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As Políticas de finanças solidárias e as experiências de bancos comunitários de desenvolvimento (BCDs): um estudo sobre o Banco Comunitário de Matarandiba – BCD Ilhamar - BA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

AS POLÍTICAS DE FINANÇAS SOLIDÁRIAS NO BRASIL E AS EXPERIÊNCIAS DE BANCOS COMUNITÁRIO DE DESENVOLVIMENTO (BCDs): UM ESTUDO

SOBRE O BANCO COMUNITÁRIO DE MATARANDIBA – BCD ILHAMAR-BA

Elenita Barbosa de Souza

Salvador 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

As Políticas de Finanças Solidárias e as Experiências de Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCDs): um estudo sobre o Banco Comunitário de Matarandiba – BCD

Ilhamar - BA

Elenita Barbosa de Souza

Dossiê apresentado para o Exame de Qualificação como requisito obrigatório do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS), da Universidade Federal da Bahia - UFBA, sob orientação do profº Dr. Jair Batista da Silva e co-orientação da prof. Dra. Selma Cristina Silva de Jesus.

Salvador 2019

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Souza, Elenita Barbosa de

As Políticas Públicas de Finanças Solidárias no Brasil e as Experiências de Bancos Comunitários de Desenvolvimento: um estudo sobre o Banco Comunitário de Matarandiba - BCD Ilhamar-BA / Elenita Barbosa de Souza. -- Salvador, 2019.

208 f.

Orientadora: Jair Batista da Silva .

Coorientadora: Selma Cristina S. de Jesus .

Dissertação (Mestrado - Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais) -- Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - UFBA, 2019.

1. Bancos Comunitários de Desenvolvimento. 2.

Economia Solidária. 3. Políticas Públicas de Geração de Trabalho e Renda. I. , Jair Batista da Silva. II. , Selma Cristina S. de Jesus. III. Título.

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AGRADECIMENTOS

Este trabalho é fruto da contribuição de muitas pessoas que estiveram presentes ao longo da minha trajetória de vida e acadêmica. São pessoas sem as quais a jornada teria sido muito mais difícil. Agradeço a Deus pela vida de cada uma!

Agradeço aos meus pais, que sempre estiveram presente em minha vida, mesmo quando as minhas escolhas nos fizeram ficar distantes, mas nossa ligação sempre foi e continuará a ser maior que o espaço que nos separa. Amo vocês!

Às minhas irmãs e irmãos que sempre me apoiaram e com as quais pude compartilhar as minhas angustias e cujos pitocos (sobrinhos) sempre foram fontes de imensuráveis alegrias.

À profa. Selma Cristina e ao prof. Jair Silva, minha orientadora e meu orientador, que generosamente compartilharam comigo seus saberes e experiências e me ajudaram a compreender que no caminho da construção do conhecimento sempre existirá a prerrogativa da interrogação, fundamental para consolidar ou não nossas crenças e lançar luz a outras possibilidades. Sou grata a vocês por isso!

Ao professor Genauto França, agradeço pela oportunidade de ter me apresentado a Economia Solidária e ter me aceitado em seu grupo de pesquisa desde início da minha graduação, lá em 2008. Este trabalho é fruto dessa experiência.

Agradeço as professoras Elsa Kraychete e Iracema Brandão por ter participado de minha banca de qualificação e pelas sugestões feitas.

Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFBA pelo apoio fornecido durante todo o meu processo de formação.

Agradeço ao CNPq pela bolsa que financiou os meus estudos no mestrado.

Aos amigos da Rede Ecosmar de Matarandiba, em especial ao Banco Ilhamar e a Ascoma, por me ajudarem a construir este trabalho e compartilharem comigo seu tempo e suas experiências. Sou imensamente grata a todos e todas vocês, especialmente a Mana, Zé Mário, Barbinha, Rose, Jafeth, Gil, Sirlene, Marcos, Josias e Binha.

À Flavio pelo companheirismo e carinho durante esta jornada, marcada por momentos de angustias, mas também de alegrias.

(6)

A Diana, Laís, Iago, Magno e Nanda por fazerem do trabalho um espaço de afeto, cuidado, companheirismo e amizade.

À Binha, Clari, Edna e Simaia por todo o carinho e apoio sempre tão presentes e por me incentivar a seguir em frente ao dar tanta importância ao meu trabalho de escrita.

À Pati e Juliana pela amizade e apoio na tradução do resumo para a língua inglesa. Ao amigo Paulo Henrique que por diversas vezes me socorreu quando o desespero batia enquanto eu tentava analisar os dados da pesquisa de campo no softwere Atlas.ti. Valeu meu amigo!

Agradeço a todos os meus amigos e amigas que estiveram comigo até esse momento. Vocês não fazem ideia do quanto me ajudaram! Serei eternamente grata!

(7)

RESUMO

O presente estudo tem como objetivo analisar as formas de atuação do Banco Comunitário de Desenvolvimento (BCD) Matarandiba – Ilhamar, observando os princípios de autogestão, cooperação, viabilidade econômica e solidariedade, no âmbito da economia solidária. Para esta proposta, buscamos analisar como os sujeitos que integram essa experiência se relacionam entre si e verificar, também, como as relações desses sujeitos e os demais membros dos empreendimentos econômicos solidários (EES) apoiados pelo BCD Ilhamar refletem os princípios, que a priori servem de norte para os EES que se gestam no campo da economia solidária. O Banco Ilhamar é uma das iniciativas da Rede Ecosmar, desempenhando o papel de agente socioeconômico no território, na busca por fortalecer a economia local. O método de pesquisa utilizado foi o estudo de caso qualitativo. As técnicas utilizadas foram a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental, as entrevistas semiestruturadas e as conversas informais.

O estudo realizado aponta para evidências das práticas desses princípios no conjunto de ações desempenhadas pelo BCD Ilhamar, entretanto, a pesquisa de campo realizada não nos permite afirmar que esses princípios se encontram plenamente enraizados nas práticas desse empreendimento e, nem, nos demais sujeitos envolvidos nesses processos, seja a comunidade, os comerciantes ou mesmo os próprios associados dos EES analisados.

Palavras-chave: Bancos Comunitários de Desenvolvimento. Finanças Solidárias. Princípios

de Economia Solidária. Políticas Públicas de Geração de Trabalho e Renda.

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ABSTRACT

The present study aims at analyzing the ways in which the Community Bank of Matarandiba - BCD Ilhamar operates, observing the principles of self - management, cooperation, economic viability and solidarity in the context of solidarity economy. For this purpose, we seek to analyze how the subjects that integrate this experience relate to each other and also verify how the relations of these subjects and the other members of the solidarity economic enterprise (EES) supported by the BCD Ilhamar reflect the principles that a priori serve as the north for the EES in the field of solidarity economy. The BCD Ilhamar is one of the initiatives of the Ecosmar Network, playing the role of socio-economic agent in the territory, seeking to strengthen the local economy. The research method used was the qualitative case study. The techniques used were bibliographic research, documentary research, semi-structured interviews and informal conversations. The present study points to evidence of the practices of these principles in the set of undertaken by the BCD Ilhamar, however, the field research carried out does not allow us to affirm that these principles are fully rooted in the practices of this enterprise and nor in the people involved in these processes, be it the community, local traders or even the people part of the EES analyzed.

