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REPÚBLICA

3.2 O concurso público para a carreira de Conservador de museu em

A realização, em 1939, do primeiro concurso público para provimento em cargos da classe inicial da carreira de Conservador do Ministério da Educação e Saúde reveste-se

como fato de notória significação no contexto brasileiro da preservação de acervos museológicos. Consoante com o aparato burocrático da Era Vargas que preconizava o combate à corrupção e ao nepotismo, orientando-se pelos princípios da profissionalização, da ideia de carreira e de hierarquia funcional, coube, portanto, ao DASP, Divisão de Seleção e Aperfeiçoamento, a publicação da portaria nº 230 de 23 de agosto de 1939, regulando as instruções especiais relativas a esse concurso público.

Sobre o ineditismo do referido concurso, o jornal O Globo, em 03 de janeiro de 1940, assim noticiou:

No salão nobre da Escola Nacional de Belas Artes, teve lugar hoje, o início das provas de seleção para o provimento de cargos de conservadores de museus do Ministério da Educação e Saúde.

Constituindo o fato uma verdadeira novidade, pois é a primeira vez que no Brasil se realiza um concurso de tal natureza, grande foi o número de pessoas que assistiu ao ato. [...] Amanhã, às 15 horas, no Museu Nacional de Belas Artes terá lugar a prova técnica de museus, e nos dias seguintes as de idiomas e história. Os candidatos que forem classificados no concurso, destinam-se ao preenchimento de vagas existentes no Museu Nacional de Belas Artes e no Museu Histórico Nacional, podendo ainda ser aproveitados em outros museus subordinados ao Ministério da Educação219.

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NÚCLEO MEMÓRIA DA MUSEOLOGIA DA UNIRIO (NUMMUS) - Coleção RLL.9556. “Um concurso inédito no Brasil”. Jornal O Globo. 03 jan. 1940. Caixa 6.

Figura 13: Reportagem “Um concurso inédito no Brasil”. Jornal

O Globo. 03 jan. 1940

Fonte: NUMMUS – UNIRIO – Coleção RLL.9556. Um concurso inédito no Brasil. Jornal O Globo. 03 jan. 1940. Caixa 6.

No que concerne à estruturação do concurso, o edital indicava, como condição de inscrição, a apresentação do diploma de conclusão no curso de Museu. Em relação às provas, constavam: 1) a apresentação de uma monografia, contendo estudo inédito sobre os temas elencados no programa do concurso; 2) apresentação oral da monografia, seguida de arguição por dois examinadores; 3) prova escrita de idioma estrangeiro; 4) prova escrita de História do Brasil ou de História da Arte; 5) prova prática de técnica de museus. De modo

sintomático, observa-se que no conjunto de dez “assuntos para a monografia”220 encontra-

se o item relativo à “Restauração e conservação de obras de arte”. Esse fato nos parece

instigante na medida em que nos leva à reflexão de qual seria a relação e/ou noção de vinculação da temática de Conservação e Restauração de Obras de Arte no escopo da área de conhecimento da Museologia. Essa constatação merece especial reflexão, tendo em vista o deciframento da inter-relação, bem como dos imbricamentos existentes entre o campo da conservação e restauração de obras de arte e os domínios da Museologia. Nesse sentido, Ruiz de Lacanal analisou que

entre as consequências da aparição de uma estrutura administrativa para a tutela dos monumentos da nação, está a transformação do restaurador das coleções numa figura unida à administração pública, bem como em comissões de restauração, bem como ao museu. O restaurador de obras notáveis da nação parte agora de um novo critério de restauração estabelecido como paradigma cultural pela própria evolução da sociedade do século XIX221.

Nesse sentido, e para efeito de contextualização de nossa análise, cabe situar que o final do século XIX e as décadas iniciais do século XX caracterizam-se como um período especialmente fecundo para o desenvolvimento da Museologia no cenário internacional. Aponta-se, nessa perspectiva, para o surgimento dos primeiros estudos sistemáticos

voltados para a temática museológica como o “Zeitschriftfur Museologieund Antiquitätenkunde (Alemanha, 1878)”, bem como o início do ensino em Museologia pela

École du Louvre, em 1927. Além disso, surge na Inglaterra, em 1889, a Museums Association, considerada a primeira entidade nacional de profissionais de museus. Já em 1906, surge a American Association of Museums, nos Estados Unidos, cumprindo a relevante função de difusão de conhecimentos da área museológica. Deve-se mencionar,

