• Nenhum resultado encontrado

3.6 JORNALISMO NA TELEVISÃO 89

3.6.2 Audiência Presumida 94

Ao longo desse capítulo, vimos que a televisão estabelece uma relação com o seu público a partir de várias estratégias, como a imagem, o som e a programação. São esses elementos que juntos irão informar e, consequentemente, conquistar o público, também chamado de audiência. A maior quantidade de telespectadores representa também uma vantagem econômica para as emissoras no mercado publicitário. Isso justifica, por exemplo, a briga por pontos de audiência na pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE), pioneiro no Brasil a realizar este tipo de amostragem. A medição da audiência da empresa é feita nas residências a partir da instalação de um aparelho chamado de

people-meter, que registra, automaticamente, quando o televisor é ligado e em qual o canal

está sintonizado. A partir destes dados será possível identificar a quantidade e o perfil (classe, idade e sexo) de pessoas que estão assistindo à TV.

Assim como a audiência é importante, também os jornalistas são indispensáveis nesse processo. Como já tratamos nessa dissertação, cabe a estes profissionais a função de informar os leitores, ouvintes, telespectadores e internautas, considerando apenas as mídias mais

  tradicionais. Para Wolton (2011, p. 71) o papel desse profissional é indispensável na sociedade, uma vez que segundo o autor, “não há informação-notícia sem jornalistas para produzí-las e, principalmente, para dar-lhes legitimidade”. Ao assinar uma matéria o jornalista está legitimando uma informação que foi construída por ele.

Considerando essa hipótese trazemos para esse estudo, para ajudar a analisar nosso objeto, o conceito de audiência presumida:

Os jornalistas constroem antecipadamente a audiência a partir da cultura profissional, da organização do trabalho, dos processos produtivos, dos códigos particulares (as regras de redação), da língua e das regras do campo das linguagens para, no trabalho da enunciação, produzirem discursos. E o trabalho dos profissionais do jornalismo realizam, ao operar sobre os vários discursos, resulta em construções que, no jargão jornalístico, podem ser chamadas de notícias (VIZEU, 2005).

A grosso modo, na visão do autor, o público tem implicação direta na produção da notícia. Segundo Vizeu, o jornalista ao produzir a informação estará se valendo de uma ideia intuitiva que tem dos seus telespectadores, pois mesmo com as pesquisas cada vez mais sofisticadas para tentar mapear o perfil de quem assiste televisão, o público ainda é um desconhecido. Será com base no senso comum que ele vai redigir, editar e apresentar essa notícia. Como o próprio autor da hipótese define, a relação entre a produção e a audiência torna-se cada vez mais embricada. Uma relação que, de acordo com Alsina (2009), só pode se estabelecer através de um contrato de confiança. Para o autor, se o objetivo principal da notícia é “fazer saber”, então, “a mídia nos propõe um contrato pragmático fiduciário que tem a intenção de que acreditemos que o que eles dizem é verdade, ao mesmo tempo em que nos pedem que confiemos no seu discurso informativo” (ALSINA, 2009, p. 48). Dominique Wolton (1996, p. 06) apresenta essa mesma ideia a partir de um outro ponto de vista quando manifesta que “[...] o público sabe assistir às imagens que recebe. Não é jamais passivo. Nem neutro. O público filtra as imagens em função dos seus valores, ideologias, lembranças, conhecimentos. Em poucas palavras, o público é inteligente”.

Cabe ressaltar que o corpus dessa pesquisa será estudado a partir do referencial metodológico da análise de conteúdo de Bardin (2011) e não pela análise do discurso que é a base da teoria da audiência presumida de Vizeu (2005). No trabalho realizado por ele, os vínculos de cumplicidade estabelecidos entre o emissor e o receptor são mais perceptíveis quando se interpreta o discurso. Para que esse contrato de comunicação seja efetivo, são usadas manobras enunciativas de atualidade, objetividade, interpelação, leitura e didática.

  Segundo Vizeu (2005), os jornalistas tem uma preocupação didática em relação à audiência, querendo sempre apresentar a informação de uma forma simples para que o público a entenda. Conforme o autor o telespectador é tratado como uma caixa-vazia.

O processo de “fabricação” da audiência ocorre no momento que o jornalista formata os textos jornalísticos, usando para isso, além da ideia intuitiva do público, valores-notícia que considera mais vinculados com a ideia que ele tem dos telespectadores.

De forma geral, para essa pesquisa nos apropriaremos do conceito de Vizeu (2005, p. 69) que afirma que “a televisão fabrica sua audiência, assim como fabrica os noticiários”. Também não podemos desconhecer o fato de que a abertura de canais de diálogo pelas emissoras tem, cada vez mais, permitido que a audiência tenha uma participação efetiva no processo da produção das notícias.

