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ANTECEDENTES HISTÓRICOS 16.1 Antecedentes his tóricos

16.5. A atuação de Mig uel R eale

Digna dos maiores encômios a atuação do Professor Miguel Reale em todas as fases que antecederam a promulgação da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, emprestando o brilho de sua inteligência e cultura para o aperfeiçoamento de nossas instituições civis. Coordenador-geral da Comissão Elaboradora do Anteprojeto, participou intensamente nas discussões que se travaram internamente na Comissão e junto às do Congresso Nacional, órgãos ligados à vida jurídica nacional, além de publicar artigos em revistas especializadas e na imprensa, e livro sobre a matéria, mostrando-se sensível às observações e críticas, em muitas delas aproveitando subsídios para o aprimoramento do texto. Relevante a contribuição do relator na Câmara Federal, deputado Ricardo Fiúza, para quem a aprovação do Projeto traria uma grande transformação no Direito

pátrio, abandonando-se a fase positivista e dogmática do Código Civil de

1916 e inaugurando-se a pós-positivista. Igualmente merece destaque a

participação do senador Josaphat Marinho, relator-geral da matéria no Senado Federal.

REVISÃO DO C

■O Direito codificado (Jus scriptum), característica do sistema romano-germano ao qual o sistema pátrio se filia, apresenta-se em diversos formatos. Enquanto os textos normativos de pequena extensão são formulados em simples decretos ou leis, os mais extensos ganham o formato de código e, às vezes, de consolidação.

Como é intuitivo, em sua srcem o Direito se manifestava pelos

costumes – normas não escritas, que se difundiam pelas práticas

sociais. Alguns conjuntos normativos, quando se confirmavam no tempo e ganhavam maior respeitabilidade, eram compilados e reunidos em códigos, como os de Hamurabi e de Manu. À vista do moderno conceito de código, estas legislações não passavam de compilações acrescidas de algumas inovações.

■Na acepção atual, código é conjunto sistemático de normas

relativas a um ramo jurídico, organizado à luz de determinados princípios. Redigido em linguagem simples, clara e concisa, o códex é dividido, geralmente, em partes, livros, títulos, capítulos, seções, subseções.

■Quando um ramo jurídico se apresenta extenso, disperso em

muitos textos, o legislador, antes de elaborar o código, parte para a consolidação, ou seja, reúne em um só texto as normas situadas em diversas fontes, dando-lhes ordem e harmonia, sem, todavia, promover as inovações exigidas pelo momento histórico.

■O Código Napoleão, de 1804, é o grande marco da Era da

Codificação. A partir dele, os povos, especialmente os do Mundo Ocidental, se motivaram para a elaboração de um Código Civil. Dado o grau de aperfeiçoamento, oCode provocou o surgimento da Escola da Exegese, que teve em C. Demolombe o principal nome. Para a Escola, o Code Napoléon não apresentava lacunas; encerrava todo o universo do Direito Civil.

■Na Alemanha, o surgimento do Código Napoleão gerou acesos

debates entre Thibaut e Savigny. Para o primeiro, havia a necessidade de se promulgar um código civil em seu país, a exemplo da iniciativa francesa. Na opinião de Savigny, o código provocava o distanciamento, a defasagem entre a vida social e o Direito. Pela modalidade costumeira, estaria mais apto a acompanhar a evolução da sociedade. Esta ideia integra o núcleo do pensamento da famosa Escola Histórica do Direito, que teve em Savigny o seu maior corifeu.

■O primeiro grande passo para a codificação do Direito Civil

brasileiro foi com a publicação, em 1857, da Consolidação das Leis Civis, elaborada por Augusto Teixeira de Freitas. Em

seguida, o jurista iniciou a preparação de seu anteprojeto de

código. De grande apuro técnico e científico, oEsboço – assim

denominado pelo autor – foi abandonado ainda incompleto, não

obstante seus 4.908 artigos.

