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A atuação do movimento de mulheres trabalhadoras rurais (MMTR) de Aratiba: grande aliada na luta pela saúde

3. MARCO TEÓRICO

3.8 A atuação do movimento de mulheres trabalhadoras rurais (MMTR) de Aratiba: grande aliada na luta pela saúde

A década de 1980, foi pautada pelas grandes mobilizações sociais, onde o anseio pela liberdade de expressão, com a decadência do regime militar, era a grande bandeira que motivava os diferentes grupos sociais em busca de melhores condições de vida, seja no campo, seja na cidade. No bojo das reivindicações, surgiram os diferentes movimentos marcados pelas lutas, pelas reivindicações de alguma necessidade básica ou de expressão (LIPSCH; LIMA; THAINES 2006).

Para Gohn (2011), “os movimentos sociais representam o conjunto de ações coletivas dirigidas tanto à reivindicação de melhores condições de trabalho e vida, de caráter contestatório, quanto à construção de uma nova sociabilidade humana”, o que significa, em última análise, a transformação das condições econômicas, sociais e políticas da sociedade vigente.

A formação de lideranças, que se deu através de vários espaços, como a Escola de Servidores de comunidades, encontros de jovens rurais, a formação da Pastoral da Juventude através do TAPA, e as lutas contra as barragens foram os embriões que despertaram para a discussão de gênero e da realidade da mulher trabalhadora rural.

Dentre os diversos movimentos, o MMTR surge a partir da organização da mulher trabalhadora rural nas lutas por reforma agrária, políticas agrícolas e direitos sociais, pois à mulher agricultora era negado o direito à aposentadoria, auxílio maternidade, auxílio doença e outros, que foram conquistados com a participação das mulheres nessas lutas gerais, favorecidas pelo momento político e proporcionou a organização das mesmas em torno de sua cidadania.

O Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais (MMTR) foi criado em 1983 na região Alto Uruguai, quando passou a desenvolver lutas específicas para a mulher trabalhadora rural, buscando maior espaço na sociedade, dialogando com os demais movimentos sociais populares da região. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais, hoje SUTRAF (Sindicato Unificado dos Trabalhadores da Agricultura Familiar), foram os motivadores para o surgimento do MMTR, no município. Da luta que se travava no estado e no país, Aratiba também bebia da mesma fonte e se

80 juntava aos mutirões de lutas pelos direitos, tendo uma característica marcante da luta por acesso aos serviços de saúde.

Para Piran (2001), o início da organização se dá com a luta pela aposentadoria aos 55 anos, mas logo se amplia para o direito a fazer o “bloco” para a venda de produtos em seu nome, reconhecimento da profissão de agricultora, direito de se associar às cooperativas de acampamento em acampamento, de viagem em viagem, noites de vigília, protestos, passeatas, celebrações. Tudo isso, as mulheres integrantes do movimento viveram participando das lutas, para que a mulher agricultora fosse reconhecida nos direitos sociais. Hoje, são colhidos muitos frutos destas lutas, alimentados por uma fé comunitária, participativa, reivindicatória, que se percebe na clareza dos cantos que animavam a caminhada dos movimentos: “animados pela fé/ e bem certos da vitória/ vamos fincar nosso pé/e fazer a nossa história animados pela fé” (LIPSCH; LIMA; THAINES, 2006).

Em entrevista, uma militante do Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais destaca que o início do movimento é marcado pela discussão dos problemas que as mulheres campesinas enfrentam e assumem essas lutas7.

Os problemas enfrentados pela mulher trabalhadora rural não ficavam restritos à desvalorização do trabalho da mulher. Na tese para a Segunda Assembleia Estadual do MMTR/RS estão colocadas as seguintes questões:

Nós mulheres sempre encontramos dificuldades de sermos reconhecidas ou valorizadas como pessoas, como seres humanos. Possuímos sentimentos, necessidades e também queremos ter direito à liberdade, ao respeito, pois temos enfrentado dificuldades de toda a ordem. Elas vão desde a nossa situação familiar e a relação com o marido e filhos; passa pela comunidade que nos vê com preconceito e, por último a sociedade, onde a ideologia pregada pela classe dominante é aceita por muitas de nós, procura impor uma situação de submissão e acomodamento, sob a ameaça de nos marginalizar moral, política e socialmente (PIRAN, 2001, p.88).

