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2 O TRANSHUMANISMO & A SUA MORAL TRANSCENDENTE

2.6 O Transhumanismo de Max More

“Para não sonhar com distâncias, e desesperar-se, o

homem sonha com confortos mais ou menos exequíveis. Decora sua jaula com aparência de ninho, por mais que seu voo se torne cada vez mais recluso e, por fim, deixe de gorjear.”

(Christian Ferrer, Mecanismo)

A noção de singularidade101 para o filósofo futurista Max More, notadamente explicitada em sua entrevista Transhumanismo & A Singularidade (2011b), é definida contrariando certas expectativas, tais como as que presumem de tal conceito uma convergência e evolução homogênea em ritmo de certo número de distintas tecnologias. Para ele, certas áreas despontam em velocidade, outras vão mais lento, outras recuam e até estagnam. As tecnologias da informação, da biologia e da nanotecnologia, por exemplo, não avançam necessariamente coordenadas num mesmo ritmo. Em sua opinião, a ideia de uma singularização, com as tecnologias se desenvolvendo todas articuladas e em dinamismo

101 O sentido do conceito de singularidade para os pesquisadores transhumanistas difere completamente daquele

construído por Gilles Deleuze e Félix Guattari. Entre os transhumanistas, tal noção foi criada pelo matemático Vernor Vinge (e nomeada como singularidade tecnológica) em uma conferência sobre inteligência artificial (IA), em 1982, e passou a significar para Ray Kurzweil, por exemplo, o processo de desenvolvimento tecnológico acelerado que pode levar a humanidade num futuro não distante a superar-se enquanto espécie, adquirindo inteligência e outras virtudes excepcionais até o estágio de formação de uma outra espécie, essa não mais evoluída segundo parâmetros biológicos, mas eminentemente progredindo segundo seus próprios cálculos e interesses por manipulação na interface ou identidade entre o biológico e o tecnológico, até um possível desfecho imortal em que a própria dimensão carnal, corporal seria dispensada e substituída por presenças virtuais, em

softwares ou robôs super avançados. Cf. VINGE, 2007. Disponível em:

http://www.comciencia.br/comciencia/?section=8&edicao=30&tipo=entrevista. Para saber mais detalhes sobre a concepção de singularidade tecnológica, cf. MARTINS, 2012. Já o conceito de singularidade proposto pelos filósofos franceses quebra com qualquer ideia de formação de sujeitos, de identidades, de indivíduos, de espécies, de gêneros, etc. para designar a relação de composição em que cada ente ou modo existencial se conecta e é atravessado constantemente por outras forças vitais em variações e arranjos sempre únicos e imprevisíveis. Cada singularidade é, portanto, já um coletivo, uma multiplicidade, uma diferença que difere de si mesma a cada encontro segundo linhas não obedientes a uma trajetória de flecha do tempo (passado, presente, futuro) em progressão a um fim determinado ou pressuposto, e nem como regressão a uma origem idílica (nem começo nem objetivo cabal), mas linhas transversais múltiplas e loucas que fazem um rizoma, que proliferam e não se permitem estagnar.

acelerado visando o aperfeiçoamento da vida, é algo sedutor e atraente, mas deve ser tratada de uma maneira mais complexa e cuidadosa. More (2011b) vê o crescimento dessas tecnologias como uma “onda”, em que em certos setores se atinge um pico de velocidade exponencial, depois há uma desaceleração, e assim em outros, e outros, e assim por diante, sempre em oscilação.

More (2011b), assim como os demais transhumanistas, busca, em certa medida, desassociar suas ideias do espírito religioso, mas afirma sem rodeios sua filiação ao humanismo, como extensão deste. O transhumanismo é assim baseado nas ideias de racionalidade, progresso, esclarecimento e secularismo. Mas não deixa de alertar que certos valores transhumanistas são compatíveis com formas não-fundamentalistas de religião: ideais de evolução e melhoria pessoal os aproximam, portanto.