■ Após a tentativa de codificação com anteprojetos de Felício dos

Santos e Coelho Rodrigues, Inglez de Souza, a convite do governo Clóvis Beviláqua elaborou o texto que se tornaria o

nosso primeiro código civil – Lei 3.071, promulgada em 1º de

janeiro de 1916. A linguagem do Código passou pelo crivo de Rui Barbosa e de Ernesto Carneiro Ribeiro, que travaram memorável polêmica. Considerado um dos melhores códigos de sua época, o Código Beviláqua permaneceu em vigor por quase um século, período no qual foram derrogadas inúmeras de suas disposições.

■O Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406, de 10.01.02), que teve

no jurista Miguel Reale o supervisor geral da comissão elaboradora do anteprojeto, foi precedido por tentativas de codificação: Anteprojeto de Código das Obrigações, de 1941, de autoria de Orosimbo Nonato, Hahnemann Guimarães e Philadelpho Azevedo, além dos Anteprojetos de Código Civil e Código das Obrigações, de autoria, respectivamente, de Orlando Gomes e de Caio Mário da Silva Pereira.

■Código Civil não é sinônimo de Direito Civil. Este é mais amplo

do que aquele, pois, além do Código, reúne muitas leis esparsas, como as do inquilinato, divórcio, direitos autorais. O Código Civil também não se confunde com a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Esta Lei orienta a aplicação das normas gerais dos vários ramos jurídicos. Outrora, equivocadamente era denominada Lei de Introdução ao Código Civil.

■Três são os princípios filosóficos que norteiam o Código Civil:

os da socialidade, eticidade e operabilidade. O primeiro destaca os interesses sociais no mundo das relações jurídicas, impedindo que o individual prevaleça em face do social. O princípio da eticidade impõe o respeito à moral nas relações jurídicas, enquanto o da operabilidade zela pela mais fácil compreensão das normas e sua aplicabilidade.

■Quanto à sua estrutura, o Código Civil, a exemplo do anterior,

adotou a bipartição em Parte Geral e Parte Especial . A primeira reúne três livros: Pessoas, Bens e Fatos Jurídicos. A segunda apresenta cinco livros: Obrigações, Direito de Empresa, Direito das Coisas, Direito de Família eDireito das Sucessões. Nesta parte, o Código inovou em face do anterior, pois unificou as

obrigações civis e comerciais, além de criar o livro Direito de Empresa.

■O legislador optou por não regular, no Código Civil, os institutos

jurídicos não estáveis, como o da locação residencial, os temas não assentados doutrinariamente, como o dos contratos eletrônicos e as questões polêmicas, como as pertinentes às relações homoafetivas.

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1Em relação aos códigos, podemos repetir frase empregada pelo notável

processualista, José Carlos Barbosa Moreira: “A perfeição não é deste mundo”,

em Fórum, Revista da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro, nº 2, ano 2002.

2Técnica Legislativa, 2ª ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1962, p. 84.

3Estudo mais abrangente sobre a matéria é apresentado pelo autor em

sua Introdução ao Estudo do Direito, publicada também pela Editora Forense.

4Instituições de Direito Civil , ed. cit., vol. I, p. 85. 5

Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 6ª ed., Rio de Janeiro, José Konfino – Editor, 1962, vol. I, p. 24.

6Léon de la Morandière et alii, Introduction à l’étude du Droit , Paris, Éditions

Rousseau et Cie., 1951, p. 233.

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A comissão elaboradora foi constituída em 12 de agosto de 1800 e a lei que aprovou o Código foi de 21 de março de 1804.

8Novo Código Civil – Texto Comparado, São Paulo, Editora Atlas S.A., 2002, p.

20.

9Uma Introdução Histórica ao Direito Privado, São Paulo, Martins Fontes, 1955,

p. 9.

10

Literatura Jurídica no Império, 1ª ed., Rio de Janeiro, Topbooks, 1992, p. 49.