Key words: Community Development Bank. Solidary Finance. Principles of Solidarity

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ANTEAG ARESOL ASA ASCOMA ASCOMAT ASCOOB

Associação Nacional de Trabalhadores em Empresas Autogestionárias e de Participação Acionária

Associação Regional dos Grupos Solidários de Geração de Renda Movimento de Articulação do Semi-Árido

Associação Comunitária de Matarandiba Associação Cultural de Matarandiba

Associação das Cooperativas de Apoio a Economia Familiar BCD

BM CAC CCM

Banco Comunitário de Desenvolvimento Banco Mundial

Comitê de Análise de Crédito

Conselho Comunitário de Matarandiba CCS Cooperativa de Crédito Solidário CESOL

CNBB

Centro Público de Economia Solidária Conselho Nacional de Bispos do Brasil COGEFUR

DIEESE

Conselho Gestor do Fundo Rotativo

Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos ECOSOL

EES ERTS FDCM

Economia Solidária

Empreendimento Econômico Solidário Empresas Recuperadas de Trabalhadores

Fórum de Desenvolvimento Comunitário de Matarandiba FRS Fundo Rotativo Solidário

FS Finanças Solidárias GT

IBGE

Grupo de Trabalho

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ITES

IPEA

Tecnológica de Economia Solidária e Gestão do Desenvolvimento Territorial

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MTE

OCB OIT

Ministério do Trabalho e Emprego Organização das Cooperativas Brasileiras Organização Internacional do Trabalho

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ONGS OSCIPS

Organizações não governamentais

Organização da Sociedade Civil de Interesse Público PAC's

PIB PEA PNAE

Projetos Alternativos Comunitários Produto Interno Brasileiro

População Economicamente Ativa

Programa Nacional de Alimentação Escolar PPA

PROGER

Planejamento Plurianual

Programa de Geração Emprego e Renda PRONAF

RMS SCMs

Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar Região Metropolitana de Salvador

Sociedades de Crédito ao Microempreendedor SENAES Secretaria Nacional de Economia Solidária SESOL Superintendência de Economia Solidária SETRE

SIES SOBEMA

Secretaria de Trabalho, Emprego, Renda e Esporte Sistema de Informações da Economia Solidária

Associação Sociedade Beneficente Amigos de Matarandiba SPC

TAC

Sistema de Proteção ao Crédito Taxa de Abertura de Crédito UFBA

UNISOL

Universidade Federal da Bahia

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

1.1 A orientação metodológica 17

1.2 Estrutura da dissertação 24

CAPÍTULO 1 – UMA REFLEXÃO SOBRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA NO 26

BRASIL 26

1.1 Breve contexto do processo de desestruturação do Mercado de Trabalho Brasileiro 27

1.2 Notas sobre algumas experiências paradigmáticas do cooperativismo na Europa 31

1.3 Economia Solidária: o debate no Brasil 35

1.4 As experiências de economia solidária 44

1.5 Os princípios que norteiam às práticas de economia solidária no Brasil 48

1.6 Trajetória da Política Pública de Economia Solidária no âmbito da SENAES/TEM 55

CAPÍTULO 2 – FINANÇAS SOLIDÁRIAS E OS BANCOS COMUNITÁRIOS DE DESENVOLVIMENTO NO BRASIL 70

2.1 Microcrédito e Microfinaças: uma alternativa no combate à pobreza? 70

2.2 Panorama das Microfinanças e dos programas de microcrédito no Brasil 79

2.3 As Finanças Solidárias e os Bancos Comunitários de Desenvolvimento no Brasil 92

2.3.1 Os Bancos Comunitários de Desenvolvimento 99

2.3.1.1 Definições e singularidades dos Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCD) 100

2.3.1.2 Abordagem analítica dos Bancos Comunitários: o contexto teórico da 108

Economia Substantiva de Karl Polanyi 2.3.1.3 O conceito de utilidade social aplicado aos Bancos comunitários de 113

Desenvolvimento CAPÍTULO 3 – FORMAS DE ATUAÇÃO DOS BANCOS COMUNITÁRIOS DE DESENVOLVIMENTO (BCDs): O CASO BANCO COMUNITÁRIO ILHAMAR 118

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de Matarandiba – Rede Ecosmar

3.1.1 A realidade local da Vila de Matarandiba – Vera Cruz/BA 119

3.1.2 A estrutura associativista de Matarandiba 128

3.1.3 A Rede Economia Sustentável e Solidária de Matarandiba – Rede Ecosmar 130

3.1.4 Breve caracterização dos Empreendimentos Econômicos Solidários (EES) da 136

Rede Ecosmar apoiados pelo BCD Ilhamar 3.1.4.1 Rádio Comunitária A Voz da Terra 136

3.1.4.2 Infocentro Comunitário Infomar 137

3.1.4.3 Horta Comunitária 138

3.1.4.4 Grupo de Ostreicultura 140

3.1.4.5 Padaria Comunitária 141

3.2 O estudo de caso 143

3.2.1 Apresentação do perfil dos sujeitos entrevistados 143

3.2.2 Formas de atuação dos Bancos Comunitários a partir dos princípios de 146

Economia Solidária: o estudo de caso do BCD ILHAMAR 3.2.2.1 O Banco Comunitário de Matarandiba – BCD Ilhamar 147

3.2.2.2 Gestão e funcionamento do BCD Ilhamar 149

3.2.2.3 Serviços Financeiros do BCD Ilhamar 157

3.2.3 A atuação do BCD Ilhamar sob a ótica dos EES da Rede Ecosmar apoiados 169

3.2.4 A relação dos EES da Rede Ecosmar apoiados pelo BCD Ilhamar com a Dow Brasil 173

CONSIDERAÇÕES FINAIS 177

REFERÊNCIAS 185

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INTRODUÇÃO

Nosso objeto de pesquisa é analisar as formas de atuação dos bancos comunitários de desenvolvimento (BCDs) a partir da experiência do Banco Comunitário de Matarandiba (Ilhamar) no âmbito da economia solidária, por meios das ações de políticas públicas de finanças solidárias executadas pela, até então, Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES/MTE)1, entre os anos de 2005 a 2015. O marco temporal de análise, 2005 a 2015, foi escolhido pelo fato de que nesse período foram realizadas as principais políticas públicas de apoio a essas experiências.

O banco comunitário de Matarandiba – BCD Ilhamar está localizado na vila de Matarandiba, uma pequena ilha do município de Vera Cruz, situada na Ilha de Itaparica, que abriga os municípios de Vera Cruz e Itaparica, ambos pertencentes à Região Metropolitana de Salvador (RMS). A comunidade possui cerca de mil habitantes e sua economia é baseada na pesca, mariscagem e pequenos comércios. O banco comunitário Ilhamar foi inaugurado em 2008, com vistas a oferecer serviços financeiros solidários em rede, de natureza associativa e comunitária, voltados para a geração de trabalho e renda, tendo por base os princípios da economia solidária (SANTANA, 2011).

Os Bancos Comunitários de Desenvolvimento (BCDs) emergiram no Brasil como estratégia de desenvolvimento local. Enquanto sistema de finanças, o Banco comunitário de desenvolvimento (BCD) pode ser definido como um sistema de finanças solidárias de natureza associativa e comunitária voltada à geração de trabalho e renda em territórios com populações vulneráveis sócio-economicamente2, orientado por preceitos da economia solidária, tais como: autogestão, cooperação, solidariedade e mobilização comunitária.

1No dia 04 de novembro de 2016, já no governo ilegítimo de Michel Temer, a SENAES/MTE foi desconstituída

de sua condição de Secretária Nacional e tornou-se Subsecretária na nova estrutura do Ministério do Trabalho e Emprego. Traremos dessa discussão no próximo capítulo. Por hora, mesmo não sendo mais a SENAES/MTE, adotaremos essa forma de nos referirmos a ela, pelo fato de que as políticas de apoio a economia solidária e as finanças solidárias que analisaremos nessa pesquisa estão compreendidas no espaço-temporal em que a secretária ainda mantinha seu status de SENAES/MTE.

2 Melo Neto e Magalhães (2005) afirmam que, em geral, o público dos BCDs diz respeito a pessoas e grupo de pessoas que vivem em condições de vulnerabilidade sócioeconômica. Essa população, além da exclusão financeira, convive com situações de acesso precário a outros recursos e serviços, além de residirem em comunidades distantes dos centros econômicos (favelas, bairros periféricos, comunidades quilombolas, assentamentos rurais, áreas indígenas). Entre essas pessoas, encontram-se beneficiários de programas sociais governamentais, subempregados, trabalhadores informais, assalariados e pequenos produtores, vivendo de pequenas atividades econômicas.

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Desse modo, nesta pesquisa temos como objetivo analisar a forma de atuação de um banco comunitário de desenvolvimento, através do estudo sobre o Banco comunitário de Matarandiba – Ilhamar, observando os princípios de autogestão, cooperação, viabilidade econômica e solidariedade que fundamentam às ações da economia solidária.