A ideia, diz o pesquisador, é avançar as ideias humanistas, seguir sua tradição de progresso racional, de ignorar todas as fronteiras artificiais, e através dessa lógica ultrapassar o humano, se tornar algo mais do que a forma humana constituída desde a modernidade. Trata-se da noção de melhoria da vida de todos, da pretensão de melhoria universal. More situa o transhumanismo como herdeiro direto do projeto iluminista, com seus supostos desafios a todas as crenças ortodoxas, e com sua paradoxal ideia fixa de melhoramento e precisão, aperfeiçoamento ilimitado, e sua atualização esclarecida da moral transcendente e ajuizadora:

Por que não podemos fazer melhor? E defender isso não só para melhorar a sociedade, não só para melhorar a educação, mas fazendo também perguntas

fundamentais como: „Por que não podemos melhorar a biologia humana? Por que

não podemos mudar nosso genoma? Só porque as coisas são do jeito que são não significa que elas sejam tão boas quanto podem ser. Por que nós envelhecemos e morremos? Por que não podemos fazer algo quanto a isso? Portanto, para mim, o transhumanismo é o sucessor natural ao humanismo, no sentido positivo. (MORE, 2011b).

A todo esse entusiasmo filiativo progressista, racionalista, iluminista, civilizatório, humanista de More, o ensaísta alemão Robert Kurz (1997, p. 191) irá contrapor-se ao sustentar que o mundo moderno e sua chamada evolução técnica e científica não pode se considerar superior e atribuir às sociedades antigas e pré-modernas a pecha de irracionais. Kurz defende que tais sociedades possuem uma relação singular com a natureza, de interação e produção de artefatos e conhecimentos valiosos até hoje. Enquanto isso, a sociedade moderna, que se arroga por sua razão iluminada, com seu modo de produção capitalista acaba por destruir “seus próprios fundamentos naturais de vida”. Diz ainda que tal modernidade é

que abre mão do pensamento, ao produzir uma cisão com as paixões, com as experiências sensíveis, em favor de uma racionalidade abstrata autonomizada, que age apenas como mediação à finalidade economicista, que vai tomando por inteiro tanto o humano como a natureza não humana através dos “ditames da moeda, que, por sua vez, não tem procedência racional, mas mágica”. (KURZ, 1997, p. 192). A razão, as ciências e a técnica aparecem aqui como algo instrumental a serviço do econômico como esfera separada que vai ganhando aspectos mágicos, fetichistas. É isso que vem ocorrendo em grande parte com o uso tecnocientífico proposto pelos transhumanistas. Como herança moderna das ciências naturais, do século XIX, os cientistas e tecnólogos transhumanos objetificam a natureza e o humano, e traduzem problemas relativos às relações sociais reduzindo-os ao campo da biologia (a genética como fundamento).

Toda uma outra problemática aparece daí, qual seja, o da concorrência típica das relações sociais capitalísticas ganham uma interpretação biologizante cientificista, competição naturalizada, com efeitos perniciosos quando tratados sob a égide das noções de eugenismo.102 No final do século XIX, dirá Kurz (1997, p. 193), surge a chamada “higiene social” ou eugenia, que sugeria a transferência hereditária de características sociais. Certos grupos foram considerados inaptos à reprodução por seu perfil tido como socialmente inferior, enquanto outros saudados como belos, fortes, vitoriosos e de herança saudável. Mesmo entre as chamadas classes trabalhadoras, tal era a divisão entre o proletariado branco e forte para erguer uma nação e o lumpemproletariado considerado de baixo nível a ser higienizado. Mulheres, criminosos, maltrapilhos, incapazes, etc., todos esses grupos sociais foram considerados inferiores por supostas desqualificações naturais.

Hoje – após todo o processo de eugenia que gerou durante a segunda guerra mundial o massacre de milhares de pessoas nos campos de concentração e extermínio, sob o comando do Estado nazista alemão, com a colaboração de empresários, artistas, cientistas, etc., e depois de algumas décadas o biologismo social ficar relegado ao “mundo inferior” (escondido) – parece retornar sob a proteção do manto sagrado tecnocientífico ideias de melhoramento, não claramente racistas ou sob o comando direto de um Estado, mas pela sedução de ultrapassamento da condição biológica e pretensamente frágil do humano. A estratégia agora não é eliminar esse ou aquele grupo social tido como inferior, mas oferecer serviços de

102No século XIX, o diplomata francês, conde de Gobineau criou o conceito de “raças” e elaborou a teoria das

desigualdades naturais entre os humanos, o que serviu de legitimação pseudocientífica para o colonialismo europeu, cujo efeito foi fundamentar a pretensa superioridade da “raça branca” sobre as chamadas “raças de

cor”. Segundo Kurz, logo após a “descoberta” da história da evolução biológica por Darwin, sua teoria da

seleção natural e luta pela vida foi transferida para a sociedade humana. Esse darwinismo social manteve um vínculo perverso com a lógica de mercado. Cf. KURZ, 1997.