11Teixeira de Freitas iniciou seus estudos jurídicos na Faculdade de Recife, em

1832, onde veio a concluí-los após cursar a segunda série na Faculdade do Largo de São Francisco. Cf . em Clóvis Beviláqua,História da Faculdade de Direito do Recife, São Paulo, Instituto Nacional do Livro, 1977, vol. I, p. 67.

12 A respeito das imensas dificuldades enfrentadas por Teixeira de Freitas para a

execução de seu trabalho são importantes as referências de Sílvio Meira: “... No caso especial do Brasil do século passado, sem muitos recursos, tudo era difícil. O próprio codificador deveria adquirir livros no exterior, geralmente de alto preço e com verbas pessoais. A navegação de longo curso retardava a chegada das obras, geralmente solicitadas através de livrarias locais. Toda a redação se fazia a mão, penosamente. Os pareceres de Freitas, numerosos e longos, eram todos manuscritos...” Em Teixeira de Freitas, O Jurisconsulto do Império, 2ª ed., Brasília, ed. própria, 1983, p. 228.

13Op. cit ., p. 226.

14Direito Civil – Introdução, 4ª ed., Rio de Janeiro São Paulo, Renovar, 2002, p.

124.

15Valemo-nos, mais uma vez, do depoimento de Sílvio Meira quanto à influência

do Esboço no Direito argentino: “Quem redige um Esboço não tem a

preocupação da síntese, nem da definitiva redação, nem de minúcias de estilo ou de técnica. Prende-se mais às ideias gerais. E foram essas ideias gerais que serviram de arcabouço ao Código argentino”, op. cit ., p. 227.

16Pela imprensa, Rui Barbosa considerou a escolha de Clóvis Beviláqua para a

elaboração do anteprojeto “um rasgo do coração, não da cabeça”, uma vez que

o escolhido carecia de experiência para o vulto da obra, faltando-lhe ainda “a

ciência da sua língua, a vernaculidade, a casta correção de escrever ”. Cf . em

Clóvis Beviláqua, Comentários ao Código Civil , Rio de Janeiro, Oficinas Gráficas da Livraria Francisco Alves, vol. I, p. 18.

17Durante a tramitação do Projeto junto ao Congresso Nacional, o jurista

Herculano Marcos Inglez de Souza foi convidado para elaborar anteprojeto de Código Comercial, mas, partidário da unificação do Direito Privado, em 1912 apresentou projeto intitulado Código de Direito Privado, que restou prejudicado pela adiantada fase em que se encontrava o projeto do Código Civil. Cf . em João Baptista Villela, artigo publicado na Revista do Conselho da Justiça Federal , nº 9.

18Professor jubilado do Ginásio da Bahia, Ernesto Carneiro Ribeiro emitiu

parecer sobre a linguagem do Projeto, que se encontrava em estudo no Senado, atendendo ao pedido formulado por seu amigo e antigo discípulo, José Joaquim Seabra, então presidente da Comissão Especial do Código Civil.

19Em sua longa exposição, Rui Barbosa não se limitou a discutir questões

semânticas. Deu largas à sua verve de tribuno incomparável e de advogado talentoso quando, por exemplo, explorou a confessada pressa com que Ernesto

Carneiro Ribeiro preparou o seu estudo: “... A experiência universal todos os

dias nos confirma a velha parêmia de que a pressa é inimiga da perfeição. Pudera eu acrescentar que é mãe do tumulto, da incongruência, da irreflexão e do erro. Obra atropelada é obra manca, desastrada, infiel ao pensamento do artista, vilipendiosa ao seu nome. Improvisar, em matéria d’arte, equivale a achamboar, a achavascar, a atabalhoar. A lei da precipitação é a lei do atropelo e do ataranto, a lei do descuido e do desazo, a lei da fancaria e da aventura, a lei da inconsciência e da mediocridade. Sob a pressão da urgência ninguém produziu nunca, nem produzirá jamais coisa, que resista à prova do saber, do gosto, do tempo”. Em Réplica, 1ª ed., Belo Horizonte, Editora Itatiaia Ltdª, 1986,

vol. I, 198/73.