 

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A primeira referência que se tem ao método conhecido como análise de conteúdo (AC) é de 1927, com um trabalho de textos midiáticos realizado por Harold Lasswell45. A técnica foi depois desenvolvida nos Estados Unidos, na década de 40, a partir de estudos de jornais pela Escola de Jornalismo de Columbia. A demanda partiu do governo americano que tinha interesse em descobrir as orientações políticas dos países estrangeiros através de publicações jornalísticas e de conteúdos veiculados no rádio, temendo que esses veículos estivessem divulgando propaganda subversiva. Os procedimentos metodológicos de análise seguiam a definição da AC elaborada por Berelson46, que preconizava a descrição do objeto, a sistematização e a quantificação do conteúdo.

Mais adiante, em 1977, Lawrence Bardin dá um novo significado para a AC ao considerá-la como um conjunto de técnicas de análise das comunicações. Segundo Bardin (2011, p. 37), “não se trata de um instrumento, mas de um leque de apetrechos; ou, com maior rigor, será um único instrumento, mas marcado por uma grande disparidade de formas e adaptável a um campo de aplicação muito vasto: as comunicações”.

Se num primeiro momento a análise era baseada na percepção quantitativa, na qual o mais importante era a frequência com que se identificava algumas características no texto, com a análise qualitativa passamos a observar outros aspectos. Nesse modelo a presença ou ausência de determinado conteúdo, assim como um conjunto de características num específico fragmento de mensagem passaram a ser considerados objetos de análise.

Na sua evolução, a análise de conteúdo tem oscilado entre o rigor da suposta objetividade dos números e a fecundidade sempre questionada da subjetividade. Entretanto, ao longo do tempo, tem sido cada vez mais valorizadas as abordagens qualitativas, utilizando especialmente a indução e a intuição como estratégias para atingir níveis de compreensão mais aprofundados dos fenômenos que se propõe a investigar (MORAES, 1998, p. 9).

Para Bardin (2011) a AC se reinventa a cada minuto. Segundo a autora, trata-se de um método bastante empírico que se dedica a uma interpretação a partir do estabelecimento de um objetivo. “Não existe coisa pronta em análise de conteúdo, mas somente algumas regras

45

No livro de Harold Lasswell, “Propaganda Technique in the World War”, o autor fazia análises de imprensa e de propaganda desde meados de 1915. (N.A.).

46 As primeiras publicações sobre AC foram publicadas, em 1948, por B. Berelson e P. F. Lazarsfeld, sob o título de The analysis of communications contents. O trabalho foi elaborado numa parceria das Universidades de Chicago e Columbia, nos Estados Unidos. Em 1952, B. Berelson publicou Content analysis in communication

  de base” (BARDIN, 2011, p. 36). O campo de aplicação da análise de conteúdo é bastante vasto. O método é utilizado em diversas áreas do conhecimento como a psicologia, sociologia e a linguística, no entanto, é na comunicação social que tem sido mais utilizado. Segundo Bardin (2011, p. 38), “qualquer comunicação, isto é, qualquer veículo de significados de um emissor para um receptor, controlado ou não por este, deveria poder ser escrito, decifrado pelas técnicas de análise de conteúdo”. Ou, como dizem Henry e Moscovici (apud BARDIN, 2011, p. 38), “tudo o que é dito ou escrito é suscetível de ser submetido a uma análise de conteúdo”.

Para Moraes (1998), a análise de conteúdo é uma interpretação pessoal do pesquisador em relação aos dados. Segundo o autor não existe uma leitura neutra, toda ela se constitui numa interpretação. Quando aplicada à comunicação, Moraes (1998, p. 12) acredita que a análise de conteúdo é simbólica e por isso todo o contexto precisa ser considerado: “além do conteúdo explícito, o autor, o destinatário e as formas de codificação e de transmissão da mensagem”.

Bardin (2011) entende que a análise de conteúdo se organiza em três polos cronológicos: a pré-análise; a exploração do material e o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.

O programa Globo Rural Diário (GRD) será analisado nessa pesquisa, a partir do processo metodológico sistematizado por Bardin (2011). Como já foi referido anteriormente, a etapa da pré-análise é uma das mais importantes. É nela que ocorre a seleção e a organização do material que será estudado nessa pesquisa. Para Bardin (2011, p. 125), esse é o momento para “intuições, mas tem por objetivo tornar operacionais e sistematizar as ideias iniciais, de maneira a conduzir a um esquema preciso do desenvolvimento das operações sucessivas, num plano de análise”.

A maneira de estabelecer um primeiro contato com os documentos que serão analisados é a partir do que Bardin (2011) chama de uma “leitura flutuante”, que consiste na observação do material, podendo levar em conta as intuições e suposições. Há quem diga que é um “brainstorm”47 da pesquisa. À medida que avançamos nessa leitura, conseguimos ter uma visão mais precisa de nosso estudo e estamos prontos para formular hipóteses e teorias que começam a emergir do próprio material. É nessa hora que definimos o corpus, que será

47 Brainstorm é uma expressão da língua inglesa que traduzida para o português significa “tempestade cerebral”. O método foi criado nos Estados Unidos, pelo publicitário Alex Osborn e foi usado para testar e explorar a capacidade criativa. (N.A.).

  constituído a partir dos documentos escolhidos para submeter à análise. Nesse processo, faz- se necessário considerar algumas escolhas, seleções e regras.