aperfeiçoamento pela produção de demandas sob o discurso por vezes persuasivo e por outras, amedrontador, e mais frequentemente, ambas as táticas de publicidade. Oferece-se e se busca garantias de sucesso no mercado tanto mais competitivo e estreito do capitalismo “criativo”, onde se exige dinamismo, inteligência, polivalência, eficiência, beleza, saúde, virtude moral, etc. Cada um se faz, sob a captura do desejo, pelo medo e pelo marketing um candidato à cliente das seleções genéticas, em especial pais preocupados com o futuro de seus filhos. Como bem indagou Max More, nessas já citadas linhas: “Por que não podemos melhorar a biologia humana? Por que não podemos mudar nosso genoma?” (MORE, 2011b).

Embora as ambições de More e dos transhumanistas sejam menos moderadas – pois visam à transmutação mesma do código genético de cada um de modo a melhorar desempenhos e aperfeiçoar performances – um serviço de escolha de gametas já é oferecido há algumas décadas103 sob o modelo de uma nova eugenia. De acordo com Lee M. Silver (2001, p. 168), professor de biologia molecular e biologia evolutiva da Universidade de Princeton, muitos médicos norte-americanos vêm fazendo eles mesmos há anos a escolha seletiva de doadores de espermas e óvulos segundo o critério de superioridade de inteligência, beleza e “personalidade agradável”, e descartando todos aqueles que apresentassem algum traço de desvio de personalidade ou problemas de saúde. Segundo Silver: “Em tempos mais recentes, os médicos examinam a história dos doadores em potencial e realizam exames físicos completos para excluir aqueles que podem ter genes doentes ou algum tipo de problema físico ou mental mais sutil.” (SILVER, 2001, p. 168). Mais de um milhão de pessoas haviam nascido com herança genética combinada até a edição do livro de Silver, e como diz o autor, a inseminação por doação nos Estados Unidos se tornou um novo meio de eugenia, pelo deslocamento genético de alguns milhares de seres humanos (visando melhorar suas performances) da “distribuição presente na população em geral”.

Silver não vê problema algum nesse tipo de eugenia, a considera progressista, tanto mais agora que a escolha dos doadores é feita em geral pelos próprios pais, já que o serviço se expandiu e se transformou num mercado que oferece até mesmo catálogos disponibilizados por bancos de esperma competindo por seus negócios nos Estados Unidos.104 O que deve ser

103 Segundo Lee M. Silver: “A tendência de formação de um mercado consumidor começou com o estabelecimento, em 1979, de um banco de esperma chamado „The Repository for Germinal Choice‟

(Repositório para Escolha Germinal), fundado por um optometrista aposentado de setenta e cinco anos de idade chamado Robert Grahan, (...), visava originalmente aceitar doações de esperma apenas de ganhadores do Prêmio Nobel, e fornecer amostras apenas para mulheres bem-casadas com QI acima de 140.” (SILVER, 2001, p. 169).

104 Silver (2001, p. 169) argumenta que, distintamente das políticas genéticas organizadas e impostas por

governos, que causaram danos sociais perversos como os genocídios, essa nova eugenia por inseminação por meio de doador não restringe liberdades reprodutivas individuais, ao contrário, as favorece. Além disso, diz que as crianças nascidas sob esse método são beneficiadas, pois têm estatisticamente menos chances de nascerem

problematizado tanto aí nesse cruzamento de supostos superdotados genéticos, quanto entre a proposta de reprogramação genética transhumanista é, sobretudo, o reducionismo à centralidade dos genes na determinação existencial de cada um, dando ao gene uma importância de caráter metafísico ou divino, que dá ao processo ontológico de cada um o estatuto místico de essência interiorizada, negligenciando aspectos sociais, afetivos, pedagógicos, desejantes, inventivos, isto é, todo o fora da pessoalidade de cada único. Esse era um problema concernente a Deleuze e Guattari, não permitir o atolamento em alguma dimensão de interioridade, seja da fala, seja do sujeito, seja do organismo, e aqui no caso transhumanista, seja na restrição aos genes ou à outra dimensão que nos separe do fora imanente, como é o caso também dos supostos melhoramentos centrados nas conexões cerebrais, pois toda essa interiorização serve apenas como controle epistêmico-existencial, “dos afectos, das circunstâncias e até do acaso”. (DELEUZE; GUATTARI, 1997b, p. 48). A isso, os filósofos franceses propõem uma “força sempre exterior” que quebra com toda a imagem do pensamento, seu modelo e suas cópias, suas reproduções sociais estatais e/ou monetárias, dando ao pensamento sua insubordinação ao verdadeiro, ao justo ou ao direito, abrindo-o aos revezamentos, ao que é minoritário e não possui finalidade de aperfeiçoamento ou de fundamentos interiores naturais, biológicos ou outro qualquer.105