A partir da análise desses princípios de economia solidária, é possível associá-los a três dimensões estruturantes de ação dos bancos comunitários: 1) dimensão sócio-organizativa - buscou-se obter as informações mais gerais sobre a forma de organização, a quantidade de participantes e o tipo de atividades desenvolvidas; 2) dimensão socioeconômica: analisar quais as formas de captação de recursos, qual volume de créditos liberados, os investimentos realizados através dos créditos, o nível de renda possibilitado para os agentes de crédito, como os empreendimentos beneficiados realizam a comercialização e inserção no mercado; e 3) dimensão sociopolítica: abordar o aspecto da (auto)gestão e da articulação sociopolítica do empreendimento econômico solidário (EES), verificar como se dá o processo de tomada de decisões e de que forma o EES se envolve com a comunidade em que se localiza e com outros EES.

As finanças solidárias são iniciativas coletivas que constituem o diversificado campo da economia solidária, voltadas para a inclusão financeira via organizações não bancárias como os bancos comunitários de desenvolvimento, os fundos rotativos solidários e as cooperativas de créditos solidários. Segundo Abramovay e Junqueira (2005), as finanças solidárias podem ser compreendidas como uma prática de microfinança composta por iniciativas que valorizam o potencial de mobilização de investimentos locais, o financiamento conjunto das unidades de produção e consumo, e são as redes de relações sociais3 entre os indivíduos que atuam como modalidades de garantia e controle desses financiamentos.

As microfinanças4 são formadas por instituições que podem prover os cidadãos de diversos serviços financeiros, dentre os quais empréstimos, poupança e seguros (CALDAS, 2003). Assim, a expressão microfinanças significa o fornecimento de empréstimos, poupanças e outros serviços financeiros especializados para pessoas carentes. São geralmente bancos,

3 São o conjunto de unidades sociais e de relações, diretas e indiretas, entre essas unidades sociais. As unidades sociais podem ser indivíduos ou grupos de indivíduos, informais e formais, tais como associações, empresas, países. As relações entre os elementos da rede podem ser transações monetárias, troca de bens e serviços, transmissão de informações, podem envolver interação face a face ou não (FONTES; PORTUGUAL, 2009, p. 284).

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financeiras, Sociedades de Crédito ao Microempreendedor (SCMs), cooperativas, Oganizações não governamentais (ONGs) e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPS). As experiências de BCDs são um fenômeno recente no Brasil, cuja construção contou decisivamente com a experiência pioneira do Banco Palmas (1998), em Fortaleza/CE, referência mundial sobre o assunto. No final de 2013 existiam 103 BCDs em vários estados brasileiros. No nordeste existem 52 BCDS, no norte (16), no sudeste (25), no centro-oeste (7) e no Distrito Federal (3). O Ceará é o estado do nordeste com maior número de BCDs, são 37. Diferentemente das práticas de microcrédito convencionais, que estão orientadas para a pessoa ou organização individual, os BCDs preocupam-se com o território ao qual pertencem, seja ele, uma comunidade, um bairro ou um pequeno município. Compreendidos a partir dos princípios da economia solidária, os BCDs configuram-se como organizações de finanças solidárias, onde gestão, processos e produtos estão voltados para o bem estar dos indivíduos. Segundo França Filho e Silva Jr. (2009), essas experiências são criadas em territórios vulneráveis econômico e socialmente, sua presença e ações têm o propósito de fortalecer a economia das comunidades, empoderar os habitantes e as organizações destes territórios.

Segundo Rigo (et al, 2012), os BCDs são tecnologias sociais5 que estão a serviço de uma política pública de finanças solidárias que pretende atingir os territórios vulneráveis socioeconomicamente. Suas estruturas de gestão e a metodologia de concessão e cobrança de empréstimos estão baseadas nas relações de proximidade entre os atores das localidades, isto é, relações de confiança mútua tão cara aos empreendimentos ditos de economia solidária.

Para Singer (2013), as ações do banco comunitário assumem um sentido em busca de mudanças, não só no modo como concede o crédito e pelo seu arranjo institucional, mas também no desenvolvimento de projetos que articulam formação profissional, estímulo à formação de empreendimentos produtivos coletivos e à formação de redes locais de produção e consumo, criando um horizonte comum no desenvolvimento econômico e social daquele território.

Em 2006 foi constituída a Rede Brasileira de Bancos Comunitários, com o intuito de contribuir para troca de experiências, saberes e articulação de recursos e parcerias para o

5 Tecnologias Sociais são produtos, técnicas ou metodologias reaplicáveis e inovadoras, desenvolvidas na interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social às diversas realidades onde elas se aplicam (Rede de Tecnologias Sociais (RTS) (RIGO et al, 2012).

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desenvolvimento institucional do conjunto dos bancos comunitários do país (REDE, 2006). A. Rede Brasileira de Bancos comunitários constituiu-se através da articulação de todos os bancos comunitários criados no Brasil, a partir da experiência e da metodologia desenvolvida pelo Banco Palmas, e que estão de acordo com o termo de referência6 e o marco teórico conceitual dos Bancos Comunitários. Todos esses bancos recebem uma espécie de “marca de certificação” da Rede. Atualmente a Rede Brasileira de BCDs conta com 115 bancos em todo território nacional, conforme podemos verificar na figura abaixo:

6 São documentos elaborados durante os encontros da Rede Brasileira de Bancos Comunitários que estabelecem a definição conceitual dos bancos comunitários, seus princípios, regras de funcionamento, serviços principais ofertados pelas iniciativas etc. O termo de referência e o marco conceitual dos bancos comunitários estão anexados a este documento.

(17)

Figura 1 - A distribuição dos BCD no território brasileiro

Fonte: Cadernos de Finanças Solidárias (NESOL-USP, 2015)

Tais práticas eram vistas pela SENAES/MTE como mecanismo para que as pessoas mais vulneráveis socioeconomicamente fossem, de fato, incluídas no sistema financeiro e tivessem acesso ao crédito. Em 2005, o Governo Federal Brasileiro, capitaneado pela Secretaria Nacional de Economia Solidária – Ministério do Trabalho e Emprego (SENAES/MTE) implantou o Projeto de Apoio à implantação e consolidação de bancos comunitários, em

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parceria com o Instituto Palmas7. Este projeto evidenciava o entendimento da SENAES/MTE de que o banco comunitário se constituía em um produto catalisador das ações do desenvolvimento territorial, articulando, simultaneamente, produção, comercialização, financiamento e formação cidadã.

No Plano Plurianual (PPA) de 2008 e 2011, o Programa Economia Solidária em Desenvolvimento, desta Secretaria, incluiu a ação nº 8.056, indicando o "Fomento a Finanças Solidárias com Base em Bancos Comunitários e Fundos Solidários" (NESOL-USP, 2016). O valor total empenhado para o fomento das duas iniciativas de finanças solidárias foi o de R$12.398.206,02. Em 2010, iniciou-se a execução do primeiro projeto nacional, através das Chamadas Públicas 003/2010 sob o título: “Ação de fomento às finanças solidárias com base em bancos comunitários e fundos solidários”, da SENAES/MTE), conformador de uma primeira política nacional de finanças solidária no Brasil. Em 2014, a SENAES/MTE lançou novo edital público de projeto sob o mesmo título, “Ação de fomento às finanças solidárias com base em bancos comunitários e fundos solidários”, em continuação ao projeto anterior8.

A partir desse ponto é possível ter uma noção geral das iniciativas que constitui o campo das finanças solidárias no Brasil, assim como, perceber o papel que essas iniciativas assumem dentro de um projeto social, tendo a economia solidária como eixo de orientação para a construção de uma política pública de geração de trabalho e renda.

Assim, nos colocamos o seguinte problema de pesquisa: Quais as formas de atuação do Banco Comunitário de Matarandiba – Ilhamar, observando os princípios de autogestão, cooperação, viabilidade econômica e solidariedade, no âmbito da economia solidária? Essa é a questão que pretendemos responder ao final dessa pesquisa.

1.1 A orientação metodológica

7 Legalmente, o Instituto Palmas funciona como uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

(OSCIP) de microcrédito. Ele atua como uma organização de gestão da rede e fornece apoio jurídico a todos os bancos comunitários, muitos dos quais são apenas “associações locais” sem estrutura institucional. Como uma OSCIP, o Instituto Palmas pode estabelecer parcerias com o setor público e os bancos oficiais, gerando recursos e tecnologias para o benefício dos bancos comunitários que fazem parte da rede (http://www.institutobancopalmas.org; acesso em 5 fev. 2018).

