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3. MARCO TEÓRICO

3.6 O protagonismo dos Movimentos Sociais e o SUS

A compra do hospital não significou a resolução de todos os problemas, mas foi uma segurança maior no que diz respeito à saúde para a população. Nessa perspectiva, uma das grandes preocupações da ACHA foi a formação de lideranças no interior do município, ou seja, de lideranças comunitárias locais, através de contatos constantes, visitas, encontros, estudos, assembleias para que os

61 agricultores tivessem, cada vez mais, a consciência de que a luta por saúde é uma luta popular e de que o hospital era dos e para os agricultores, cujas decisões seriam tomadas e supervisionadas pelas mais de mil famílias, com o apoio do Sindicato dos Trabalhadores Rurais. O povo estava sedento por ter a segurança de que ao ficar doente ou precisar de atendimento médico, poderiam contar com a garantia de atendimento.

Um sério problema enfrentado foi quando foi assinado o primeiro convênio com o Governo Federal, concretizando o sonho do atendimento gratuito. Mas até o recurso financeiro chegar nas contas do hospital, demorou 60 dias1.

Diante de tantos obstáculos, o sonho parecia esmorecer, pois o proprietário queria o pagamento da dívida ou o hospital de volta. Muitas vezes as lideranças se sentiram desanimadas, num beco sem saída. Mas, eis que, mais uma vez, a estrela- guia aponta a saída através do envolvimento da comunidade. Surge, então, na reunião da CIMI, pela Comunidade da Volta Fechada, a ideia de fazer a campanha do milho ou soja. As famílias foram visitadas com a perspectiva de que fizessem a doação do produto. Com a ação solidária, conseguiu-se sanar algumas das muitas dificuldades. Diante desta situação, os familiares dos internados, muitas vezes, contribuíam até com produtos para a alimentação.

Nas palavras de Lucir de Conto (apud LIPSCH; LIMA; THAINES, 2006, p. 37):

É importante resgatar que realizamos várias rifas com a finalidade de arrecadar dinheiro. Recebemos doações como: freezer e uma geladeira, do Sr. Julio Granzotto, uma carroça do Sr. Erasmo Matte conseguimos com isso recursos para compra de material, de medicamentos, o pagamento de funcionários e saldar alguns compromissos. Na época, tudo era difícil. As pessoas vinham para o hospital, traziam alimentos, era uma forma de contribuir com o hospital.

A vontade de concretizar o sonho levou a direção a buscar muitas alternativas, muitas delas sem garantia de que poderiam ser cumpridas,

1 “O Hospital não tinha onde conseguir o dinheiro para a compra de medicamentos e outros materiais

necessários para o funcionamento, bem como fazer o pagamento aos profissionais e funcionários, enfim, manter toda a estrutura funcionando. Com isso, a angústia aumentou, pois a equipe recorreu às instituições bancárias e a resposta foi negativa porque naquele momento a capacidade de empréstimos já estava esgotada. A preocupação aumentava e, a cada dia que passava, a dívida era maior. Aumentava a procura por atendimentos, pois havia demanda reprimida de pessoas que não procuravam atendimento médico por falta de condições financeira” (DECONTO, 2019, informação verbal).

62 principalmente na questão financeira, como relata Lucir De Conto, durante as entrevistas2.

Além das estratégias para sanar as dificuldades financeiras, a direção, a fim de garantir a continuidade do trabalho pelos agricultores, foi aos poucos montando a estrutura organizativa para garantir a continuidade da ACHA: 1.030 famílias associadas que formam a assembleia geral, Conselhos Comunitários de Saúde, 210 lideranças que passaram por cursos de formação, 22 membros da diretoria, administração e coordenação do hospital da ACHA, conforme apresentado por Lipsch, Lima e Thaines (2006).

Religiosas de diversas congregações aderiram à Associação desde o início da organização e implantação do projeto, como por exemplo, a Irmã Zélia Maria Luza (economista), da Congregação das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria Auxiliadora, que através de sua assessoria, contribuiu muito na estruturação, organização e administração do hospital por muito anos consecutivos, à frente de toda área administrativa, bem como no trabalho comunitário, trabalho que até então era desconhecido pelos trabalhadores rurais, e que passou a ser um dos pilares do hospital.

