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O Judiciário tem se manifestado favoravelmente às pretensões dos contribuintes e as ilegalidades constatadas no tratamento processual dado pelas Delegacias da Receita Federal de Julgamento às sessões de julgamento não estão sendo toleradas, como se verifica nas decisões a seguir colacionadas:

“(...)

A questão a ser dirimida nos autos consiste, noutras palavras, em investigar à luz da Constituição da República e da legislação infraconstitucional se a negativa do impetrado em notificar o impetrante da data e local da realização de sessão de julgamento da impugnação administrativa por ele apresentada configura ofensa aos princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório.

(...)

Estes princípios consistem, como é notório, em postulados basilares que refletem a necessidade de que o exercício do poder jurídico público seja feito de forma justa e imparcial, proporcionando ao administrado a oportunidade de se opor às alegações do ex adverso e apresentando as razões que entende fundamentar sua defesa. Como se vê, o próprio texto constitucional explicitou de maneira clara e inequívoca a garantia aos princípios da ampla defesa e do contraditório, deixando registrado, ainda, que tais garantias devem ser dadas aos litigantes e acusados em geral respeitadas não apenas em processos judiciais, mas também em processos administrativos. Tamanha é a importância de tais princípios que o legislador ainda o incluiu no texto do artigo 2° da Lei 9.784/99, como princípios norteadores da administração pública, ao lado da legalidade, segurança jurídica, finalidade e motivação, dentre outros:

(...)

No caso embatido nos autos, o impetrante teve negado o pedido de notificação da data de julgamento de sua impugnação administrativa, ficando, assim, impossibilitado de apresentar memoriais e sustentar oralmente sua defesa. Neste sentido, entendo que a conduta do impetrado configurou violação a mencionados princípios, porquanto implicou na limitação do direito de defesa do impetrante.

Tal entendimento há muito já foi adotado pelas cortes superiores, conforme demonstram os julgados abaixo colacionados:

“TRIBUTÁRIO – PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL – LANÇAMENTO –MOTIFICAÇÃO –NECESSIDADE –TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO DE OFICIO-NULIDADE DA EXECUÇÃO FISCAL.

1. A ampla defesa e o contraditório, corolários do devido processo legal, postulados com sede constitucional, são de observância obrigatória tanto no que pertine aos “acusados em geral”, quanto aos “litigantes”, seja em processo judicial, seja em procedimento administrativo.

2. Insere-se nas garantias da ampla defesa e do contraditório a notificação do contribuinte do ato de lançamento que a ele respeita. A sua ausência implica a nulidade do lançamento e da Execução Fiscal nele fundada. ( STJ, Rel Min. Luiz Fux, REsp 478.853)

(...)

Incabível a alegação da autoridade de que não há na Portaria MF 58/2006 previsão expressa de participação e manifestação do sujeito passivo ou seu representante legal na seção de julgamento, porquanto tal direito lhe é garantido por norma constitucional que, como é cediço, tem natureza hierarquicamente superior a qualquer outra norma legal ou administrativa. Assim, havendo negativa ao pedido expresso do impetrante de ser notificado de dia e hora do julgamento de sua impugnação, resta inequivocamente inviabilizado o exercício do direito à ampla defesa e contraditório. Face a todo o exposto, nos termos do artigo 269, I do Código de Processo Civil JULGO PROCEDENTE o pedido e, por conseguinte, CONCEDO A SEGURANÇA pleiteada, tornando sem efeito o julgamento proferido no processo administrativo nº 19515-000- 961/2007-27, face à flagrante ofensa às garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Como consequência, determino que a autoridade coatora promova novo julgamento no processo administrativo nº19515-000-961/2007, notificando o impetrante do local e hora de sua realização para que este, querendo, compareça acompanhado ou não de advogado e lhe seja permitindo o livre e amplo exercício de defesa.” 42

Na mesma esteira, outras decisões proferidas pela Justiça Federal de São Paulo: “Com efeito, a CF/88, em seu art. 50, LV, assegura aos litigantes, seja em processo judicial, seja em processo administrativo, o livre acesso ao contraditório e à ampla defesa.