8 Nos próximos capítulos dessa pesquisa, desenvolveremos mais detalhadamente essa discussão sobre às Ações de Fomento às Finanças Solidárias promovidas pela SENAES/MTE. Entretanto, cabe aqui destacarmos que desde o golpe de 2016, que levou Michel Temer à presidência da república brasileira, a SENAES/MTE sofreu reduções drásticas do seu orçamento e do seu quadro de funcionários, vindo a ser extinta em novembro de 2016. Esse cenário impactou diretamente a execução dos programas que vinham sendo promovidos pela secretária.

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Em virtude do próprio objeto de estudo, nesta pesquisa optamos por uma abordagem qualitativa do problema, no intuito de “compreender e explicar o fenômeno social com o menor afastamento possível do ambiente natural” (GODOI e BALSINI, 2010, p. 91). Conforme Lima (2001), a abordagem qualitativa tem por objetivos compreender o fenômeno, descrever o objeto de estudo, interpretar seus valores e relações, não dissociando o pensamento da realidade dos atores sociais e onde pesquisador e pesquisado são sujeitos recorrentes e, por consequência, ativos no desenvolvimento da investigação científica.

O método de pesquisa adotado foi o estudo de caso, caracterizado pelo esforço em compreender um fenômeno em sua complexidade, utilizando diferentes técnicas de pesquisa, tais como: a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental, as entrevistas semi-estruturadas, observação participante e conversas informais (GODOI, 2010). Conforme EV e Gomes (2014, p. 83):

Um estudo de caso é, antes de tudo, uma forma particular de desenho de pesquisa focado na análise detalhada das características e das variações apresentadas pelos casos compreendidos dentro do fenômeno estudado.

O propósito de um estudo de caso é reunir informações detalhadas e sistemáticas sobre um fenômeno. É um procedimento metodológico que enfatiza entendimentos contextuais, sem esquecer-se da representatividade, centrando-se na compreensão da dinâmica do contexto real (EISENHARDT, 1989) e envolvendo-se num estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que se permita o seu amplo e detalhado conhecimento (PATTON, 2002; (LLEWELLYN; NORTHCOTT, 2007).

O estudo de caso como modalidade de pesquisa se justifica pelo alcance que esse método nos proporciona “[...] em amplitude e em profundidade, visando a elaboração de uma explicação válida para o caso (ou casos) em estudo, reconhecendo que o resultado das observações são sempre parciais” (MARTINS, 2004, p. 295). É sustentado por um referencial teórico, que orienta as questões e proposições do estudo, reúne uma gama de informações obtidas por meio de diversas técnicas de levantamento de dados e evidências (MARTINS, 2008).

Assim, a pesquisa baseou-se no estudo de caso do Banco Comunitário de Matarandiba – BCD Ilhamar, que junto com outros empreendimentos econômicos solidários (EES) formam a Rede de Economia Solidária da Vila de Matarandiba, localizado na ilha de Matarandiba, no município de Vera Cruz/Ba. Por estar inserido numa rede de economia solidária, a Rede

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Ecosmar9, e se constituir como um elo fundamental na organização da Rede, analisaremos, também, a relação que o BCD Ilhamar estabelece com esses EES, com intuito de compreender as formas de atuação do BCD tanto a partir do olhar dos sujeitos que constitui essa experiência, como dos demais sujeitos que integram esses EES e que são apoiados pelo Banco Ilhamar. Nesta pesquisa, entendemos como apoio a liberação de empréstimos pelo BCD Ilhamar aos EES da Rede. Assim, identificamos que foram cinco EES apoiados pelo BCD ao longo de dez anos de atuação do Banco Ilhamar.

Para definir o caso a ser analisado, consideramos algumas questões: i) O Banco comunitário ILHAMAR, desde sua constituição tem participado do projeto nacional de apoio as finanças solidárias, sob o título: "Ação de fomento às finanças solidárias com base em bancos comunitários e fundos solidários", da Secretária Nacional de Economia Solidária - SENAES/MTE, iniciado em 2005 até 2017; ii) Dentre os bancos comunitários existentes na Bahia10, o Banco ILHAMA é o único que manteve suas atividades sem interrupção. Em 2018, o banco completou 10 anos de funcionamento. Consideramos importante essa trajetória continua das ações do banco comunitário ILHAMAR, pois nos permitirá ter informações mais consistentes sobre a sua atuação na comunidade, assim como compreender como os princípios, concepções e preceitos da economia solidária se realizam no cotidiano das relações entre os integrantes do banco; e iii) a proximidade da pesquisadora com o seu objeto de pesquisa. A minha inserção no campo da economia solidária, mais especificamente, na discussão sobre bancos comunitários, se deu a partir da minha integração a equipe da Incubadora Tecnológica de Economia Solidária e Gestão do Desenvolvimento Territorial Local – ITES/UFBA, sob a coordenação do professor Genauto França Filho, em 2008, durante a realização do curso de Administração da Escola de Administração da UFBA. Em 2011,

9A Rede de Economia Solidária de Matarandiba – Rede Ecosmar, representa um conjunto de iniciativas de economia solidária envolvendo pessoas, associações, culturas tradicionais e empreendimentos econômicos solidários, com objetivos de estimular a geração de trabalho e renda na comunidade. Discutiremos mais detalhadamente a Rede no capítulo três desta dissertação.

10 O primeiro banco comunitário do estado Bahia foi constituído em 2005, o Banco Comunitário Eco Luzia, localizado na comunidade de Santa Luzia/Simões Filho. A partir dessa experiência outros bancos foram implantados no estado, são eles: o Banco Comunitário Ilhamar (2008) - Matarandiba/Vera Cruz; o Banco Comunitário Casa do Sol (2008) – Cairu-Sede/Cairu; o Banco Comunitário da Resex (2012) – Resex/Canavieiras; o Banco Comunitário Cidadania Quilombola (2012) - Vale do Iguape/Cachoeira; Banco Comunitário Solidário de Abrantes (2013) - Vila de Abrantes/Camaçari; o Banco Comunitário do Uruguai (2016) – no bairro do Uruguai/Salvador; o Banco Comunitário Ouro Negro (2016) – São Francisco do Conde; e o Banco Comunitário Sertão Solidário (2016) – Caitité. Temos um total de nove bancos comunitários no estado da Bahia, sendo que os três últimos bancos foram constituídos recentemente (nos últimos dois anos). Juntos, esses BCDs formam a Rede Baiana de Bancos Comunitários, cujo objetivo é o compartilhamento de experiências, formações e vivências entre os bancos.

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passei a integrar a equipe técnica de acompanhamento do Projeto Ecosmar11 na vila de Matarandiba, no qual se inscreve a experiência do Banco ILHAMAR. Acompanhei a atuação do Banco ILHAMAR até maio de 2015. A partir daí, até 2017, passei a integrar a equipe de acompanhamento aos bancos comunitários da região Nordeste, no âmbito do projeto nacional de fortalecimentos dessas experiências promovido pela SENAES/MTE.

Para a realização do nosso trabalho, nossa metodologia consistiu, na articulação de três tipos de pesquisa, quais sejam: pesquisa bibliográfica, levantamento de dados secundários e pesquisa de campo via entrevistas semi-estruturadas, análise documental e observação participante.

A pesquisa bibliográfica consistiu no levantamento de livros, artigos e outras produções acadêmicas sobre reestruturação produtiva, globalização, projeto político neoliberal brasileiro, economia solidária, finanças solidárias e suas iniciativas e um levantamento da trajetória das políticas públicas de apoio às experiências solidárias, no âmbito da SENAES/MTE. Nosso objetivo foi apresentar as principais discussões sobre essas temáticas, abordando os conceitos convergentes e divergentes acerca do tema da economia solidária e refletir sobre as dificuldades que tais iniciativas enfrentam para manterem-se funcionando em seus territórios.