O MMTR estava organizado em dez municípios da região Alto Uruguai, de

7 “O MMTR surge no período em que várias organizações dos trabalhadores rurais começam a se

reestruturar. Em 1983/84, com todo o trabalho das oposições sindicais de movimentos e pastorais e com a conquista de novos sindicatos, abre-se novos canais de participação da mulher no meio rural. Neste processo, as mulheres começam a discutir seus problemas concretos como: reconhecimento da profissão, sindicalização, valorização da sociedade, aposentadorias, etc. Estas reivindicações passaram a ser a porta de entrada para uma participação mais ativa e a construção de sua organização própria nos Municípios e Região. Nós, em Aratiba, lideradas por Paulina Balen, Sueli Fassiculo e Joeli Mocellin, começamos organizar as mulheres e participar efetivamente do movimento em busca dos nossos direitos” (DALAZZEN, 2019, informação verbal).

81 onde surgiram lideranças regionais. Segundo Seminotti (2009), entre as principais dificuldades para a organização do movimento nos municípios estava a falta de recursos financeiros para a realização das atividades, um quadro reduzido de lideranças que pudesse priorizar o movimento, a falta de apoio de alguns padres para a formação de um grupo em suas paróquias e a dificuldade em visualizar reivindicações concretas que envolvessem o conjunto das mulheres.

O MMTR apresentou, desde o início, características próprias, formado e dirigido pelas próprias mulheres. A forma de organização tinha sua base nas comunidades onde eram organizados os grupos que discutiam a situação e avaliavam os trabalhos. As líderes escolhidas nos grupos das comunidades se reuniam a nível municipal. Esta organização teve apoio fundamental de entidades afins, o que permitiu a organização regional, permitindo ampliar as discussões em torno da causa da mulher.

As lideranças de Aratiba participaram de reuniões e mobilizações - regionais, estaduais e municipais - e no processo da Constituinte (1987/88) passaram a elaborar emendas populares sobre os direitos da mulher na nova Constituição Brasileira. Neste período, inicia-se uma grande mobilização, caminhada em busca dos direitos juntamente com lideranças de outros municípios e estados rumo aos ministérios, com várias audiências nos ministérios da Saúde, do Trabalho e Previdência e Bem-Estar Social, em Brasília. Em todos os cantos surgiam mobilizações. Foram conquistados, também, espaços na sociedade e na vida pública, participando do processo das eleições, das diretorias das entidades, sindicatos e comunidades, como relata esta militante:

Em Aratiba, as mulheres participaram ativamente da conquista do Hospital Comunitário, e também no ano de 1988 foi eleita a 1ª mulher vereadora, pelo Partido dos Trabalhadores. Em 1989, a grande batalha foi por salário maternidade, que só foi regulamentado em 1994. Fizemos muitas caravanas até Brasília. Hoje todas as mulheres agricultoras são beneficiadas com os direitos que conquistamos na luta, na organização. Em 1990, desenvolvemos a luta por saúde da mulher, pois não existiam serviços organizados. Assim, elaboramos um programa de atenção às principais necessidades: exames preventivos de colo uterino e de mama, pré-natal e outros. Esta situação era discutida na CIMS e era implantado por pressão da comunidade. Desenvolvemos no Município a campanha incentivando a documentação, pois a grande maioria das mulheres não tinha documentos, como CPF, Identidade e outros. Enfim, nossa luta valeu e vale, pois as conquistas que tivemos são o resultado da nossa participação e temos certeza de que crescemos e somos reconhecidas como pessoas que tem as mesmas oportunidades na

82 busca e no exercício da cidadania (FASSÍCULO apud LIPSCH; LIMA; THAINES, 2006, p. 53).

