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Aubrey de Grey & A Medicina da Longevidade (Presságios da Imortalidade?)

2 O TRANSHUMANISMO & A SUA MORAL TRANSCENDENTE

2.5 Aubrey de Grey & A Medicina da Longevidade (Presságios da Imortalidade?)

“(...) antes a morte do que a saúde que se nos propõem.”

(Gilles Deleuze, Lógica do Sentido)

Em seu artigo La Guerra Contra El Envejecimiento (2013), o gerontologista inglês Aubrey de Grey esclarece que até o começo do século XIX, quase a quarta parte dos nascidos, mesmo nos chamados países ricos, morriam antes de completar um ano, sendo que boa parte das mulheres falecia em consequência do parto. O pesquisador francês Louis Pasteur (1822/1895) foi o grande responsável pelo prolongamento de milhares de vidas graças as suas descobertas e ensinamentos sobre microrganismos, vacinas, importância da higiene, antibióticos, etc. A mortalidade infantil foi, na sociedade industrial em uma década, reduzida drasticamente graças a tais conhecimentos, isto é, uma intervenção científica sem precedentes foi capaz de salvar e prolongar milhares de vidas até a idade média da época, que girava em torno dos 50 anos.

Grey (2013) prognostica que em poucas décadas serão feitos grandes avanços médicos e técnicos no sentido de manter e até restabelecer a saúde e o vigor das pessoas mais velhas, e de modo similar ao que conseguiu Pasteur, tais pessoas seguirão sua vida saudável e não terão suas mortes antecipadas, ao contrário, viverão saudáveis por longos períodos. O grande esforço, diz o pesquisador, será, daí em diante e para sempre, reduzir a incidência de mortes involuntárias em qualquer idade. Ele diz gostar de chamar tal logro de “a velocidade de escape na extensão da vida” (GREY, 2013), e afirma que a primeira geração que irá alcançar cerca de 150 anos será de pessoas que já existem e que podem ser de meia idade, e que só morrerão caso assim o decidam. Segundo a já citada antropóloga Paula Sibilia (2015, p. 205), tal gestão médica da saúde se configura como tentativa de um total controle sobre “os acontecimentos aleatórios que incidem sobre a multiplicidade orgânica e biológica dos seres humanos”, e na luta contra as patologias visam, sobretudo, impor parâmetros normalizadores aos corpos e subjetividades segundo as necessidades e interesses de uma sociedade impregnada pelo “espírito empresarial”. Assim, a cada um é ofertado o aparato tecnocientífico de gestão e otimização de si, de ampliação do tempo de vida segundo modelações de saúde e

eficácia exigidas pelo mercado dos negócios e dos designs personalizados à escolha nos

menus da alta medicina e da técnica de ponta.91

Para Grey (2013), uma medicina antienvelhecimento digna desse nome é aquela capaz de restabelecer de maneira confiável a força física e cognitiva de que desfrutou em sua idade adulta alguém que apresente disfunções relacionadas ao envelhecimento. O médico fala de uma verdadeira cura do envelhecimento, pois a trata como uma enfermidade como as demais92, e apresenta também a criopreservação93 como uma alternativa que vai se estabelecendo lentamente, mas de modo seguro. Cerca de 1000 pessoas se encontravam até aqui inscritas para conservar seja seu cérebro seja seu corpo sob a imersão em nitrogênio líquido, desafiando a morte clínica e jurídica. Um número reduzido talvez, mas não desprezível alerta Grey, se consideradas as resistências do público em geral quanto à ideia da extensão extrema da vida por meios puramente biomédicos. Mas o que anima o autor na guerra contra o envelhecimento é o momento em que se anunciam os resultados de ampliação da vida dos mamíferos, e que são suficientemente significativos para obrigar a opinião pública a aceitar a previsão da extensão da vida humana, que acaba por produzir a aceitação da efetividade das terapias.

A guerra contra o envelhecimento é para o pesquisador (2013) apenas o início (infinito) da redução rápida e substancial das taxas de mortalidade. Para deter o envelhecimento é preciso, diz Grey, fazer um trabalho contínuo de reparo e manutenção, remover precocemente os primeiros sinais de envelhecimento do corpo, antes que se acumulem tanto a ponto de causar prejuízos no organismo: “Seremos capazes de fazer a manutenção do corpo de uma forma tão eficaz que nos permitirá evitar indefinidamente as doenças que costumam aparecer com o passar do tempo.” (GREY, 2009).