Ora, ao produzir uma unidade de sentido à vida de cada um, tais iniciativas melhoradoras produzem ou reforçam ainda o desejo da concorrência, com efeitos de individualização, de fechamento sobre si mesmo e apatia política,106 ou seja, servem de

com alguma doença, devido à seleção do “bom” doador. Os pais também ficam satisfeitos conforme argumenta o autor, já que querem sim ter um filho em condições especiais em relação às demais crianças geradas pelo método convencional. A noção de concorrência e excepcionalidade no capitalismo vai moldando o desejo de pais que buscam em seus filhos seres melhorados rumo ao sucesso hegemônico exigido, e que encontram na tecnologia e ciência genética o meio quase místico de realizar tal maravilha, negligenciando todos os aspectos sociais, culturais, etc. de composição de uma vida, reduzindo-a a simples fatores biológicos tecnificados, mas que dão bastante lucro aos envolvidos na oferta de tais serviços, vida mercantilizada, negociada. Silver chega a citar comentários feitos em 1994 por pais satisfeitos com tal método de seleção genética de doadores: “...queríamos um bebê saudável. Mas também queríamos um bebê especial, alguém que se saísse bem, alguém que fizesse sucesso... Todo pai não quer isso? Todo mundo não quer que seu filho seja mais inteligente do que os outros?” (SILVER, 2001, p. 171).

105 Para se situar em relação à exterioridade do pensamento, cf. DELEUZE; GUATTARI, 1997b.

106 A nota não diz respeito exclusivamente ao processo de melhoramento genético, mas a todo o complexo

sistema que envolve também esse aperfeiçoamento, ao complexo da produção capitalista e todo o aparato tecnológico que o suporta. Na Itália dos anos de 1970, ao ser indagado sobre os jovens contestadores de sua época e se eles estavam conseguindo algo de potente em sua recusa à uniformidade tecnológica imposta pelo

capitalismo de então, o cineasta e escritor Pier Paolo Pasolini declarou: “Verbalmente. Em palavras, sim, a

juventude recusa com efeito esta estandardização do homem. Mas em substância, assim que os jovens contestadores abandonam a cultura para optar pela ação e pelo utilitarismo, eles se resignam à situação na qual o sistema trabalha para inseri-los. Aí está o fundo do problema: eles utilizam contra o neocapitalismo armas que levam na realidade sua marca de fábrica que estão destinadas a reforçar, justamente, sua própria hegemonia. Eles acreditam quebrar o círculo e não fazem mais que reforça-lo”. (PASOLINI, 1983, p. 78). É possível tomar essa fala de Pasolini para o contexto atual do capitalismo hiperconectado, não como mera adaptação e transferência,

ferramenta à continuidade das modelações subjetivas do capitalismo empreendedor. Tais programas são de saída, desleais, moralizantes, uniformizadores das condutas, uma camisa- de-força que vai convocando cada um à adesão, pelo menos enquanto promessa e necessidade de sobrevivência, sem questionar o núcleo gerador de tais exigências, as condições econômicas, sociais, psíquicas, existenciais que visam especialmente apagar os traços da imanência, hoje mais do que nunca pela argamassa do trabalho, do entretenimento, da cidade- sucata, das confusões psíquicas, da pressa, das mídias, do fetiche tecnocientífico, tudo em nome do novo capitalismo trans-pós-humanista.