20Op. cit., p. 92.

21Em sua pequena biografia de Clóvis Beviláqua, objeto de palestras na

Faculdade de Direito de Fortaleza e na Academia de Letras de Natal, o escritor Luiz Pinto enfatizou que as críticas ao Anteprojeto se voltaram para a gramática e não para a essência, que era o Direito: “É que os juristas que o analisaram nada viram, senão que alguns pronomes apareciam descadenciados, fora dos cânones da próclise, ênclise e mesóclise, que alguns verbos não se enquadravam à flexão do português castiço, do purismo precioso, e, assim, era mister examiná-la... o muito que o mestre Ruy encontrou na obra de Beviláqua era pouco demais, pois os problemas armados na Réplica são mais de metafísica de linguagem...” Luiz Pinto, em Clóvis Beviláqua, Rio de Janeiro,

Editora Alba, 1960, p. 13.

22Op. cit ., p. 91.

23Superada pela superveniência das Leis 8.971/94 e 9.278/96, a súmula 380 do

STF previa: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os

concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum”.

24 A Reforma do Código Civil , Salvador, Publicações da Universidade da Bahia,

1965, p. 94.

25Op. cit ., p. 91.

27O Projeto do Novo Código Civil , ed. cit., p. 9.

28No mesmo ano em que o Anteprojeto foi publicado 1972 o professor Caio

Mário da Silva Pereira, em conferência perante o Instituto dos Advogados Brasileiros, reportando-se ao plano da obra, asseverou que “O Anteprojeto ressente-se de falta de unidade. Não obedecendo a uma orientação uniforme, desatende ao pensamento global de uma boa sistemática e à dedução lógica dos princípios. Não basta a seriação dos artigos para se ter um Código. É essencial que lhe presida uma sequência coerente de normação impecável. E desta carece lamentavelmente este Anteprojeto.” Após a contestação formulada

pelo Prof. Miguel Reale, o jurista voltou a tecer considerações sobre o Anteprojeto e a título de réplica, conforme publicação de ambos trabalhos em sua obra Reformulação da Ordem Jurídica e Outros Temas, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1980, respectivamente às pp. 138 e 200.

29O rigor das críticas a anteprojetos, seu excesso mesmo, parece ser imanente

ao processo de tramitação legislativa. O Código Napoleão – monumento

legislativo digno dos maiores encômios – não esteve imune às imprecações. Ao

retirar o projeto do legislativo em uma primeira fase, Napoleão Bonaparte declarou-se penalizado pela contingência de retardar o processo de aprovação de uma lei ansiosamente aguardada pelo povo francês.

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Paulo Eduardo Razuk, juiz do antigo Primeiro Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, não vislumbrou razão suficiente que justificasse a edição do novo Código, que “É uma obra anódina, pasteurizada, inócua, sem proposta substancial para os graves problemas sociais da realidade brasileira” , cf. em Juízes para a Democraci a, ano 5, nº 25, p. 7.

31Fragmento extraído da conferência Renovação da Ordem Jurídica

Positiva publicada no livroConferências, Imprensa Nacional, 1971, p. 138.

32Como pontos controvertidos e não tratados no projeto, Clayton Reis aponta os

seguintes: a) insuficiência na disciplina da união estável , objeto apenas de cinco dispositivos sequenciais (art. 1.723 ao 1.727); b) responsabilidade civil do Estado; c) reprodução assistida; d) união entre homossexuais; e) clonagem de seres humanos; f) situação jurídica decorrente da família monoparental, objeto do art. 226, § 4º, da Constituição Federal. Em opus cit ., p. 18.