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A atuação sindical e o debate sobre saúde docente: abraços e quedas de braço

Os caminhos percorridos nos renderam análises interessantes no que diz respeito às políticas de saúde do Sindicato e à sua atuação em face dessa demanda.

A discussão acerca da produção de saúde-doença nas escolas parece ser ainda insuficiente, além de recente, pois foi despertada apenas a partir de 1997, quando questões foram trazidas mediante os estudos realizados por um grupo de pesquisadores do NEPESP. Por exemplo, a Secretaria de

Saúde do SINDIUPES foi criada a partir do contato entre a Universidade e o Sindicato (entre 2003 e 2004), o que propiciou o despertar de muitas questões tanto por parte dos professores quanto por parte dos sindicalistas, transformando as demandas em necessidade de criar um setor específico de direcionamento desses assuntos.

Essa Secretaria não possui um plano de ações muito claro atualmente, apresentando, na maioria das vezes, estratégias isoladas para a resolução de casos que chegam até o sindicato, como queixas de adoecimentos, denúncias de situações que colocam a saúde dos professores em risco, entre outros. Vê-se que a concepção de saúde, como conceito amplo e complexo, já começa a ganhar terreno em algumas falas; mas o que predomina no momento é ainda da ordem do assistencialismo e da busca pela cura e/ou compensação de adoecimentos e sofrimentos advindos do trabalho, como convênios com farmácias e atendimentos médicos ou ainda incentivos ao atendimento psicológico dos professores. O trabalho do psicólogo é considerado de importância significativa como instrumento de investigação e denúncia de situações que causam adoecimentos nas escolas.

Vemos, então, o cuidado com a saúde pautado numa visão que, apesar de não estar limitada aos fatores biológicos, aparece fortemente ligada ao âmbito individual, não sendo remetida aos processos de trabalho em curso nas escolas. No segundo semestre do ano de 2008, a Secretaria de Saúde do sindicato contava com dois diretores, um não possuía liberação de suas atividades docentes para exercer esse cargo e o outro estava afastado do cargo em função da eleição. Oficialmente, a Secretaria passava por um período de pouca (ou nenhuma) representatividade dentro do sindicato. Devido a essa situação, o debate acerca da produção de saúde-doença na atividade docente foi esvaziado, visto que ainda predominava a vinculação direta e exclusiva desse debate à Secretaria de Saúde.

Em relação às ações designadas “ações da Secretaria de Saúde”, desde sua criação, foram mencionados: uma pesquisa

sobre o perfil do trabalhador docente do Estado; um ciclo de debates sobre saúde em parceria com o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador; mesas temáticas nos congressos anuais e debates nos pré-congressos.

Além disso, quando existem queixas de professores em relação a problemas de doença provocados pelo trabalho, eles geralmente procuram os diretores da Secretaria, ou são encaminhados a ela em decorrência de ações judiciais ou requerimento de perícias médicas. Um dos diretores menciona uma grande dificuldade devido à manifestação tardia do sofrimento por parte de muitos professores. Na maioria das vezes, esses trabalhadores já chegam em estado de adoecimento grave, situações que poderiam ser evitadas ou amenizadas, caso fossem manifestadas precocemente. Mas, por que isso ocorre? O que dificulta essa articulação/ comunicação entre professores e os diretores do Sindicato? Por meio das conversas informais, entrevistas e contatos nos espaços visitados durante a pesquisa, ficou explicitada a existência de certo abismo entre professores e direção do Sindicato, uma relação marcada por desconfiança. As ações parecem não se voltar ao cotidiano do trabalho nas escolas, não as atingindo diretamente, ocorrendo sem atenção às suas peculiaridades. O SINDIUPES lida com o prescrito do ofício – apesar de lutar o tempo todo contra certos modos tradicionais e naturalizados de ser professor, de fazer escola – deixando escapar os meandros dessa atividade e as maneiras que são dia a dia inventadas e reinventadas para que se dê conta do trabalho de ensinar, educar.