A primeira regra é a da exaustividade, definindo que nenhum elemento pode ser deixado de fora da pesquisa. A segunda é a da representatividade, que considera a possibilidade de uma amostragem, desde que essa amostra seja uma parte representativa do universo. A terceira regra é a da homogeneidade, ou seja, os documentos devem obedecer critérios precisos de escolha. A quarta regra é a da pertinência significando que os documentos para o estudo devem estar adequados aos objetivos que se pretende.

Para efeito de constituição do corpus dessa dissertação, após a leitura flutuante, proposta por Bardin (2011), selecionamos oito programas GRD da Rede Globo, veiculados entre os dias 07 e 30 de julho de 2014. As edições que integram o objeto dessa pesquisa foram as veiculadas às segundas e quartas-feiras (07/07/2014, 09/07/2014, 14/07/2014, 16/07/2014, 21/07/2014, 23/07/2014, 28/07/2014 e 30/07/2014). A escolha do período foi feita de forma aleatória. Considerando que cada programa tem, em média, 24 minutos de produção jornalística, sem os intervalos comerciais, no total, o recorte para análise da pesquisa, ficou em 03h e12 min. É necessário esclarecer que a escolha desse período, segundas e quartas- feiras, considerou a possibilidade que houvesse alguma situação anormal no agronegócio que poderia concentrar as pautas do programa, tais como fenômenos climáticos que, toda a vez que ocorrem, ganham destaque no noticiário agropecuário.

É importante destacar, ainda, que a análise foi feita a partir do material disponível no site globo.com48, da Rede Globo. Em sua página na internet qualquer pessoa tem acesso gratuito aos programas apresentados no período de 30 dias. Caso a pesquisa seja anterior a esse prazo, é necessário fazer um cadastro e ter uma assinatura paga do provedor. Foi dessa forma que este pesquisador conseguiu trabalhar com vídeos postados há mais de um mês na página do programa.

Para entender um pouco das estratégias do programa, foi feita uma solicitação formal ao Globo Universidade49, setor da Rede Globo responsável por assuntos de pesquisas acadêmicas, de entrevistas com a equipe do programa. Com a autorização foi possível fazer perguntas, por e-mail, ao editor-chefe do GRD, Humberto Pereira e ao chefe de reportagem do programa, Lucas Battaglin50.

48 Programa Globo Rural. Disponível em: <http://globotv.globo.com/rede-globo/globo-rural/>. Acesso em: 15 ago. 2014.

49 Cópia do termo de autorização e apoio à pesquisa da Globo Universidade está no ANEXO C. 50

As entrevistas concedidas ao pesquisador pelo editor-chefe, Humberto Pereira e pelo chefe de reportagem, Lucas Battaglin estão disponíveis no ANEXO A.

  Conhecidas as regras, Bardin recomenda a formulação de hipóteses e objetivos para a pesquisa. De acordo com a autora, “uma hipótese é uma afirmação provisória que nos propomos a verificar (confirmar ou infirmar)” (BARDIN, 2011, p. 128). Já o objetivo é definido como “a finalidade geral do estudo a que nos propomos (ou que é fornecida por uma instância exterior), o quadro teórico e/ou pragmático, no qual os resultados obtidos serão utilizados” (BARDIN, 2011, p. 128).

A pesquisa parte da hipótese de que o GRD é uma atração jornalística dirigida, preferencialmente, para os agricultores familiares. Essa suposição se ampara no fato do programa ter sido criado num momento de ascensão da atividade primária no país, em especial, a pequena propriedade, que a partir do ano 2000 passou a receber um volume maior de financiamento do governo federal. A formulação dessa hipótese também se justifica pelo fato de que o agricultor familiar tem menos acesso às novas tecnologias de comunicação que os médios e grandes produtores e, por ter uma atividade primária mais diversificada, estabelece uma maior dependência em relação à TV, já que ela funciona como um suporte técnico-educativo para esse público.

O objetivo geral desta dissertação é o de investigar quais são as estratégias usadas pelo programa para atender e conquistar a audiência do agricultor familiar. Como objetivo específico, definimos a quantificação dos conteúdos identificados com os diferentes públicos categorizados por essa pesquisa, uma vez que será a partir da confirmação da relevância do segmento familiar para o GRD que poderemos analisar os artifícios usados pelo programa para se aproximar desse público.

Definidos os objetivos e as hipóteses da pesquisa, a próxima fase da pré-análise prevê a exploração sistemática dos documentos, aquilo a que já referimos anteriormente que é chamado por Bardin (2011) de leitura “flutuante” do material.