Ora, assim como os demais transhumanistas aqui trabalhados, Aubrey de Grey exerce obsessivamente toda sua energia intelectiva no sentido de conceber técnica e cientificamente maneiras de como deter as doenças, a velhice e até a morte, numa perspectiva muito mais de evitar o “negativo” do que de potencializar a afirmação intensiva da vida. A morte é

91 Evidentemente que tal oferta medicinal, tecnocientífica não será de acesso a todos, como numa espécie de

democratização feliz dos meios e cuidados técnicos de si, já que, como afirmará a própria Paula Sibilia, a

sociedade que promove tal “milagre” sedutor de ampliação da saúde, da vida cronológica aos possíveis

consumidores que tiverem recursos para obtê-los, é a mesma que produz um contingente tanto maior de excluídos mergulhados na extrema pobreza. Cf. SIBILIA, 2015.

92“Ele [o processo de envelhecer] é uma mudança na estrutura do corpo humano – a mesma coisa que acontece

em uma enfermidade. Se o objetivo da medicina é recolocar o corpo no estado anterior à mudança – e ela faz isso –, a mesma estratégia pode ser adotada em relação ao envelhecimento.” (GREY, 2009).

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Segundo Diego Caleiro, do IERPH (Instituto Ética, Racionalidade e Futuro da Humanidade), o diretor do instituto de criogenia Ben Best afirmava que a criogenia deveria ser tratada como uma medicação, uma tentativa de manter uma pessoa viva, mesmo sob condições bem adversas. Cf. CALEIRO, 2012.

concebida como um grande mal, e parece atuar como referente principal às pesquisas desses futuristas, que devem transcender não somente sua perspectiva num futuro remoto, mas providenciar já todo recurso de suspensão de sua proximidade. Assim é que, paradoxalmente, buscam a todo custo afastá-la como podem enquanto acontecimento fatal (pelo melhoramento da saúde, correção de falhas físicas e cognitivas, prolongamento da juventude, etc.) e, no entanto, fazem dela sua fixação como inimiga atuante enquanto fantasma a povoar suas vidas. Já Deleuze (2009, p. 52-53), em um de seus cursos sobre Spinoza, colocava a questão de um outro modo. Ao contrário da insistência transhumanista e de sua tara tecnocientífica de “curar” da morte, fazendo do mau encontro o bastião mórbido de suas existências, o pensador francês afirmava energicamente uma filosofia da vida, onde o que conta de fato são as maneiras de viver, a meditação da vida:

...a filosofia não pode ser mais do que uma meditação da vida, e longe de ser uma meditação da morte é a operação que consiste em fazer com que a morte finalmente só afete a proporção relativamente menor em mim; ou seja, vivê-la como um mau encontro. (DELEUZE, 2009, p. 52).

Mas se Deleuze constitui uma filosofia da vida, como meditação dos modos de vida, isso não significa que ele faça uma denegação da velhice ou da morte. Ao contrário, ele considera um tolo aquele que não aceita o envelhecimento, aquele que não sabe envelhecer, mas não menos estúpido é aquele que se faz de velho, que antecipa sua velhice. O filósofo francês encontra ainda algo de fascinante na velhice: ele verifica o quão nossa potência de agir é diminuída quando o corpo envelhece, e devido ao aumento de probabilidades de maus encontros desse corpo cansado, como fazer para ganhar uma sabedoria de tanto mais evitar tais encontros desastrosos sem negar a velhice, sem imitar o jovem e suas imprudências menos seletivas nos encontros. Deleuze sabe que é necessário o mergulho numa certa prudência ética, num certo esforço em “escolher” tanto quanto possível o que lhe afeta ou não durante o processo de envelhecimento (sobretudo nesse período da vida), e sobre criar para si novos sentidos de vitalidade de acordo com a idade avançada correspondente, sem recair nas fixações paradoxais de cura da velhice e da morte, por uma vida super estendida, como propõem Aubrey de Grey e os outros transhumanistas aqui citados:

O saber envelhecer é chegar ao momento em que as noções comuns devem fazer-nos compreender em que as coisas e os outros corpos não convêm com o nosso. Então forçosamente, vai ser preciso encontrar uma nova graça que será aquela da nossa idade, sobretudo não agarrar-se. Isto é sabedoria. Não é a boa saúde que faz dizer

“viva a vida”, isto não é mais do que a vontade de agarrar-se a vida. Spinoza soube

morrer admiravelmente, mas ele sabia muito bem do que era capaz, ele sabia dizer

Porém, Grey (2009), como aquele que é diretamente mais afetado pela noção impotente de morte do que pela potência de inventar vida ativa, cataloga pelo menos sete razões do envelhecimento a serem monitoradas e combatidas se quisermos estender longamente nossa vida. Ele dirá que, com o passar dos anos, as células vão perdendo sua capacidade de renovação, sendo a diminuição de sua quantidade relevante para a perda de massa óssea. Outra causa é a questão da intoxicação interna, isto é, com o tempo as células não conseguem se dividir corretamente, e quando morrem, liberam substâncias tóxicas. Mutações no núcleo das células, fazendo com que elas proliferem irregularmente, também é um problema. Outro motivo é a mudança genética das mitocôndrias (estrutura celular responsável pelo fornecimento de energia). Tem ainda o que o autor chama de lixo intracelular, que é o acúmulo de substâncias resultantes de reações químicas, e o lixo extracelular, que são proteínas que a célula joga fora e deveriam ficar em seu interior. E por fim, a ocorrência de proteínas irregulares, em que moléculas tomam formas erradas e terminam grudando umas nas outras, atrapalhando o funcionamento, por exemplo, dos vasos sanguíneos.94

Aubrey de Grey (2009) salienta que todos os tratamentos terão como objetivo reverter ou acabar com as consequências de tais problemas. Assim, células que vierem a perder suas funções serão substituídas por células-tronco. Quando for o caso de proliferação irregular de células, serão removidas as excedentes por via de terapia genética e vacinas. No caso do acúmulo de toxinas no interior das células, poderão ser retiradas pelo uso de enzimas ou vacinas. Em relação às mutações, é possível prevenir seus efeitos introduzindo genes modificados novos, sadios, ou por indução à morte das células mutantes. Esta estratégia requer terapia genética e uso de células-tronco. Com esses recursos, acredita o médico, nos livraremos das fragilidades, decrepitudes e dependências do passar dos anos.

Logo que começou a trabalhar com biogerontologia, Grey (2013) diz que não tinha nenhum problema com a morte, o que detestava era o envelhecimento. Mas fala de sua mudança de posição posterior, de sua verificação da quantidade de mortes involuntárias que marcaram a civilização, por meio de guerras, acidentes, uso de álcool e armas. Porém, todo um esforço, avalia, por parte de governos e cidadãos, vem produzindo desde a segunda metade do século XX, a diminuição drástica de mortes “exteriores”, sendo a causa das mortes de jovens reduzidas basicamente a questões fisiológicas que serão tanto mais combatidas pelas inovações tecnocientíficas. Tudo isso é o que faz do cientista um otimista: ele prevê

segundo tal lógica de prolongamento da vida, que por volta do ano de 2100, a média de idade será superior a 5000 anos. Não que acredite que seremos imortais, pois acidentes e violências ainda serão causas de mortes involuntárias, mas os problemas de doenças e envelhecimento, segundo aponta, serão mitigados de modo a não serem mais causas importantes de nosso desaparecimento, caso queiramos nos submeter às terapias de extensão da vida. (2009).95

De todo modo, é um pressuposto projetado por Grey tanto a cura das doenças quanto a cura da velhice pelos tratamentos via tecnologia e ciências de ponta, e sim, há uma certa confiança de cura da morte e extensão indefinida da vida para um futuro mais distante (pelo processo de reanimação via criopreservação e de escaneamento cerebral)96. O que se verifica aqui é uma espécie de reconfiguração tecno-racionalista do ideário transcendental metafísico, com seu juízo negativo sobre a vida contingente, sobre o corpo e suas sensações nômades, sobre a carne e suas vicissitudes, em nome da antiga compulsão pela imortalidade, por certa estabilidade (segurança) tranquilizadora e pela erradicação das feridas, riscos e alegadas imperfeições da imanência. Demonstração de um narcisismo extremado, na pretensão fantasiosa em conservar ad infinitum as migalhas que sejam de um suposto “eu” identitário hiperbólico e indestrutível, senão no céu religioso, na forma a ser contemplada ou em certo subjetivismo epistêmico, mas na rede virtual ou nas baixas temperaturas da lama química, a ser ressuscitado.