A pesquisa bibliográfica ocorreu por meio de levantamentos de materiais bibliográficos nas seguintes instituições: Site do Instituto Palmas que concentra diversas publicações acadêmicas e sistematizações dos encontros nacionais da Rede Brasileira de Bancos comunitários; acesso a biblioteca da Incubadora de Economia Solidária – ITES/UFBA, que concentra um acervo robusto sobre as temáticas de economia solidária e bancos comunitários; acesso digital ao banco de dados dos fundos rotativos solidários, formulado a partir do mapeamento realizado nos anos de 2011 e 2012, que serviu a esta pesquisa no processo de sistematização de sua trajetória; site da Fundação Grupo Esquel12 Brasil e Cáritas Brasileira, que disponibilizam publicações realizadas pelos os grupos de apoio e fomento dessas experiências; e os sites das cooperativas de crédito Cresol, Sicoob.

Nossa pesquisa de dados secundários teve como objetivo levantar dados estatísticos sobre as experiências de economia solidária e finanças solidárias no Brasil. Dessa maneira,

11 Falaremos mais detalhadamente desse projeto no capítulo três desta pesquisa.

12 A Fundação Grupo Esquel Brasil - FGEB – integra o GROUP ESQUEL, uma rede de organizações não-governamentais dedicadas ao fortalecimento da cidadania, no sentido da construção de novas formações econômicas e sociais para o desenvolvimento sustentável na América Latina (http://www.esquel.org.br/apresentacao; acesso 28 de abr. 2018).

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foram consultados os sites:

1) Site da Secretaria Nacional de Economia Solidária, criada em 2003, para ter acesso aos relatórios de avaliação de execução dos Planos Plurianuais (PPAs) de 2004 a 2007, 2008 a 2011 e 2012 a 2015, nos quais era e é possível encontrar as propostas e os resultados das políticas públicas e economia solidária e finanças solidárias.

2) Site do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). O IPEA se constitui numa fundação pública federal vinculada ao Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, cuja finalidade é realizar estudos sociais e econômicos para dar suporte as ações governamentais no que concerne à elaboração e avaliação de políticas públicas e programas governamentais. No site do IPEA, coletamos dados sobre: economia solidária e sobre as análises dos dois mapeamentos que foram realizados pela SENAES/TEM entre os anos de 2005 a 2007 e 2010 a 2013.

3) O Sistema de Informações da Economia Solidária (SIES/SENAES/MTE) também foi utilizado como fonte de dados secundários sobre a economia solidária e as experiências de finanças solidárias no Brasil.

Já a pesquisa de campo foi estruturada em três etapas: 1) pesquisa empírica com os agentes de crédito, os membros do Comitê de Análise de Crédito (CAC) e representantes da entidade gestora (Associação Comunitária de Matarandiba- Ascoma) do Banco Ilhamar, com objetivo de compreender o objeto de estudo a partir da visão dos indivíduos que atuam diretamente no banco; 2) a pesquisa empírica dos empreendimentos solidários vinculados ao Banco Ilhamar que obtiveram, durante o período em análise, algum empréstimo no banco. Nesse sentido, foram identificados e entrevistados cinco empreendimentos que obtiveram empréstimos no BCD Ilhamar; 3) pesquisa com representante da Incubadora Tecnológica de Economia Solidária – ITES/UFBA. A mesma atua na comunidade desde de 2007. No total foram realizadas doze entrevistas (ver Quadro 1), com os seguintes critérios de escolha:

i) participantes do Banco Ilhamar, agentes de crédito, os atuais e as agentes de créditos fundadora da iniciativa;

ii) representante do Comitê de Análise de Crédito (CAC);

iii) representantes da entidade gestora do BCD Ilhamar, a Associação Comunitária de Matarandiba (Ascoma), que atua na gestão, juntamente com os agentes de crédito do BCD Ilhamar;

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iv) representantes dos empreendimentos econômicos solidários (EES) que foram apoiados pelo BCD Ilhamar. A escolha dos informantes dos EES foi baseada na necessidade de mesclar integrantes com mais e menos tempo de trabalho no grupo, bem como incluir associados dos EES que desempenham papel de liderança e outros que assumem funções comuns;

v) representante da entidade de fomento, a Incubadora de Economia Solidária – ITES/UFBA, que atua na comunidade desde do início da formação da Rede Ecosmar e do BCD Ilhamar.

Quadro 1 – Distribuição das entrevistas de realizadas na pesquisa de campo – 2018*

*Pela necessidade de preservar o sigilo da identidade dos entrevistados, principalmente dos que integram os empreendimentos associativos envolvidos, optei por usar os nomes dos empreendimentos e enumerá-los, exemplo: Empreendimento solidário 1.

Utilizamos entrevistas semiestruturas, análise documental e a observação participante como principais técnicas de coleta de dados do campo. Na análise documental foram analisados os seguintes documentos: Estatuto Social e Ata de constituição da Ascoma; Regimento Interno,

INSTITUIÇÃO NÚMERO DE ENTREVISTA

POSIÇÃO DO ENTREVISTADO NAS INSTITUIÇÕES

LOCALIZAÇÃO DA SEDE

DAS INSTITUIÇÕES Data da entrevista

ASCOMA 1 1 Conselheira Administrativa da ASCOMA Matarandiba -Vera Cruz/Ba 07/nov ASCOMA 2 1 Ex-Conselheiro Administrativo da

ASCOMA - Membro fundador Matarandiba -Vera Cruz/Ba 09/nov

ITES/UFBA 1 Coordenador de campo da ITES Salvador-Ba 10/nov

Banco ILHAMAR 1 Agente de crédito em atividade Matarandiba -Vera Cruz/Ba 08/nov

Banco ILHAMAR 1

Ex-agente de crédito e fundadora do Banco

ILHAMAR Matarandiba -Vera Cruz/Ba 08/nov

Banco ILHAMAR 1

Ex-agente de crédito e fundadora do Banco

ILHAMAR Matarandiba -Vera Cruz/Ba 09/nov

EES de Ostreicultura 1 Associado Matarandiba -Vera Cruz/Ba 07/nov EES de Padaria Comunitária 1 Associado Matarandiba -Vera Cruz/Ba 07/nov EES de Horta Comunitária 1 Associado Matarandiba -Vera Cruz/Ba 08/nov EES de Rádio Comunitária 1 Associado Matarandiba -Vera Cruz/Ba 09/nov EES de Infocentro Comunitário 1 Associado Matarandiba -Vera Cruz/Ba 09/nov

CAC 1 Membro do CAC Matarandiba -Vera Cruz/Ba 08/nov

DISTRIBUIÇÃO DAS ENTREVISTAS REALIZADAS NO TRABALHO DE CAMPO (2018)

COMITÊ DE ANÁLISE DE CRÉDITO DO BANCO - CAC

BANCO COMUNITÁRIO DE DESENVOLVIMENTO DE MATARANDIBA - ILHAMAR

EMPREENDIMENTOS ECONOMICOS SOLIDÁRIOS (EES) APOIADOS PELO BANCO ILHAMAR

INSTITUIÇÃO DE FOMENTO À ECONOMIA SOLIDÁRIA DA REDE DE MATARANDIBA E DO BANCO ILHAMAR ASSOCIAÇÃO COMUNITÁRIA DE MATARANDIBA - ASCOMA

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planilhas de controle financeiro e de gestão do BCD Ilhamar (Carteira Ativa13 dos Créditos liberados entre 2008 a março de 2018 e planilha de Demonstrativo de Disponibilidade Diária14); Relatórios técnicos anuais do Projeto Ecosmar elaborados pela ITES/UFBA entre os anos de 2008 a 2016. No ano de 2017 só tivemos acesso ao relatório parcial. Também tivemos acesso ao Relatório Final da primeira fase do Projeto Ecosmar, em 2008. Nesse relatório consta todo o processo inicial de construção do projeto, bem como os dados referente a análise do Mapeamento do Perfil Socioeconômico e Caracterização de Práticas de Consumo e Produção em Matarandiba, elaborado pela ITES/UFBA, a partir do mapeamento15 da produção e consumo da Vila realizado em 2008, antes da implantação dos empreendimentos econômicos solidários. A observação participante aqui mencionada, se refere, especialmente, ao período que participei do Projeto Ecosmar, entre os anos de 2011 a 2015. Na ocasião, estava como assessora técnica de campo, pela ITES/UFBA, acompanhando as atividades dos EES vinculados a Ascoma, principalmente, do BCD Ilhamar. No período mencionado, estive presente semanalmente na comunidade e participei não só das reuniões realizadas pelos EES, no âmbito interno, mas das reuniões e ações realizadas com a comunidade, principalmente nas reuniões do Conselho Comunitário de Matarandiba (CCM). Essa vivência me permitiu, agora, comparar informações nas diversas etapas do processo de pesquisa de campo, bem como aumentou as possibilidades de acesso à realidade em uma amplitude que está para além dos relatos das entrevistas.

