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RESTAURAÇÃO EM ESPAÇOS PÚBLICOS

RESTAURAÇÃO NO SPHAN/DPHAN/IPHAN (1944-1980)

5.3 A atuação de Edson Motta na DPHAN/IPHAN e na Escola de Belas Artes da UFRJ:

No retorno ao Brasil, Edson Motta inicia a organização de um Setor de Conservação de Obras de Arte da então DPHAN, mantendo-se nesse órgão até dezembro de 1976, atuando, efetivamente, em quase todo território nacional. Em relação ao contexto de adaptação de Edson Motta à realidade brasileira, assim avaliou Claúdia Philippi Scharf:

Podemos imaginar que no seu retorno ao Brasil, Edson Motta está repleto deste espírito científico e vai propagá-lo durante sua carreira como restaurador. [...] Sem dúvida que ele teve que se adaptar às novas condições de trabalho. Adaptar- se pessoal e profissionalmente, além de adaptar seus conhecimentos e instrumentos à nossa realidade. Mais que a diferença entre o trabalho in situ dentre de um laboratório de museu, havia ainda o choque entre duas realidades distintas. Desta maneira, ele adapta técnicas aprendidas no Fogg Museum assim como materiais e desenvolve metodologias próprias, chegando a criar instrumentos de trabalho como a prensa termo-planificadora. Ele costumava

dizer que “é preciso utilizar materiais acessíveis porque o Brasil é um país pobre

onde as pessoas andam descalças. É preciso trabalhar com os pés no chão”382. Figura 27- Edson Motta analisando obra de arte no Laboratório da DPHAN, ano de 1956

382 SCHARF, Claudia P. O estabelecimento da profissão de conservador de bens culturais no Brasil de 1937 a 1980. Boletim da ABRACOR, Rio de Janeiro, ano 5, nº 1, dez./jan./fev. 1989. p. 4.

Fonte: Arquivo Central - IPHAN

Fonte: Arquivo Central - IPHAN

Na década de 1950, nota-se que a carência de mão de obra especializada para trabalhar nas obras de conservação e restauração constituía-se como sério problema enfrentado pela DPHAN. A esse respeito, o próprio Edson Motta admitia a necessidade de ampliar o corpo técnico da repartição pública tendo em vista as demandas apontadas no extenso território brasileiro, argumentando ao Rodrigo Mello Franco de Andrade que

a turma de restauração de pintura desta Repartição tem tido grande desenvolvimento nestes últimos anos e as atribuições que lhe cabem ultrapassam a capacidade física de seus funcionários.

Estes são três apenas e um deles, o senhor João José Rescala, encontra-se na Bahia atendendo as restaurações de pinturas daquele estado e tem também prestado serviços a obras existentes no estado de Pernambuco.

Apesar dos trabalhos desenvolvidos e realizados, pouco tem sido feito em face de acervo tão grande a reclamar atenção imediata em vários pontos do nosso território especialmente em Minas Gerais. É verdade que somente durante o ano de 1955 foram realizadas as restaurações das pinturas, ornatos e altares da Igreja de Nossa Senhora do Ó em Sabará.

Pode-se considerar razoável o serviço executado naquele período considerando o pessoal permanente acima indicado, contudo foi muito pouco devido a quantidade de obras que reclama pessoal especializado383.

Diante dessas questões, Edson Motta indica o nome de Jair Afonso Inácio (1932- 1982) e João José Rescala (1910-1986) para integrarem o quadro da DPHAN, apontando

383 ARQUIVO CENTRAL – IPHAN. Serie Centro de Restauração de Bens Culturais. Carta de Edson Motta para Senhor Diretor [do DPHAN, Rodrigo Mello Franco de Andrade]. Rio de Janeiro, manuscrita, 26 ago. 1956.

a necessidade de descentralização das atividades com a criação de um núcleo de conservação e restauração em Ouro Preto e em Salvador. Na opinião de Motta:

Assim são evidentes as dificuldades decorrentes da falta de pessoal e venho pedir a V.S. se digne considerar a indicação dos senhores Jair Afonso Inácio e Rescala, no sentido de serem aproveitados pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional com seus serviços do atelier de restauração de pintura. O senhor Jair Afonso Inácio tem prestado serviços a esta repartição desde 1952 nos trabalhos de recuperação das pinturas das Igrejas Matriz de Antonio Dias, Cachoeira do Campo, Carmo de Ouro Preto e Nossa Senhora de Ó de Sabará. As suas funções favorecem sempre desempenhadas com eficiência e especial interesse. O senhor Jair vem estagiando há alguns meses, seu atelier da D.P.H.A.N. com o fim particular de aperfeiçoar sua técnica da conservação e restauração de pinturas.