Talvez fosse o caso não de estender a vida dos humanos por mais tempo, do humano enquanto espécie que se sente privilegiada frente a outros modos de vida, do humano com sua arrogante racionalidade e seus valores ditos superiores, que parece buscar manter sua hegemonia no planeta pela via de uma nova evolução, agora não biológica, mas completamente calculada conforme as ciências e as tecnologias que vão se disponibilizando tanto mais rapidamente. Tal perspectiva exige de cada um a tarefa de uma auto-gestão controlada de si, como um administrador de uma empresa que passa a ser sua própria vida, e que vai eliminando ou minando todo o acaso, toda a surpresa, toda a inventividade não programada conforme os ditames dos Estados e do capitalismo cognitivo, do desejo capturado e do consumo extremado. Talvez a existência e resistência dos humanos enquanto tais, como singularidades únicas, dependa justamente da assunção da morte de tal modelo de humanidade, antropocêntrica, regida por um ideário “religioso” de progresso, de desenvolvimento e ordem autoritária, de representações que o caracterizam como um ente

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Para ver mais sobre toda essa problematização abordada por Aubrey de Grey, assistir sua palestra no link:

https://www.youtube.com/watch?v=kb1Y7Kr5Xlk.

transcendente, identitário, como sujeito que vai se fechando sobre si mesmo, seja enquanto “espécie” seja como “indivíduo” (hoje o “divíduo”).97

O filósofo alemão Max Stirner afirmava no século XIX, precisamente em 1844, que sua época não estava enferma, e que se tratava de outro problema, qual seja: ela estava esgotada, já tinha vivido tudo e não precisava ser remediada, ninguém devia torturá-la tentando curá-la. Ele conclui seu raciocínio dizendo que devemos aplacar tão logo a sua agonia: “...aligeirai antes a sua última hora abreviando-a e já que não é possível curá-la, deixai-a morrer”. (STIRNER, 1979, p. 148).98 Ou ainda com Stirner, em relação ao melhoramento do humano e de seus valores, é possível inferir: “procura-se melhorar onde já não há nada para melhorar”. (STIRNER, 1979, p. 149).99

Assim, é possível pensar também a precipitação da morte do humano tal como sua forma definida acima, e em vez de curá-lo de sua finitude ou tentá-lo aperfeiçoar ou transcender para a forma transhumana e pós-humana, num simples remanejo ou salto de uma forma à outra, de uma mera pretensão de dominação universal à outra, seria preciso, sobretudo, pensar o “humano” e suas composições não humanas, seus devires e seus encontros múltiplos, “núpcias” com a natureza, sua conexão com as forças da imanência pura, seus agenciamentos com a terra, que não remetem a qualquer outro plano suplementar, transcendente: sejam relações de poder, um suposto progresso ou organização fatalista, a programação de formas ou de sujeitos, as essências supostas escondidas num fundo qualquer, seja de informações genéticas ou neurais, seja enfim, a vontade de onipotência infinita e ilimitada de imortalidade de si e das condições sociais, políticas e econômicas que revelam a existência esnobe e banal do humano e suas novíssimas derivações high-tech. Assumir o plano de imanência em sua radicalidade é afirmar inclusive a finitude como condição amorosa da vida, como fulmina Deleuze: “Um amor da vida que pode dizer sim à morte”. (DELEUZE, 1998, p. 79).

