoas participando diretamente dos empreendimentos, o que acaba sobrecarregando essas pessoas que já estão atuando nos

empreendimentos. Consequência decorrente daí, é que a Ascoma e os EES da Rede não conseguem promover na comunidade um espaço ampliado de discussões sobre as propostas de desenvolvimento para a comunidade, bem como não consegue realizar seu papel de formação política, ficando restrita as resoluções dos conflitos que permeiam as ações dos empreendimentos, ou resolvendo problema práticos da comunidade, como transporte, meio ambiente, etc. A fala do ex-Conselheiro Administrativo da Ascoma resume bem as dificuldades que as experiências de economia solidária de Matarandiba enfrentam para se firmarem como uma proposta real de desenvolvimento local:

A maior dificuldade é você conseguir manter as pessoas mobilizadas com aquele objetivo porque, não só em Matarandiba, mas as pessoas no geral vivem muito do agora, do resultado imediato e aquilo ali é tipo uma horta, você tem uma planta ali, tem que cuidar, regar, pra você ter um resultado. E o resultado que a gente busca além da necessidade imediata de gerar o trabalho e a renda é também um outro olhar sobre as coisas, e em vários e vários anos a gente não consegue fazer isso, porque chegam as pessoas e se desgastam pelo tipo de atividade, cobrança, o que você assume e acaba desmobilizando as pessoas, aí você começa a refleti “será que a gente pecou em alguma coisa? Errou em alguma coisa?” e mais lá na frente a gente vê que, claro, às vezes tem a parte de falha, mas tem aquilo da pessoa não conseguir ter resistência. O nosso movimento precisa de resistência, seja lá qual for o movimento, mas esses sociais têm que ter resistência e isso é mais difícil nas pessoas, de resistir até o final, de “estou com um problema aqui só que esse problema chegou até mim, eu preciso enfrentar ele” e muitas vezes a gente acha como solução a fuga e isso quebra o processo. O nosso meio que é um dependendo do outro, um processo em conjunto, quando um sai enfraquece, e você passa pelo momento de reconstituir tudo de novo. E ai, a avaliação minha é que a gente tem na Ascoma vários processos de reconstituir, de renovação, de retomada, mas tem a parte boa nisso porque você tem outras pessoas sendo formadas e mobilizadas, mas tem a parte de ter que avançar em algumas áreas e tendo que voltar um pouco ao marco zero, então, se desde o início as pessoas que começaram conseguissem mobilizar outras pessoas, mas em uma comunidade pequena isso é um pouquinho complicado, tem a questão familiar, de que todo mundo se conhece, tem a parte boa e tem a parte mais complicada porque e impossível você ter uma ação que beneficie alguém e não vai beneficiar a outra gama, e aí começa a questão da falta de visão, de um olhar mais até crítico sobre as coisas, e é assim, se hoje eu não estou sendo beneficiado com alguma ação da Ascoma, em algum momento eu vou ser, vou poder participar e muitas vezes não tem essa compreensão, e acaba tendo que retomar alguns processos. Essa é a parte mais difícil, se a gente conseguisse manter as pessoas mobilizada e focadas a manter aquilo ali a gente já estaria em outro patamar (Ex-Conselheiro Administrativo da Ascoma, atualmente agente de comunicação da Ascoma, sexo masculino, negro, 32 anos de idade e segundo grau completo).