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CAPÍTULO 2. AÇÃO DO ESTADO PARA A FORMAÇÃO E OCUPAÇÃO DA

2.3 AUDIÊNCIA PÚBLICA: SITUAÇÃO FUNDIÁRIA DO DISTRITO

Com a divulgação, em janeiro de 2004, do relatório da CPI dos Conflitos Fundiários na imprensa local, sobre as denúncias de invasão e de grilagem de terras públicas em Unidades de Conservação55 (UCs), áreas institucionais de Preservação Permanente56 (APP) e de Reservas Florestais Legais57 (RFL), onde não é permitido o corte da madeira, somado às irregulares concessões de declarações de posses utilizadas no licenciamento de planos de manejo, intensificou-se a fiscalização na zona em litígio com a instalação periódica de barreiras policiais nas estradas, inclusive em União Bandeirante. O objetivo era a manutenção dos recursos naturais da Flona Bom Futuro, Resex Jaci Paraná e Terra Indígena Karipuna,

55 Espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais

relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção. As reservas biológicas e ecológicas embora caracterizadas por ecossistemas, frágeis, podem ser abertas para pesquisa científica. Já as APAS têm por objetivo evitar a destruição dos recursos naturais, permitem atividades econômicas compatíveis e não requerem desapropriação. (Lei 9.985/2000, art.2º, I, regulamentada pelo Dec. 4.340, de 22/08/2002). (MILARÉ, 2005, p. 1101).

56Área protegida nos termos dos arts. 1º, 2º e 3º da Lei 4.771/65 (Código Florestal), com redação determinada

pela Medida Provisória 2.166-67/2001), [ordenamento vigente à época da propositura da ação civil pública,

2004] coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a

paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.

NB. O Código Florestal, Lei nº 4.771/65 e a Medida Provisória nº 2166-67, de 24 de agosto de 2001, foram revogados pela Lei nº 12.651/2012.

57 Área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente,

necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação da biodiversidade e ao abrigo de proteção de fauna e flora nativas (Lei 4.771/65, art.1º, § 2°, III, com redação determinada pela Medida Provisória 2.166-67/2001), ordenamento vigente à época da propositura

da ação civil pública, 2004. O Código Florestal, Lei nº 4.771/65 e a Medida Provisória nº 2166-67, de 24 de

todas invadidas, reclamando ação enérgica do Estado.

Como medida acautelatória e corretiva dos danos ambientais decretou-se o fechamento de duas dezenas de serrarias em funcionamento em União Bandeirante com a apreensão de maquinários e equipamentos. Com o fechamento das serrarias pelos órgãos ambientais (IBAMA e SEDAM) decretou-se, igualmente, o fim do emprego no núcleo urbano, fazendo com que os desempregados do setor madeireiro (maior empregador) retornassem aos seus lotes rurais para dali retirarem o sustento de suas famílias.

Os moradores ameaçados de despejo, completamente desassistidos pelos órgãos públicos, se organizaram socialmente e promoveram inúmeras mobilizações sociais a partir de 2002. Batiam-se pela regularização da posse da terra e sua titulação, políticas públicas, infraestrutura rural e urbana, abertura de estradas e de acessos vicinais, serviços de saúde, escola, transporte escolar, segurança pública, comunicação, telefonia, energia elétrica, água encanada, enfim, tudo.

Sem eco em suas reivindicações, o povo se organizou em torno de suas lideranças comunitárias, associações, comércio, madeireiros, sindicatos, CPT, federação de trabalhadores rurais, políticos, etc. nas “linhas”58, nas igrejas e na agrovila. Na pauta das reivindicações, sempre em primeiro lugar, a modificação do ZSEE para permitir não só o extrativismo, como já era permitido, mas, também, a agricultura, a pecuária, a regularização fundiária e a aprovação dos planos de manejo florestais em toda a região do conflito. Bateram, então, às portas das gerências dos órgãos ambientais e fundiários, concessionários de energia elétrica, água, transporte e telefonia para reivindicarem para a região em conflito — Buritis, Nova Mamoré e Porto Velho (RO) —, infraestrutura e melhoramentos tão necessários à vida em sociedade. Foram atrás da Imprensa e dos políticos como estratégia e, para chamar a atenção das autoridades, organizaram marchas e passeatas e ocuparam várias vezes a sede do INCRA, em Porto Velho (RO), exigindo soluções para os seus infindáveis problemas.