Dessa forma, há que se conferir sempre ao contribuinte meios de participar do contraditório, instruindo o processo e participando do julgamento. Assim, toda e qualquer norma infraconstitucional que discipline o procedimento administrativo, seja lei ou ato administrativo normativo, deve assegurar ao contribuinte o exercício dessas garantias.

Não prevendo a Portaria MF 58/2006 a possibilidade de participação do contribuinte nas sessões de julgamento das Delegacias da Receita Federal de Julgamento, há nulidade por afronta ao princípio do devido processo legal.

No caso em tela, ademais, houve requerimento expresso do contribuinte (fI. 142) para que se lhe desse ciência da data de realização do julgamento de sua impugnação, bem como a possibilidade de sua participação direta no julgamento, com a entrega

42 JFSP – Processo nº. 2008.61.00.009802-4 – 13ª Vara Federal Cível de São Paulo – Juiz Wilson Zauhy Filho –

de memorais aos julgadores e sustentação oral, o que não foi apreciado.

Houve, assim, violação aos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, não podendo norma administrativa dispor de forma a afastar garantias constitucionais, tendo o contribuinte direito de tomar ciência da data, local e horário que seu processo será julgado em colegiado, devendo também ser possibilitado ao contribuinte o acesso à sessão, que deve ser pública, bem como apresentar memoriais e realizar sustentação oral.

Se assim ocorre nos tribunais judiciais, formado por julgadores imparciais, a garantia deve ser maior ainda em tribunais formados por julgadores administrativos, que não gozam da isenção e imparcialidade confiada aos juízes togados.

Ademais, a própria Lei nº. 9.784/99, lei geral do processo administrativo na esfera federal, aplicável ao caso, impõe à Administração Pública obediência, entre outros, aos princípios da ampla defesa e contraditório (art. 20, caput) e das "das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados" (art. 20, do parágrafo único, inciso VIII).

No mais, a conduta da autoridade impetrada, de sequer apreciar o pedido, por meio de decisão, antes do julgamento, deixando para analisar a questão apenas quando da realização deste, também já se configura, por si só, abusiva, na medida em que retirou o contribuinte a possibilidade de questionar judicialmente este antes do julgamento Ante o exposto, nos termos do artigo 269, I, do Código de Processo Civil, CONCEDO A SEGURANÇA de modo a tornar sem efeito o julgamento ocorrido em 16 de janeiro de 2008 nos autos do processo administrativo nº 19515.000602/2007-70, por ofensa ao devido processo legal e a ampla defesa”43

“(...)

Cinge a controvérsia em saber se o julgamento levado a efeito pela Administração Pública, sem que houvesse sido intimado o contribuinte interessado de sua data e hora para que pudesse entregar memoriais e sustentar oralmente a sua defesa é válido. O tema articulado pelo impetrante encontra assento constitucional, porque surge do confronto entre os princípios da legalidade da Administração Pública e do contraditório e da ampla defesa, bem como da extensão deste princípio. No plano infraconstitucional, a matéria vem disciplinada pela Lei 9.784/99.

Embora a Administração Pública tenha indeferido o pedido do impetrante diante da inexistência de fundamento legal que o imponha, certo é que seu ato malferiu princípio maior, sobre princípio em relação do princípio da legalidade, que é o princípio contraditório e da

43 JFSP – Processo nº. 2008.61.00.014501-4 – 5ª Vara Cível de São Paulo – Juíza Federal Marcelle Ragazoni

ampla defesa, inserto no artigo 5°, LV, da Carta da República, nos seguintes termos:

(...)

Há muito a doutrina constitucional vem enfatizando que o direito de defesa não se resume a um simples direito de manifestação no processo, conforme esclarece o Sr. Ministro Gilmar Mendes, em voto proferido nos autos do mandado de segurança 24.268-Minas Gerias, verbis:

(...)