13 Neste documento estão contidas todas informações referentes aos contratos de empréstimo feitos pelo banco Ilhamar no período de 1 (um) ano. Foram analisadas todas as planilhas entre 2008 a março de 2018.

14 Esta planilha é utilizada para preencher as informações de toda e qualquer movimentação financeira do BCD Ilhamar.

15 O mapeamento da produção e consumo consistiu no primeiro passo para criação de rede de socioeconomia solidária em Matarandiba. O mapeamento representa um levantamento realizado na comunidade para identificar o que a população está consumindo, produzindo – incluindo os insumos utilizados na produção – e comercializando. Com o mapeamento foi possível prospectar os locais onde os produtores e consumidores realizavam suas compras, bem como a localização dos comércios e serviços existentes no bairro. Além disso, buscou-se colher dados para traçar o perfil social das famílias da comunidade. Os principais objetivos do mapeamento foram: direcionar a criação de empreendimentos produtivos que viesse suprir a demanda da comunidade, combinando assim a construção conjunta da oferta e da demanda; evitar a competição entre os integrantes da rede, a partir da oferta excessiva de um mesmo produto. O mapa da produção possibilita a montagem das cadeias produtivas onde cada empreendedor produz em função das necessidades de insumos do outro; orientar linhas de crédito do banco comunitário para priorizar o financiamento de bens e serviços que atendessem a demanda local; reduzir os custos de produção a partir das compras conjuntas de insumos e equipamentos; e fazer com que a comunidade conheça mais a si mesma, conhecendo suas potencialidades e dificuldades, e o principal, o poder de consumo que esta tem, consumo aqui também definido além de tudo como um ato político (PROJETO ECOSMAR, 2008).

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1.2 Estrutura da dissertação

Este trabalho é composto por três capítulos, além da introdução e das considerações finais. No primeiro capítulo, intitulado Uma reflexão sobre Economia Solidária no Brasil, evidenciamos as diversas concepções do conceito de economia solidária para, a partir daí, analisar como os BDS´s atuam a partir desta concepção. Primeiramente, realizamos uma discussão sobre o processo de desestruturação do Mercado de Trabalho Brasileiro a partir do processo de reestruturação do sistema capitalista, no intuito de situar e analisar o surgimento da economia solidária no contexto mais amplo. Na segunda seção, analisamos algumas experiências paradigmáticas do cooperativismo na Europa, posteriormente, na terceira seção, realizamos um debate sobre as diversas concepções teóricas da economia solidária no Brasil. Em seguida fizemos uma discussão sobre os princípios que orientam às práticas dessas experiências, e posteriormente, analisamos as diversas iniciativas que a economia solidária abarca e, por último, apresentamos a trajetória da construção da política pública de economia solidária, no âmbito da SENAES/MTE.

No segundo capítulo, intitulado “Finanças Solidárias e Bancos Comunitários de Desenvolvimento”, buscamos analisar o referencial teórico acerca dos temas de microfinanças, microcrédito, finanças solidárias e bancos comunitários de desenvolvimento (BCDs). Na primeira seção apresento o contexto geral sobre o surgimento das microfinanças e do microcrédito, como alternativa ao combate à pobreza e a geração de trabalho e renda. Já na segunda seção, realizamos uma discussão sobre as práticas de microcrédito no contexto brasileiro. Nesse sentido, buscamos apresentar um panorama dos principais programas desenvolvidos na esfera do governo federal, durante os mandatos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso e Luís Inácio Lula. Na terceira seção, abordamos a discussão propriamente dita, das Finanças Solidárias e dos Bancos Comunitários de Desenvolvimento – BCDs brasileiros. Optamos por essa estrutura de apresentação, por considerar relevante a análise do cenário macroestrutural no qual se desenha a construção dessas experiências de finanças solidárias. Pareceu-nos fundamental compreender em que contexto social, político e econômico surgem essas iniciativas de finanças solidárias de maneira a explicitar que elementos e dinâmicas (internas e externas) levaram à sua emergência e, sobretudo, compreender quais as positividades, fragilidades e contradições encontradas por essas iniciativas.

O último capítulo, capítulo três, é dedicado ao campo empírico, com a finalidade de retomar os objetivos do estudo em forma de análises sobre os dados da pesquisa, no desafio de, a partir das referências teóricas definidas, compreender como e de que forma o BCD Ilhamar

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atua em suas relações com os sujeitos que constituem a experiência e, desses sujeitos com os demais membros dos EESs que são apoiados pelo Banco Ilhamar, tendo como preceitos norteadores os princípios de economia solidária de autogestão, cooperação, solidariedade e viabilidade econômica.

Nas considerações finais apresentamos os principais achados da pesquisa, sublinhando as questões levantadas em cada capítulo e resposta que a pesquisa permitiu alcançar.

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CAPÍTULO 1 - UMA REFLEXÃO SOBRE A ECONOMIA SOLIDÁRIA NO BRASIL

A finalidade desse capítulo é expor alguns marcos conceituais e reflexões sobre o campo da economia solidária no Brasil. É no âmbito dessa economia solidária, que se insere nosso objeto de pesquisa, a saber: a atuação dos bancos comunitários de desenvolvimento, o estudo da experiência do Banco de Matarandiba – BCD Ilhamar, a partir dos princípios de autogestão, cooperação, solidariedade e viabilidade econômico. Essas experiências foram fomentadas pelas ações de políticas públicas de finanças solidárias executadas pela, até então, Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES/MTE), entre os anos de 2005 a 2015.

Dessa maneira, realizamos, primeiramente, uma discussão sobre o processo de desestruturação do Mercado de Trabalho Brasileiro a partir do processo de reestruturação do sistema capitalista, no intuito de situar e analisar o surgimento da economia solidária no contexto mais amplo. Em seguida, apresentamos algumas experiências paradigmáticas do cooperativismo na Europa, em meados do século XIX, com intuito de perceber como aquelas experiências se assemelham as atuais experiências no campo da economia solidária. Em um terceiro momento, apresentamos um debate a partir de perspectivas convergentes e divergentes sobre a possibilidade da economia solidária se constituir ou não em uma alternativa ao modo de produção capitalista. Posteriormente, fazemos uma discussão sobre os princípios que norteiam as experiências de economia solidária e uma análise da trajetória da política pública de economia solidária ao longo do período em que a SENAES/MTE ainda era uma Secretária Nacional ligada ao MTE, período compreendido entre os anos de 2005 a 2015.

1.1 Breve contextualização do processo de desestruturação do Mercado de Trabalho Brasileiro

O final do século XX foi marcado por modificações profundas nos processos de trabalho, métodos de gestão e organização do trabalho, hábitos de consumo, configurações geográficas e geopolíticas, poderes e práticas do Estado. É um momento da nossa história que marca o processo de reestruturação do sistema capitalista, tanto no campo subjetivo/ideológico a partir do pensamento neoliberal16, quanto no plano econômico com o processo de

16 O neoliberalismo se constituiu como projeto teórico ofensivo de combate ao “Estado intervencionista e de bem-estar”, de caráter ideológico, que defendia um projeto político e econômico ancorado em um capitalismo “duro e

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reestruturação produtiva e a mundialização da economia. A dinâmica capitalista que anteriormente se estruturava à base de um regime de acumulação fordista, posteriormente, passa a se reorganizar sob a lógica da acumulação flexível sob a hegemonia da esfera financeira, pautada pelos grandes bancos e instituições financeiras nacionais e internacionais (HARVEY, 1989).