Não se trata, portanto, de uma mera mudança de valores, do melhoramento do humano ou da transição ao pós-humano como simples transformação quantitativa (mais inteligência, mais memória, mais tempo de vida, mais eficiência, etc.). O que autores como Deleuze e Guattari sugerem é uma eminente transmutação na maneira mesma de valorar, de dar sentidos à existência singular como quebra com toda axiomática transcendental, universalista,

97Sobre a questão do “divíduo” ou “dividual” na sociedade de controle, cf. DELEUZE, 1992. 98

O texto também pode ser lido aqui: http://www.nu-sol.org/verve/pdf/verve3.pdf.

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Tal época era assim analisada por Stirner: “Como a nossa época está à procura da palavra que exprima o espírito que a habita, numerosos são os nomes que invadem o proscênio, pretendendo todos serem os melhores. Por todos os lados se manifesta o mais diverso fervilhar de partidos e em torno da herança apodrecida do passado reúnem-se as águias do momento. Os cadáveres políticos, sociais, religiosos, científicos, artísticos, morais e outros, abundam por todo o lado e enquanto não forem todos consumidos o ar não se purificará e a respiração dos viventes continuará opressa.” (STIRNER, 1979, p. 63).

assujeitadora, formatadora, racionalista que rege o chamado ocidente há mais de dois milênios em suas versões metafísica, religiosa monoteísta e industrial capitalista, com seu ideário de progresso ilimitado. O transhumanismo nada mais opera do que uma aceleração e ampliação desse processo, que se dá pela dominação de uns humanos sobre outros e dos humanos sobre a natureza não humana, e ainda, pela vontade simultânea de mando e obediência generalizados. Dessa maneira é que somente a ruptura com esse ideário megalomaníaco, grandiloquente, é que há alguma possibilidade de se imprimir fugas não unitárias ou universalizantes, resistências nomadizantes de singularidades não sujeitadas, onde cada único já é um coletivo, uma matilha, e onde cada coletividade é constituída por maquinações inumanas, subjetividades-outras que se viram e reviram em revoltas dissidentes ao capitalismo, ao estatismo (inclusive em sua versão democrática contemporaneamente deificada)100, ao cientificismo, à tecnofilia, e a toda forma de poder que sufoque a vida em suas intensidades surpreendentes. Vagas e vaga-lumes em miríades de invenções de novos modos de habitar o planeta e cada território ocupado (molecular, menor), linhas de vida acentradas e sem finalidade (rizoma), desterritorializações anorgânicas em composições imprevisíveis e incalculáveis monetária ou afetivamente. Vida-fogo, fogo na vida morna e moderada daqueles que temem a morte porque não se arriscam a encarar a vida e suas vicissitudes imanentes, sensuais, orgásticas. Tesão de vida ante a frieza tecnocientífica dos igrejinhas transhumanistas e sua tara por poder; efetuação de potências únicas, devires loucos e transbordantes (devir-ar, devir-relâmpago, devir-planta) que nada têm a ver com qualquer confinamento de si, seja nas figuras do eu individual, do eu-humano ou mesmo de um eu- móvel pós-humano.

“(...) ensinar a alma a viver sua vida, não a salvá-la.”

(Gilles Deleuze/Claire Parnet, Diálogos)

“Pois cadáveres, mais do que estercos, são para se jogar fora.”

(Heráclito, Fragmentos)

“A terra é a cabeça de Deus. Deus é o fogo dentro da

cabeça. Eu estou vivo enquanto tenho fogo dentro da

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Deleuze e Guattari em nada aliviam em sua crítica à democracia e aos direitos do homem e sua associação perversa com o capitalismo, e indagam: “Que social-democracia não dá a ordem de atirar quando a miséria sai de seu território ou gueto? Os direitos não salvam nem os homens nem uma filosofia que se reterritorializa sobre o Estado democrático. Os direitos do homem não nos farão abençoar o capitalismo.” (DELEUZE; GUATTARI,

1997c, p. 139). Ou ainda: “As democracias são maiorias, mas um devir é por natureza o que se subtrai sempre à maioria.” (DELEUZE; GUATTARI, 1997c, p. 140-141).

cabeça. Meu pulso é um terremoto. Eu sou um terremoto. Sei que, se não houver terremotos, a terra se extinguirá e, com a terra extinta, toda a vida do homem se extinguirá também... Eu sou o alimento espiritual, por isso não alimento os homens com sangue.”

(Vaslav Nijinski, Cadernos)