A conveniência do aproveitamento do senhor Jair decorre ainda de ser ele um residente esse Ouro Preto onde poderá ser instalado um laboratório de restauração à maneira daquele que vem funcionando em Salvador. Bastaria o grande acervo de obras de pintura localizado em Ouro Preto e outras cidades vizinhas para justificar esse aproveitamento e a criação até do atelier citado. O senhor Rescala, interessa-se por essa técnica de há vários anos, já fez estagio de estudos no mesmo atelier do D.P.H.A.N. e tem, em várias ocasiões, prestado serviços a esta repartição inclusive nas restaurações da Igreja da Nossa Senhora do Ó de Sabará384.

Ambos são jovens, trabalhadores, inteligentes e poderão ser muito úteis nos propósitos e fins da D.P.H.A.N. no campo da conservação e restauração de obras

de arte.”385

Conforme se pode analisar nas fontes acessadas, ao longo da chamada “fase heróica386 do órgão oficial de preservação do patrimônio nacional, Edson Motta coordenou praticamente sozinho todos os trabalhos de restauração do país, envolvendo a atuação das diversas Regionais. Sem dúvida, esse cenário foi marcado por inúmeras dificuldades relacionadas ao pessoal capacitado, aquisição de materiais e equipamentos de trabalho específicos, transporte e alojamento de funcionários. A esse respeito, tomamos como exemplificação a documentação fotográfica apresentada na Figura 29, na qual constatamos a precariedade das condições de trabalho na restauração de uma pintura de cavalete. Contando apenas com uma pequena mesa e um caixote de madeira como suporte de ferramentas, a operação de restauro é realizada a céu aberto, sob a ação do sol, em meio ao trabalho de outros funcionários. No primeiro plano, observamos um recipiente para o derretimento de cera e um ferro elétrico então utilizados na técnica de encáustica para reentelamento, nivelamento de perdas da camada pictórica e reintegração estética.

384 Idem.

385

ARQUIVO CENTRAL – IPHAN. Serie Centro de Restauração de Bens Culturais. Carta de Edson Motta para Senhor Diretor [do DPHAN, Rodrigo Mello Franco de Andrade]. Rio de Janeiro, manuscrita, 26 ago. 1956.

386

Corresponde aos trinta anos iniciais do órgão, isto é, de 1937 a 1967, relativos à gestão de Rodrigo Mello Franco de Andrade.

Figura 29 – Aspecto de restauração da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Candelária, na cidade de Itu, São Paulo. 1957.

Fonte: ARQUIVO CENTRAL – IPHAN. Serie Centro de Restauração de Bens Culturais.

Cabe pontuar a diferença entre o metier da preservação que surge nas coleções formadas pelo capital privado norte-americano e o espaço público das coleções brasileiras. As coleções mais importantes na primeira metade do século XX surgem nos Estados Unidos pelo capital industrial. Solomon Robert Guggenheim (1861-1949), empresário da indústria de construção e de petróleo, tornou-se um dos maiores colecionadores de arte moderna. Ainda em vida, transformou sua coleção privada em uma Fundação cultural. O Museu Solomon R. Guggenheim, fundado em Nova York em 1937, mudou-se para instalações definitivas, em um prédio projetado por Frank Lloyd Wright, em 1959. As bases da fundação contam com uma tríade de expertises inseparáveis: a curadoria crítica, o produtor artístico e a conservação do acervo.

Jean Paul Getty (1892-1976), cuja fortuna provém da indústria petrolífera, também transforma sua riqueza em território artístico, J. Paul Getty Museum, a Getty Foundation, a Getty Research Institute, e a Getty Conservation Institute consolidam um modelo de colecionador capitalista altamente especializado. O cenário internacional começa a voltar