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Considerações finais: abraços possíveis

Discutir a produção de saúde-doença nas escolas configura- se como algo que vai muito além da preocupação com o grande número de licenças e afastamento de docentes de suas atividades, mas nos leva a pensar na forma como a atividade docente se organiza, se realiza em seu dia a dia. Ao falar de saúde, conforme a concepção ampliada de Canguilhem (2007), fala-se de capacidade de transformação, de autogestão, de invenção de novos modos de vida e de outras normas do viver-bem: em último caso, diz-se da expansão da vida, e os adoecimentos nos trazem pistas do rumo que tem sido dado a essas vidas por meio de organizações trabalhistas que muitas vezes contêm doses de perversidade, ao tentar engessar as práticas docentes em receitas, currículos, apostilas.

Nesses ambientes, em que muitas trocas foram possíveis, percebeu-se também a dificuldade existente quanto ao acordo entre as escolas e a SEDU-Serra em relação à participação de professores e funcionários em eventos diversos, que seria para eles de grande importância.

Encontros, seminários e reuniões, cujo objetivo é discutir a atividade docente, seus prazeres e desprazeres, as relações de trabalho e sua organização, parecem ainda serem vistos como espaços de ociosidade ou mesmo de perda de tempo produtivo.

Essa realidade está configurada em determinadas posturas que, muito mais que organizacionais, são políticas. Vê- se, nas diversas esferas públicas, um bombardeio de valorização desenfreada de uma produção vista em relação a números, estatísticas, produtos, em que se descartam os processos, as vias de desenvolvimento e mudança das práticas, que permitem adequar e viabilizar certos modos de funcionamento dos sistemas, e isso na Educação tem se tornado cada vez mais forte.

Se antes víamos aquelas placas de “funcionário do mês” em lojas de calçados ou fast-foods, agora temos conhecimento

de algo semelhante na Educação, em que, além dos abonos para quem não tira licença, há também a intenção de premiar financeiramente a produtividade de professores e funcionários das equipes pedagógicas: aqueles que não faltam, dão mais aulas e, consequentemente, “produzem” mais. Pra onde vai a tão sonhada qualidade da Educação em meio a essas políticas? Ou será que, mascarando as mazelas do cotidiano escolar e a produção de sofrimento dos professores em função de números, os problemas serão eliminados? E os valores sem dimensão da Educação (SCHWARTZ, 2007), têm sido considerados?

Boas condições de trabalho englobam não apenas ambientes ergonomicamente adequados, bons salários e administrações éticas, mas também espaços democráticos de discussões acerca da atividade docente, não apenas em locais institucionalmente designados a esse objetivo, mas também em espaços de fala-escuta que sejam construídos no cotidiano e se mostrem atuantes na abertura a novas possibilidades de ensino-aprendizagem, na gestão efetivamente democrática. Existem muitos afastamentos, os problemas formam listas enormes. Porém, que meios de resistência, como (re) existência, têm sido produzidos nesses espaços? O que faz com que exista ainda uma grande vontade de dar aula, de ser professor, de fazer escola diante de tantas adversidades? Ninguém entende melhor as dores e as delícias da atividade docente do que aqueles que a realizam. Portanto, é de grande importância o fortalecimento dessas redes de ação- comunicação entre professores e demais profissionais da Educação, principalmente com as organizações sindicais. Conforme traz Clot (2006), o confronto com profissionais de áreas semelhantes e diferentes de atuação nos permite olhar nossa atividade com outros olhos, analisando-a de modo diferente e dando-lhe novos sentidos.

Isso gera desenvolvimento de ações, (re)elaboração de saberes e práticas, e essa forma de pensar foi norteadora das pesquisas: promover debates, encontros e momentos em que

todas essas questões fossem discutidas, e concepções e ideias pudessem ser compartilhadas e confrontadas coletivamente, produzindo novos modos de se pensar a saúde do trabalhador docente, distante dos moldes exclusivamente biológicos. É com essa intenção que buscamos priorizar o debate sobre Saúde e Trabalho, que ainda circula tímido, evitando que o tema venha a tornar-se apenas um dos objetos de barganha e disputa política em meio às ações sindicais e às políticas governamentais de Educação.

É nesse sentido também que se dá a proposta de instituição de Comissões de Saúde Docente e de um Núcleo de Saúde para os professores do município de Serra, visto que podem consistir em novos espaços, que possibilitam que o coletivo profissional não fique exposto ao isolamento, como diz Clot (2002), mas potencializem o grupo de trabalhadores para uma atividade docente dirigida a um viver que se expande ao trabalhar. Afinal, como indica Foucault (1985, p. 294), “[...] a vida se torna uma força fundamental que se opõe ao ser como o movimento à imobilidade, o tempo ao espaço, o querer secreto à manifestação visível”.

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