A luta das mulheres a fim de obterem o reconhecimento foi permeado por muita luta e resistência, principalmente pela mulher da roça, que não era reconhecida nem como trabalhadora, não tinha direto à aposentadoria, muito menos era reconhecida como liderança política. A líder Paulina Pagliari Balen foi uma mulher de muita garra e coragem, pois por muitas vezes deixou sua família para se dedicar à organização do MMTR, para viajar para centro maiores, como Porto Alegre, Curitiba, Brasília, a fim de buscar, junto à classe política, atender as reivindicações da trabalhadoras rurais frente a conquistas de direitos, como a aposentadoria da Agricultora, até então não reconhecida como tal.

Figura 29: Homenagem à líder do MMTR, sindicalista e líder da igreja católica Paulina Pagliari Balen (2005)

Fonte: Acervo pessoal (2005)

As conquistas obtidas, como o reconhecimento da mulher da roça como trabalhadora rural e a aposentadoria, foram marcos importantes para esta classe, que organizadas pelo sindicato através do MMTR, não mediram esforços para ter este direito reconhecido em lei. Hoje todas as mulheres agricultoras com 55 anos de idade recebem sua aposentadoria, o que fez uma grande diferença na qualidade de

83 vida, pois muitas usam deste dinheiro para sustentar a casa, para comprar objetos de uso pessoal e até fazem uso do recurso para viajar .

O direito à saúde também foi uma bandeira muito forte de luta por políticas públicas que tratassem da saúde da mulher. Uma demonstração efetiva do que o Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (MSTTR), que é capaz de promover a Marcha das Margaridas, a maior mobilização de mulheres trabalhadoras rurais do mundo, precisa ser coerente e enfrentar o desafio de renovar as práticas sindicais com igualdade de gênero, com as mesmas convicções e princípios os quais, com tanto êxito, tem defendido e pleiteado em outros espaços da sociedade e do governo, visando, numa perspectiva classista, o fortalecimento da democracia, igualdade e justiça (CONTAG ,1997).

Figura 30: Marcha das Margaridas, a maior mobilização de mulheres trabalhadoras rurais do mundo no ano de (2000)

Fonte: Assessoria de Mulheres da CONTAG (2000)

Com o desenvolvimento desse processo organizativo na região, tivemos o aumento da participação da mulher nos sindicatos, nas direções de capelas, associações de bairros, clubes esportivos, conselhos e o envolvimento na política

84 partidária. Novas condições ampliaram a participação das mulheres no meio rural, proporcionando mudanças ou questionamentos quanto às tradições deste meio. Diversos movimentos e redes de mulheres deixaram marcados sua participação em todo o processo de construção e realização da luta pela aposentadoria e ao direito à saúde pública.

Aqui a pesquisadora faz uma referência à sua mãe, Paulina Pagliari Balen, que marcou história como uma mulher além do seu tempo, uma liderança comunitária, religiosa, sindical e política no município de Aratiba e na região do Alto Uruguai entre as décadas de 1970 e 1990. Agricultora familiar, nascida em 27 de dezembro de 1947, foi brutalmente assassinada em 1996 pela sua liderança na luta em favor de justiça social, das bandeiras como aposentadoria para as mulheres, pela sua militância junto às entidades. Paulina casou-se com Zelindo Balen e teve quatro filhos, Mauro (in memórian), Marcia, Silvio e Simone, e seis netos. Sobre a sua atuação e história de vida, podemos destacar:

– forte atuação na Igreja Católica, por meio da militância na liturgia dominical e catequese e no trabalho cotidiano junto à comunidade;

– participação ativa na fundação e atuação do Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais de Aratiba e do Alto Uruguai, lutando pelos direitos da mulher, especialmente aposentadoria rural;

– atuação junto ao Sindicato local, lutando pela saúde e ajudando na articulação e compra do Hospital Comunitário de Aratiba;

– atuação na fundação do Partido dos Trabalhadores em Aratiba, sendo a primeira candidata mulher no município. Fez 136 votos em 1988, fazendo campanha a pé, enfrentando o preconceito por ser mulher e a guerra ideológica, na época, contra o PT;

– aos 39 anos perdeu seu filho Mauro José com apenas 16 anos de idade, um golpe violento, para quem sempre fez o bem à comunidade. Mesmo assim não desanimou;

– em 08 de outubro 1996, sua vida foi brutalmente interrompida por um assassinato até hoje não esclarecido.

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3.9 A reforma sanitária e os movimentos sociais foram protagonistas na

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