A reestruturação produtiva iniciada a partir da década de 1970, de caráter estrutural, marca a transição de um modo de acumulação baseado no fordismo para outro regime de acumulação, denominado de acumulação flexível. Ela se apoia na flexibilização dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo (HARVEY,2009). Segundo Jesus (2010), “a reestruturação produtiva se manifesta pelo surgimento de novos setores, novos padrões competitivos, fusões e incorporações de empresas, crescimento do setor de serviço e reordenamento do mercado de trabalho e novas formas de relações de trabalho” (JESUS, 2010, p. 72).

No processo de mundialização da economia, foram desenvolvidas novas modalidades de dominação e exploração que tiveram como resultado uma inserção ainda mais dependente dos países pobres na nova ordem econômica mundial e uma intensificação da exploração da força de trabalho. Podemos citar a dependência financeira cada vez maior, o aumento de desigualdades das relações comerciais que fizeram crescer a dívida externa, a supressão da propriedade local e do controle dos recursos naturais, a flexibilização das relações de trabalho e as ações dos Estados voltadas para proteção dos interesses das empresas transacionais como

livre de regras” (ANDERSON, 1995, p. 1). Para Hayek, principal defensor do liberalismo, as raízes da crise do capitalismo pós-guerra, em 1973, seriam motivadas pelo poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicativas sobre os salários e com sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos sociais. O Brasil foi o último país da América Latina a implantar o programa neoliberal. O programa político neoliberal brasileiro se estruturou através de profundas mudanças estruturais na relação capital/trabalho, na relação entre as distintas frações do capital, na inserção internacional (econômico-financeira) do país e na estrutura e o funcionamento do Estado (FILGUEIRAS, 2006). Em “A nova razão do mundo”, Pierre Dardot e Christian Laval (2009), é apresentada uma outra abordagem sobre a compreensão do conceito de neoliberalismo. Para Dardot e Laval (2009 apud ANDRADE; OTA, 2015), o neoliberalismo não é um modo de governo que faz da adesão a uma doutrina o meio privilegiado de poder; ele se apoia, sobretudo, na coerção que exerce sobre os indivíduos por meio das situações de concorrência que coloca ativamente em prática. É justamente por isso que se pode falar de uma "racionalidade" comandando as práticas desde o interior, e não no sentido de uma motivação ideológica ou intelectual. Essa razão do "mundo" é global, "faz mundo" no sentido de que ela atravessa todas as esferas da existência humana sem se reduzir à esfera propriamente econômica. Não é a esfera econômica que tende a absorver espontaneamente todas as outras esferas, como poderíamos pensar, mas uma extensão da lógica de mercado e do modelo empresarial para um conjunto de reformas públicas, de dispositivos de gestão, de práticas comerciais. É nesse sentido que falamos de "cosmo-capital" e de "cosmo-capitalismo" para designar não somente o caráter mundial do capitalismo, o que não é de fato nenhuma novidade, mas certo tipo de sociedade, a "sociedade neoliberal", ou seja, uma sociedade que conhece um processo de transformação global devido à extensão da racionalidade capitalista a todas as atividades, instituições, relações sociais. (DARDOT; LAVAL, 2009 apud ANDRADRE; OTA, 2014, p. 284)

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algumas das consequências advindas da implantação dos programas neoliberais aplicados pelos países centrais do sistema capitalista, principalmente por intermédio do FMI (HOUTART, 2001).

De acordo com Harvey (2009), no final de 1987, a dívida externa de países como Argentina, Brasil, Chile, México e Peru, eram respectivamente, em bilhões, de 49,4, 114,5, 20,5, 105,0 e 16,7. Dados de 2001, do Banco Mundial (BM), revelam que na América Latina a dívida externa atingiu a cifra de US$ 787 bilhões, contra os US$ 475 bilhões de 1990, quase se duplicando neste período. Os três maiores devedores são: Brasil (28,8%), México (20,1%) e Argentina (17,4%), atingindo 66,3% do total (PETRY, 2008). Essa relação de dependência ressalta o endividamento externo dos países latino-americanos. Este endividamento consiste no processo de contrair novos empréstimos, financiamento de importações, em especial máquinas e tecnologias e outras transações financeiras, inibindo, consequentemente, a criação de mecanismos de desenvolvimento endógenos e induzindo a um endividamento que ultrapassa o limite da capacidade de pagamento desses países.

A reforma do Estado, por sua vez, processa-se fundamentalmente com privatizações de empresas públicas, ajustes de gastos estatais, reformas tributárias, da previdência e das legislações trabalhistas e eleitorais, recorte do financiamento da área social, principalmente, nas áreas da assistência, previdência, saúde e educação pública (MONTAÑO, 2002). Segundo Druck (1996), a imposição de novas formas de intervenção dos Estados, imposta pelos países centrais, intensifica a subordinação dos países periféricos aos centrais, e, em particular, aos interesses defendidos pelas instituições financeiras internacionais, tais como: Banco Mundial, FMI, dentre outros.

Nesse processo de reconfiguração do sistema capitalista a partir de 1973 e as medidas que foram tomadas para superar uma conjuntura de crise do padrão de desenvolvimento capitalista, marcado pelo fordismo e por um regime de regulação cuja experiência mais exitoso se deu nos países que conseguiram implementar um estado de bem-estar trouxeram como consequências um agravamento da situação da classe trabalhadora, com aumento do desemprego, pressão mais fortes de controle do trabalho, pelos empregadores, sobre a força de trabalho, retrocesso do poder sindical, redução do emprego regular em favor do aumento do uso do trabalho em tempo parcial, temporário e subcontratado, tudo isso agravado pela redefinição do papel do Estado na economia, que tinha como objetivos a redução dos gastos públicos através do corte de políticas sociais, desnacionalização da economia devido a venda de empresas nacionais e a privatização de empresas públicas e fragilização da legislação de

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proteção ao trabalhador; a abertura econômica e o estímulo a livre concorrência (HARVEY, 2010; COSTA, 1999; DRUCK, 2011).

Ainda de acordo com Soares (2000), os ajustes na formulação e na implementação das políticas neoliberais no campo social, na América Latina, foi ainda mais devastador do que na maioria dos países capitalista centrais e europeus, dada a fragilidade ou a inexistência de um Estado de Bem-Estar social. Mesmo em países com uma estrutura razoável de proteção social, como o Brasil, o México e a Argentina, o desmonte das políticas de proteção social foram graves, ocasionando um acirramento das desigualdades e uma “nova exclusão” social, marcada pelo desemprego e a precarização do trabalho.

Por exemplo, na América Latina, na década de 1980, o PIB cresceu a um ritmo anual de 1%, enquanto a população economicamente ativa (PEA) aumentou a um ritmo três vezes superior. Esse diferencial tornou ainda mais difícil a situação de desemprego. A parcela da população que conseguiu se empregar teve de aceitar frequentemente vínculos informais de trabalho em ocupações de baixo rendimento e baixa produtividade. A taxa de desemprego urbano da América Latina subiu de 5,8%, em 1990, para 11,4%, em 1999. (CEPAL/ PNUD/OIT, 2008). O mercado de trabalho no Brasil, não diferente do que ocorreu na América Latina, também sofreu fortes impactos resultantes das políticas neoliberais implantadas no final dos anos 80. As taxas de desempregos no Brasil variaram em percentuais de 5,83% em 1981 a 20% no ano 1999 (QUADROS, 2003). Segundo dados do DIEESE, o desemprego registrado a partir da década de 1990 nas cinco regiões metropolitanas do país foi o seguinte:

Tabela 1: Evolução do desemprego no Brasil na década de 1990 (em %) Regiões Metropolitanas 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 Belo Horizonte 12,7 13,4 15,9 17,9 Distrito Federal 15,5 15,1 14,5 15,7 16,8 18,1 19,4 21,6 Porto Alegre 12,2 11,3 10,7 13,1 13,4 15,9 19 Recife 21,6 22,1 Salvador 21,6 24,9 27,7 São Paulo 8,7 10,3 11,7 15,2 14,6 14,2 13,2 15,1 16 18,2 19,3 Fonte: Convênio DIEESE/SEADE, MTE /FAT e convênios regionais. PED – Pesquisa de Emprego e Desemprego. Elaboração DIEESE. Mercado de Trabalho no Brasil, 2001.