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Para se ter uma ideia, o Hospital não tinha recursos, e o povo vinha buscar atendimento, como não atender as pessoas que precisavam de um médico, de tratamento e de atenção à saúde. Tínhamos aproximadamente 40 financiamentos nos Bancos, em nome da Associação, membros da Direção e associados. Inclusive para compra de materiais, medicamentos e pagamento de funcionários. A preocupação da diretoria aumentava, bens dos seus diretores penhorados, a desconfiança da população também aumentava. Como se conseguiria pagar estas dívidas? Recorríamos aos bancos, naquele momento não tínhamos outra saída (DE CONTO 2019, informação verbal).

63 Figura 18: Direção, médicos e enfermeiros juntamente com as irmãs que

ajudavam na administração do hospital na comemoração do Natal de 1989

Fonte: Acervo Hospital –ACHA (1989)

Da mesma congregação, é preciso destacar o trabalho da Irmã Rosalina Locateli (enfermeira), que muito contribui com seu conhecimento técnico-científico, na área da enfermagem com sua larga experiência na assistência aos pacientes, bem como na questão organizacional e documental no que tange aos aspectos técnicos e de vigilância sanitária.

Importante também destacar o importante trabalho dos médicos Dr. Juarez de Oliveira Pinto, Dr. Flavio Leal Fernandes, Dra. Ana Cristina Pereira, que por muitos anos estiveram à frente de todo atendimento médico e hospitalar, deixando um legado importante de profissionalismo e atendimento de qualidade na área médica. Ainda no que se refere ao atendimento e cuidado aos pacientes, destaca-se a brilhante atuação das enfermeiras Simione Silva, Leda Brunn, Maria Izabel Gambato, que foram incansáveis no cuidado com a vida, e tiveram uma forte atuação na saúde preventiva, junto à comunidade.

A contribuição da Irmã Cacilda Hammes (enfermeira) da Congregação da Fraternidade de Esperança, que desde Santa Catarina era Coordenadora Nacional da Saúde da CNBB e administrou cursos de Agentes de Saúde em Aratiba. A Irmã Maria Scheibel (enfermeira), da Congregação Franciscana da Penitência e Caridade

64 Cristã, coordenadora regional do projeto Pastoral da Criança Saúde no Rio Grande do Sul, participou da capacitação de líderes da Pastoral da Criança, ajudou na Coordenação do projeto de saúde preventiva e comunitária e orientação das comunidades do interior e da equipe hospitalar na linha da integração Hospital/Comunidade. Ajudou na estruturação e encaminhamento de documentos para os cursos de Auxiliar de Enfermagem que a ACHA desenvolveu.

Também a Congregação das Irmãs dos Santos Anjos, com sede em Aratiba, contribuiu, e continua contribuindo, com a história da Associação em diversos serviços e projetos como: Ir. Maria Orilde De Pra (pedagoga/ setor administrativo), Ir. Pierina Benincá (auxiliar de enfermagem), Ir. Terezinha Evangelista da Silva (técnica de enfermagem) e Ir. Elizabeth de Fátima Lima (assistente social), que atuou e fez parte da Direção Executiva da Entidade.

Os objetivos que nortearam e continuam sendo aplicados no trabalho em curto, médio e longo prazos são: luta por assistência gratuita em saúde, formação para prevenção das doenças, atenção às gestantes e crianças, conscientização e formação de lideranças, novo conceito de saúde, acompanhamento aos agentes e comunidades, aperfeiçoamento constante da equipe técnica, ampliação dos serviços prestados, ampliação e melhorias no prédio, todos buscando consolidar um projeto de saúde que não visa a apenas cuidar das doenças, mas cuidar da vida para que as doenças, o quanto possível, sejam evitadas. Assim, a principal meta da ACHA é desenvolver ações integrais de cura, reabilitar e prevenir as doenças com acesso universal e igualitário dos cidadãos e participação da população; em seu planejamento, execução e avaliação busca-se a valorização da vida humana, dos trabalhadores e da luta por saúde popular.

3.7 A luta do Movimento dos Atingidos por Barragens do rio Uruguai

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