Há, ainda, por parte do governo, um incentivo a essa situação, pois professores que permanecerem por determinados períodos sem recorrer a licenças são bonificados. O que fazer, então: adoecer e calar-se? E adoecer mais? Ou manifestar sofrimento ainda que mediante a cobrança do Estado e o preconceito dos colegas?

Em conversa com os diretores da Secretaria de Saúde do sindicato, pudemos confirmar que o número de licenças

ainda continua alto. Paralelamente a essa situação, muitos admitem que o debate acerca das questões pertinentes à saúde docente nos espaços educacionais ainda parece novidade no SINDIUPES, um terreno pouco explorado ou visto como questão coadjuvante às queixas principais, como a luta por melhorias salariais.

Atualmente, a maioria das assembleias realizadas pelo SINDIUPES não possui quorum e isso se deve ao descontentamento e descrença de muitos professores em relação à atuação da entidade. Muitos falam claramente dessa distância, dessa falta de movimentação do sindicato em relação a algumas bandeiras que nunca são prioritárias, como a saúde, por exemplo. O debate parece limitar- se aos congressos e a ações isoladas e com objetivos momentaneamente específicos.

Alguns professores sentem-se desamparados e chegam a dizer que a atuação do sindicato faz pouca ou nenhuma diferença. Por outro lado, admite-se a não obrigatoriedade de ser sindicalizado, visto que, no SINDIUPES, essa ligação não é compulsória e o professor pode requerer seu desligamento a qualquer momento, quando achar que essa instituição de classe não mais o satisfaz como entidade de representação e luta por direitos.

Na realização do seminário proposto para discutir a criação das comissões de saúde docente, conseguimos o apoio do SINDIUPES para a organização e divulgação do evento nas escolas. A divulgação permitiu análises interessantes devido às diversas reações percebidas por onde passamos: em alguns bairros, as pessoas olhavam curiosas para o emblema do SINDIUPES na lateral do automóvel; em outros passávamos despercebidos. Para entrar nas escolas, o aviso de que estávamos junto com o sindicato ora facilitava, ora era determinante, ora indiferente, o que também nos revelou traços da relação entre sindicato e escolas: às vezes vista como parceria, pessoas que lutam junto, complementam, representam; outras vezes vista como ameaça, em que a organização é dotada de um status de superioridade

hierárquica, que muitas vezes determina ações que não são deliberadas coletivamente.

Ao mesmo tempo, a organização sindical encontra-se em um momento em que as disputas políticas se expressam em uma gestão repartida conforme interesses e alianças partidárias. Um dos professores entrevistados diz que o sindicato funciona como um aparelho de disputa ideológica e que alguns sindicalistas se aproveitam daquele espaço para fazer valer suas vontades políticas particulares, esquecendo-se do coletivo e tomando as discussões e disputas de propostas e ações como pessoais.

Dejours (2006) contextualiza a questão da fragilidade sindical no período da década de 70, em que organizações sindicais e a esquerda pouco se importavam com a questão da subjetividade no trabalho, preocupando-se mais com os males físicos e com outras questões materiais. Consideravam qualquer estudo a respeito da subjetividade e sofrimento psíquico como estratégias antimaterialistas, que colocavam em risco o movimento e a organização coletiva, abrindo espaço para a interiorização e individualização das práticas. Esse atraso de alguns em detrimento do avanço de outros (especialismos científicos, empresariais) configurou, na década de 80, o novo conceito de recursos humanos. Nos espaços onde os sindicatos não interferiam, patrões e gerentes formulavam novas concepções acerca da subjetividade e do significado do trabalho, ao passo que se alargava cada vez mais a distância entre as iniciativas gerenciais e a resistência dos sindicatos.

A atualização dessa realidade é evidente, na medida em que tudo isso que foi vivenciado dá indícios dessa fragilidade sindical em relação às determinações empresariais e ministeriais para a Educação, terreno onde o saber daqueles que vivenciam na pele essa atividade não tem sido o foco. A pesquisa indicou, então, a importância de construir outros caminhos que reforcem a participação do sindicato neste debate.