Numa dessas habituais manifestações, acampados há mais de cinco dias na sede do INCRA, foram todos, em marcha, até a Assembleia Legislativa do Estado, reivindicar mudanças na lei do ZSEE, aplicável à zona 2.1 de União Bandeirante. Como resultado prático da mobilização, eles conseguiram sensibilizar a classe política, com a designação na mesma semana de uma audiência pública no Poder Legislativo estadual. Ao ato compareceram mais de trezentos moradores, acompanhado das lideranças da vila União Bandeirante. Em plenário,

discorreram sobre a completa desorganização e falta de entrosamento e de interesse do Estado e a ausência de políticas públicas na região, desfiando suas dificuldades e reivindicações. Instalada a audiência, sob a Presidência do Deputado Chico Paraíba (PMDB), o relator da CPI, Deputado Buriti (PDT), prestou contas dos trabalhos da Comissão Parlamentar, deu a conhecer seu relatório e expôs à Mesa e aos presentes o sofrimento de milhares de pessoas que, na última tentativa de vida, foram ocupar áreas de preservação ambiental, ou terras da União, como Rio Pardo, Jacinópolis e União Bandeirante, “muitas delas usadas como massa de manobra por pessoas de má fé” (RONDÔNIA. Poder Legislativo, 2004).

O parlamentar encaminhou proposição de regularização de União Bandeirante, pois, segundo ele mesmo constatou que o povoado contava, em 2003, com uma população aproximada de dez mil pessoas e “[...] um comércio razoável, mais de meia dúzia de farmácias, escritórios de contabilidade, escolas, [...] cerca de vinte a vinte e uma madeireiras que empregam centenas de trabalhadores [...]” (RONDÔNIA. Poder Legislativo, 2004).

O Deputado Edésio Martelli (PT), Presidente da CPI, destacou o trabalho das lideranças de União Bandeirante, dentre elas Itamar Lopes, da Associação dos Produtores, Aparecido e Ari, da Igreja Católica, Vilmar de Souza, da Assembleia de Deus, Juscelino Marques e Lírio, respectivamente, representantes do setor madeireiro e comercial; Luiz Neri, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e outros. Propôs uma “Carta de Intenção e Compromisso”, (Cf. Anexo V), que foi assinada pelos parlamentares e representantes dos órgãos federal, estadual, municipais e Ministério Público, comprometendo-se todos darem continuidade aos serviços de infraestrutura iniciado pela Prefeitura de Porto Velho (RO), também ameaçado de interrupção.

O presidente da CPI reconheceu o abandono da região e debitou a responsabilidade mútua aos governos Federal e Estadual, que deixaram de fiscalizar, permitindo e incentivando a ocupação (RONDÔNIA. Poder Legislativo, 2004).

O Prefeito de Porto Velho (RO), Carlinhos Camurça, destacou as agruras das famílias de União Bandeirante no enfrentamento de todos os tipos de doenças e adversidades da vida. Lá estão — diz ele — para produzir, crescer e desenvolver o município de Porto Velho (RO). A “situação de União Bandeirante é irreversível”. Não se pode imaginar tirar a população que lá está. São pessoas que deram a sua vida e a sua alma para chegarem lá. Não podem ser ignoradas.

Revelou, ainda, o prefeito não poder assumir unicamente a responsabilidade pela regularização da área urbana e implantação de toda a infraestrutura indispensável à

comunidade. Não foi o município que incentivou ou levou os ocupantes para a área, pois “quando nós descobrimos já havia mais de três mil famílias naquela comunidade e nós sabemos também que muitas dessas famílias foram usadas [...] enganadas por pessoas de mau caráter, que chegaram e venderam uma coisa que não existia e hoje o problema está ai...” (RONDÔNIA. Poder Legislativo, 2004).

Para registro histórico destacamos que o município de Porto Velho foi o único órgão a levar serviços de infraestrutura para União Bandeirante. Em 2004, já havia instalado a única escola de ensino fundamental e um “postinho” de saúde para coleta de material e de tratamento de malária.

Quanto à pré-falada desintrusão que martelava diuturnamente o imaginário das pessoas, o Superintendente do IBAMA, Osvaldo Pittaluga, também entendeu impossível a retirada da população de União Bandeirante. A região, diz ele, é definida como zona 2.1 do ZSEE e nessa condição a principal atividade deve ser a do manejo florestal sustentável, sendo proibido o desmatamento para fazer pastagem e agropecuária. O local é ideal à concepção de projeto agroecológico, pelo INCRA, para dar sustentabilidade a médio e longo prazos e fazer de Rondônia modelo da Amazônia. Certo é que o projeto agroecológico recomendado pelo IBAMA e concebido pelo INCRA como novo modelo de assentamento de reforma agrária em razão das características do ZSEE, aplicáveis à GJTO, nunca saiu do papel. Ficou só na promessa, como já mencionado. Daí a sua ocupação.

2.4 A PRIMEIRA AÇÃO INTERVENTIVA DO ESTADO: JUSTIÇA FEDERAL, SEÇÃO