Como podemos observar, a elevação do quadro de desemprego nas regiões metropolitanas de São Paulo e do Distrito Federal se manteve até 1992, retrocedendo por um curto período, entre 1993 e 1995, durante o início do Plano Real e voltando a crescer após 1995. Sendo o pior período de elevação do desemprego em todo país, entre 1998 e 1999. Se observarmos os dados da tabela 6, perceberemos que a partir de 1996 até 1999 todas as regiões

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metropolitanas apresentaram uma elevação nas taxas de desemprego. Segundo Pochmann (1998), as altas taxas de desemprego verificadas a partir de 1990 confirmam a uma tendência de desestruturação do mercado de trabalho, resultando no crescimento de ocupações geradas sobretudo nos segmentos não organizados da economia nacional, ocupações que, segundo o autor, revelam mais uma estratégia de sobrevivência dos trabalhadores sem emprego do que uma demanda dos capitalistas por trabalho.

De acordo com o documento Panorama Laboral de 2000, elaborado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), a América Latina e o Caribe não conseguiram superar os problemas de desemprego e precarização das relações de trabalho geradas a partir da implantação das políticas neoliberais da década de 1980. Embora, os dados mostrem que em meados dos anos 90, em alguns países, tenha havido uma moderada recuperação das taxas de emprego, mesmo assim não foi suficiente para superar a deterioração experimentada a partir de 1980. Segundo Druck (2011), se compararmos as características mais gerais do desempenho do mercado de trabalho, na América Latina e Brasil, no ano 1990 com os de 2000, percebemos que mantêm a tendência e os principais problemas que caracterizam a precarização social do trabalho na região, mas apresentam queda na taxa de desemprego, que cai de 11,4% em 1999 para 8% em 2007.

Segundo o Panorama Laboral 2013 (OIT, 2013), estima-se que na América Latina e no Caribe existem 130 milhões de pessoas ocupadas, mas trabalhando em condições de informalidade. Esses trabalhadores se organizam e formam pequenos empreendimentos não estruturados que dispõe de baixa produtividade, ausência de registros contábeis padrão, pouco capital, tecnologia incipiente e com déficit de qualificação tanto dos proprietários quanto dos trabalhadores.

No Brasil, segundo Druck (2011), as reformas implantadas no bojo do modelo neoliberal a partir de 1990 produziram um mercado de trabalho heterogêneo, segmentado, marcado por uma vulnerabilidade estrutural e com formas de inserção (contratos) precários, sem proteção social. De acordo com autora, em 2009 havia 101,1 milhões de pessoas economicamente ativas no Brasil, com 8,4 milhões de desempregados e mais 8,2 milhões de pessoas com ocupações sem remuneração. Do que se deduz que 16,6 milhões de pessoas (16,4%) economicamente ativas estavam fora do mercado de trabalho e 38,2 milhões sem carteira assinada, ou seja, 54,4 milhões sem proteção social e trabalhista, representando 66% das pessoas economicamente ativas.

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Para Filgueiras (2006), a desregulamentação do mercado de trabalho, a flexibilização do trabalho e o enfraquecimento do poder político e de negociação das representações das classes trabalhadoras se constituem, desde o início, em um dos pilares fundamentais do projeto político neoliberal, implantado no Brasil em 1990, a partir do governo de Fernando Collor de Melo.

É diante deste cenário de desestruturação do mercado de trabalho brasileiro, marcado por intensos processos de terceirização das ocupações, crescimento expressivo da informalidade nas relações de trabalho, medida pelo peso crescente dos trabalhadores sem registro, sem remuneração e por conta própria e aumento dos níveis de desemprego, que se tornam visíveis diversas práticas de organização dos trabalhadores excluídos do mercado de trabalho formal, entre essas temos as práticas identificadas no campo da economia solidária, que analisaremos nas próximas seções.

1.2 Notas sobre algumas experiências paradigmáticas do cooperativismo na Europa

As experiências identificadas no campo da economia solidária ganharam expansão no Brasil por volta da década de 1980, e constituíram-se como um estímulo ao desenvolvimento de uma economia social e solidária, ligada a diversos movimentos sociais. No entanto, para os defensores da economia solidária, como Paul Singer, a origem dessas experiências datam do início do século XIX, na Europa, período pós Revolução Industrial, que deixou muitos artesãos sem trabalho em virtude das construções de fabricas e da implantação gradativa das máquinas no lugar de homens, além da exploração da jornada de trabalho de mulheres e crianças (que trabalhavam até 16h) e das precárias condições de existência dos trabalhadores (LECHAT, 2002).

Diante do cenário de crescente desemprego, empobrecimento e exploração do trabalho oriundos da acumulação do capital intensificada pela Revolução Industrial, no final do século XVIII, diversos camponeses e operários se organizaram em associações de socorro mútuo, balcões alimentícios e cooperativas de produção e consumo, voltadas para atender aos trabalhadores que sofriam com a falta de assistência quando ocorriam demissões, acidentes de trabalho, doenças e até mesmo a morte nas fábricas (LECHAT, 2002).

É nesse contexto que o conceito de economia social ganha expressividade na Europa, com os pensadores socialistas utópicos como Robert Owen, Charles Fourier, Saint-Simon e Pierre Proudhon. Esses pensadores defendiam a ideia de reestruturação da sociedade a partir de

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uma maior autonomia comunitária e enxergavam no movimento cooperativista da época a possibilidade de realização desse ideal. (DEFOURNY, 2009). Segundo o autor, Robert Owen (1771-1858), foi um dos principais idealizadores do movimento cooperativista da Inglaterra, a ideia principal era construir aldeias cooperativas ao redor das fábricas e gerir de forma coletiva os meios de produção, distribuindo igualmente, entre eles, os resultados advindos da produção. O maior exemplo das experiências cooperativistas desse período foi a formação da cooperativa de consumo Pioneiros Equitativos de Rochdale17 (Manchester, 1844) na Inglaterra. A proposta da cooperativa de consumo de Rochdale era criar um armazém para comprar, armazenar e comercializar produtos a preços mais baixos para os trabalhadores. Cada cooperado participava depositando 1 (uma) libra, a soma desses valores serviria para comprar os produtos a preços menores, pois o volume de compras seria maior e, assim, poderia ser vendido por um menor preço aos trabalhadores da localidade. Inicialmente, participaram da formação da cooperativa Rochdale 27 tecelões e uma tecelã, cerca de dez anos depois, a cooperativa já contava com 1.400 cooperados18.

Diversas outras experiências cooperativas foram formadas a partir de então, como cooperativas agrícolas, sociais, de poupança, de crédito, de consumo, de trabalhadores, de habitação e outras. De acordo com Singer (2002), ao mesmo tempo que se verificou uma expansão das experiências de cooperativismo, também, observou-se o aumento significativo do número de sindicatos que, até 1824, eram consideradas atividades clandestinas, segundo a legislação Combination ACTS19, que proibia toda e qualquer organização dos trabalhadores na Inglaterra, consideras atentado à livre concorrência. Para Singer (2002) o fato do movimento de cooperativismo ser assumido pelo crescente movimento dos sindicatos dos trabalhadores, conferiu a essas experiências o caráter anticapitalista, que se estenderia para as atuais experiências de economia solidária, de acordo com autor:

17 Para maior detalhamento desta experiência, ver: “Introdução à economia solidária” de Paul Singer (2002). 18 Fundada em 1895, a Aliança Cooperativa Internacional –ACI - é uma organização que congrega as cooperativas de todo o mundo, pautada pelos valores e princípios cooperativos. A Aliança defende os interesses e sucessos das cooperativas, divulga as melhores práticas e a melhor experiência, fortalece sua capacidade de construção e supervisiona seu desempenho e evolução ao longo do tempo (https://ica.coop/es/node/5. Acesso em 24 abr. 2018).

19 Combination Acts – Lei implementada na Inglaterra em 1799 que fizera do sindicalismo ilegal. As leis, como finalmente emendadas, condenavam a três meses de prisão ou a dois meses de trabalho árduo qualquer operário que combinasse com outro para obter um aumento de salário ou uma redução de horas ou que solicitasse a alguém deixar o trabalho ou se opusesse a trabalhar com ele qualquer outro trabalhador. A lei permaneceu em vigor até 1824, quando foi revogada (https://www.britannica.com/event/Combination-Acts. Acesso em 24 abr. 2018).

Referências

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