Dessa forma, o ato administrativo impugnado é nulo porque negou ao impetrante o direito de comparecer no julgamento, bem como de fazer sustentação oral e apresentar memoriais, equiparando-se julgamento segredo.

Posto isso, CONCEDO A SEGURANÇA, nos termos do pedido inicial, extinguindo o processo, com julgamento de mérito, com fulcro no artigo 269, inciso l, do Código do Processo Civil44. ”

Eis o posicionamento sucedido recentemente na Justiça Federal do Rio de Janeiro: “Diante dos fatos narrados, a sistemática adotada peca pela não designação de datas para julgamento, intimação dos contribuintes e dos seus advogados, caso estejam representados diante da interpretação majoritária de que em qualquer procedimento administrativo a parte pode defender suas pretensões. Creio que uma interpretação constitucional adequada à integração dos princípios maiores do contraditório e ampla defesa devem guardar esses autos. A realização da norma constitucional tem precedência sobre as demais, hierarquicamente inferiores. Vislumbro, pois, o fumus boni iuris dos argumentos expendidos nesse ponto. Verifico que ponderando interesses em jogo, o deferimento da medida liminar não causará prejuízo à Fazenda tendo em vista as consequências de adequação meramente procedimentais. O periculum in mora está presente vez que os julgamentos continuam ocorrendo iterativamente sem a observância dos princípios constitucionais referidos. Estão, assim, preenchidos os pressupostos legais”45

44 JFSP - Processo n° 2007.61.00.019103-2 - 23ª Vara Federal de São Paulo, juíza Maria Cristina de Luca

Barongeno.

45 JFRJ – Mandado de Segurança Coletivo – Processo nº 0000113-91.2014.4.02.5101 – 5ª Vara Federal do Rio

CONCLUSÃO

Conforme verificado, as legislações atinentes aos julgamentos de primeira instância administrativa tributária federal são omissas no que diz respeito aos direitos do contribuinte. E é partir desta patente omissão que se oberva a necessidade de assegurar as garantias quanto à (i) divulgação prévia da pauta de julgamento e a intimação dos contribuintes e respectivos procuradores para o acompanhamento das sessões de julgamento, (ii) permissão para a entrega de memoriais, (iii) autorização de sustentação oral, (iv) requisição de provas, (v) participação em debates, e (vi) suscitação de questões de ordem.

Consequentemente, a referida lacuna legislativa é inequivocamente preenchida pelos princípios constitucionais consagrados pela Constituição Federal, cujo âmbito de proteção contempla todos os processos, judiciais e administrativos, bem como pelas garantias asseguradas aos advogados no Estatuto da Advocacia.

Cumpre ressaltar que o teor dos debates travados nas Delegacias da Receita Federal de Julgamento não pode ser desviado do conhecimento público, menos ainda daqueles que impulsionaram a contenda administrativa uma vez que diretamente interessados nas deliberações lá confeccionadas. É, pois, inconcebível que o contribuinte não possa saber quando e onde será seu julgamento, quem julgará e as razões de decidir. Assim, a atitude da autoridade administrativa que nega ao contribuinte o seu direito de assistir e participar do julgamento de processo administrativo em que é parte retira, no mínimo, a insuspeição e a imparcialidade que o ato deve conter.

Desta forma, diante da análise exposta no presente trabalho, é inegável que o sigilo que reveste as sessões de julgamento das Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento revela-se absolutamente injustificado e divorciado de qualquer respaldo lógico ou jurídico. Por conseguinte, verifica-se a flagrante inobservância e violação aos direitos fundamentais do devido processo legal, contraditório, ampla defesa, publicidade, transparência e boa administração.

Portanto, considerando a observância do Estado Democrático de Direito e as garantias supracitadas, não há mais como admitir a injusta vedação ao acesso às sessões de julgamento realizadas perante as Delegacias Regionais de Julgamento da Receita Federal do Brasil, concluindo-se pela inconstitucionalidade dos julgamentos de primeira instância administrativa tributária federal.

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