220 Assuntos para a monografia. 1. Períodos da história monetária brasileira. O numerário português, aplicado à colônia do Brasil. A moeda espanhola do Prata no Brasil, a partir de 1583. 2. Moedas do 2º reinado. Primeiro e segundo sistemas monetários, a carimbagem do cobre pelas províncias, pelas revoluções e pelos particulares. Terceiro sistema monetário. 3. Armaria. Sobretudo relativa ao Brasil. 4. Heráldica. Sua origem, história, finalidade. Vantagens do seu conhecimento. Heráldica portuguesa. Heráldica brasileira. 5. Pinturas e gravuras. Suas variedades. Como reconhecê-las. Como classificá-las. 6. Manifestações artísticas no Brasil, desde o período colonial até nossos dias. 7. Missão artística francesa (1816) e sua influência nas artes. 8. Principais escolas de pintura e seu ambiente social na história. 9. Restauração e conservação das obras de arte. 10. Papel dos museus na vida moderna. Departamento Administrativo do Serviço Público. p. 4. Cf.: NUMMUS - Departamento Administrativo do Serviço Público. Divisão de Seleção e Aperfeiçoamento.

“Instruções especiais a que se refere a portaria nº 230, de 23 de agosto de 1939, e que regulam o concurso de

provas para o provimento em cargos da classe inicial da carreira de conservador do Ministério da Educação e

Saúde.”. Coleção RLL. Caixa 6.

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também, que o desenvolvimento dos pioneiros laboratórios de conservação e restauração e de centros internacionais resultaria em publicação de revistas especializadas como a Mouseion (1927-1946).

Por ocasião do fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), tem-se a criação da Sociedade das Nações, organização internacional também conhecida como Liga das Nações, a princípio idealizada em 28 de abril de 1919, em Versalhes, onde as potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial se reuniram para negociar um acordo de paz. Em

1926, foi criado o Escritório Internacional dos Museus (OIM) tendo em vista “o

estabelecimento de vínculos entre todos os museus do mundo, a organização de

intercâmbios e congressos, assim como a unificação dos catálogos”. Dentre as atividades

de maior relevo do OIM, destaca-se a edição da revista Museion, publicada na língua francesa, notadamente dedicada à publicação de trabalhos de temática museológica.

De modo emblemático, destaca-se a realização, em outubro de 1930, em Roma, da Conferência internacional para o estudo de métodos científicos aplicados para o exame e a conservação de pinturas222, promovida pelo Escritório Internacional de Museus da Liga das Nações. Contando com a presença de quase 200 diretores de museus, historiadores de arte e cientistas, configurou-se nessa conferência o que se convencionou denominar

“primórdios da conservação moderna”, ou seja, a metodologia de trabalho pautada em

estudos laboratoriais e no conhecimento dos materiais de tecnologias construtivas. Desde o início da sua atividade, o Escritório Internacional de Museus preocupou-se com a temática da conservação e restauração de obras de arte, ressaltando-se, assim, que os problemas relativos à manutenção e à restauração do patrimônio artístico preservados em museus se faria a partir da colaboração internacional entre cientistas, físicos e químicos – especialistas em materiais e artes plásticas – curadores e historiadores223.

Com estes dados apresentados, buscou-se evidenciar que os princípios norteadores da conservação e restauração, colocados em prática no contexto europeu nas décadas iniciais do século XX, revelam-se consoantes com a área da Museologia. Desse modo, podemos inferir que tal conjuntura internacional certamente produziu reflexos no interior do contexto preservacionista brasileiro. Nesse sentido, depreende-se que a inserção do

tema “Restauração e conservação de obras de arte” no elenco de assuntos de monografia

222 Também denominada Conferência Internacional de Roma. A este respeito Cf. CONFÉRENCE. op, cit., p. 7. Tradução nossa.

para o concurso de 1939 estaria, decididamente, em sintonia com as narrativas demarcadas no cenário internacional, notadamente nos países europeus. É oportuno, nesse sentido, chamar a atenção para a análise cronológica, considerando-se a proximidade das datas dos eventos considerados emblemáticos, ou seja, em 1930 ocorre a Conferência Internacional de Roma; em 1935, a Revista Mouseion publica todos os artigos da Conferência Internacional de Roma; em 1937 é criado o Museu Nacional de Belas Artes e, em 1939, ocorre o primeiro concurso público para o cargo de Conservador de museu no âmbito brasileiro.

3.3 A monografia da candidata Regina Liberalli apresentada no concurso público