mas como mote para se pensar não a resistência no mundo todo, mas pelo menos algo do que vem ocorrendo no Brasil e suas esquerdas políticas, já que a direita vem demonstrando seu caráter fascista explícito, ou como é de sua natureza, seu liberalismo conservador do capitalismo hegemônico com um mínimo de Estado (variações disso existem, mas não é ocaso aqui de se deter nisso). Mas as esquerdas em geral, em especial partidárias, sindicais, movimentos estudantis, etc., talvez, e, sobretudo, por seu excesso de mobilização, de ação frenética (reação, ressentimento) parecem demonstrar justo o que Pasolini anunciava em sua fala e em outras entrevistas

que concedeu, um total desprezo pela “cultura”, pela complexidade, pelo pensamento, pelo demorar-se em um problema, e fazem até coro de vaidade de sua ignorância, com a justificativa de o que é preciso é “ir às ruas”, “mobilizar-se”, “agir”, com gritos de palavra de ordem, slogans arrebanhadores, e muita perseguição a tudo o aquilo que “não os representa”, com a prática do juízo e do policiamento em relação àqueles que são seus “inimigos”, declarados ou não, e mesmo àqueles que acusam “estar em cima do muro”, que não estão “fazendo nada”, quando estes são justamente os que estão buscando, com paciência, e não submissão ou obediência, escapar à onda, ao conservadorismo e ao “dentro” tanto da direita quanto da esquerda, com seus meros pedidos

de reformas, de direitos, de melhorias do Estado e do capitalismo. Os militantes da esquerda enquanto simples pedintes, moderados em seus desejos, pouco ou nada afinam em sua inventividade, pois só enxergam o mundo dividido em dois lados, e marcham obedientes às solicitações dos poderes que dizem combater, são cúmplices

senão ingênuos, mas acanalhados pelo modo de vida capitalístico que os tomou, não em sua “consciência”, pois se declaram “contra”, mas em seu corpo, em seus desejos, em suas sutilizas, e não se apercebem que quanto mais se “conectam” nas redes, nas universidades, nas ruas (nos currais que a polícia as restringe e que aceitam de bom

grado), menos se envolvem na potência transbordante dos afetos da revolta libertária, mais vaidosos e individualistas se fazem em suas intrigas banais e sua uniformidade subjetiva crescente, que só responde aos movimentos do status quo. Todas as ferramentas tecnológicas, em especial, as mídias, e mais fundamentalmente as redes sociais, vem cumprindo um papel fundamental nesse tipo de subjetivação mobilizadora, apressada, histérica, ao produzir cotidianamente fatos tidos como urgentes, as pautas a serem respondidas imediatamente, num processo que reduz toda ação a um programa sensório-motor reativo, sem espaço algum para a reflexão crítica e a invenção de maneiras inéditas de existir, onde cada um acaba por exercer certo poderzinho, a mimetizar aquilo que diz opor-se. Félix Guattari também se posicionou criticamente em relação ao militantismo profissional comparando-o ao papel exercido pelo psicanalista: enquanto este se arvorava em especialista do inconsciente, em seu intérprete e detetive, os militantes profissionais se conduziam como a boa consciência da classe trabalhadora, especialistas da revolução do futuro. Cf. GUATTARI, 1988. Hoje poderíamos dizer que nem em revolução as esquerdas falam mais, ou o falam de forma bastante vaga, mantêm-se como meros reformadores em busca das cadeiras confortáveis do Parlamento e dos direitos domesticadores da potência de invenção de outros modos de vida que não se reduzam às relações mercantis e de Estado. Mas ainda se postam como os bons

representantes e condutores do povo (mistura terrível de infantilização e egolatria), as “belas almas” como os melhores pretendentes (os “eleitos”) a gerir o moribundo mundo capitalista e seus fascismos de todas as cores e

lados, seus melhoramentos do humano tecnocrático e legalista, e nada de invenções de outras subjetivações ao lado, de máquinas de guerra, maquinismos-outros, “não certamente no quadro das relações sociais capitalistas!” (GUATTARI, 1988, p. 187). Para entender com mais detalhes a crítica de Guattari aos grupos militantes profissionais e grupos ensimesmados e obedientes ao Estado e ao Capital, com suas intrigas e exercícios de poder cotidianos, e também verificar as sugestões do autor de linhas de fuga e criação de resistências por

grupelhos multiplicados que viriam a quebrar as instituições oficiais capitalistas, na composição de “um

gigantesmo rizoma de revoluções moleculares que proliferem a partir de uma multidão de mudanças mutantes: tornar-se mulher, tornar-se criança, tornar-se velho, tornar-se animal, planta, cosmos, tornar-se invisível...”

É assim que, segundo More (2011b), um verdadeiro aperfeiçoamento físico ou cognitivo não é simplesmente a substituição equivalente de algo que deu “defeito” em nosso organismo (um implante de cóclea ou uma nova válvula do coração), mas significa a