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DAS AULAS EM CAPELA AO GINÁSIO DA BAHIA: ASPECTOS DA VIDA ESTUDANTIL DE MANOEL CABRAL MACHADO

2 “DEU OS PRIMEIROS PASSOS E D’HAÍ CONTINUOU A CAMINHAR”: NAS TRILHAS DE “LINHAS FRAGMENTADAS”

3 MEMÓRIAS DOS “MESTRES DE TUDO”: ITINERÁRIOS ESTUDANTIS NAS TERRAS SERGIPANAS DA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO

3.2 DAS AULAS EM CAPELA AO GINÁSIO DA BAHIA: ASPECTOS DA VIDA ESTUDANTIL DE MANOEL CABRAL MACHADO

Abdias tem sido aureolado por todas as antigas gerações e deixou discípulos. Competente, sóbrio, basicamente um homem ético. Magro, voz rouca, queimava um cigarro permanentemente. Não perdia aula. Morreu velho, ensinando sempre, consumindo-se nas classes enquanto a inflação comia-lhe os salários magros. Aparentemente manso mas ferido, rugia como fera. Dele, recebi terrível reprimenda. Sou chamado pela primeira vez, ao quadro negro. Ditado o exercício, passo a desenvolvê-lo, explicando-o. Ao final, atrapalho- me na virgulação. O mestre corrigi-me: ‘Colocava-se vírgula à direita’. Nervoso, embaraçado, ante a nova e impaciente correção, faço a retificação, de modo áspero, riscando com o giz uma enorme vírgula. ‘Seu mal educado – disparou – não sabe respeitar o professor?!’ ... Quero reagir e justificar-me, mas os colegas acenam para calar-me. Assim, engulo a reprimenda, em silêncio. Mandou-me depois sentar. Espero uma nota baixa. Surpreendo-me com uma boa nota. Procuro, depois, o mestre para justificar-me (MACHADO, 2005b, p. 200).

A citação exposta faz parte do livro de memórias de Cabral Machado publicado em 2005 que, entre vários outros aspectos, busca retratar o seu professor de Matemática Abdias Bezerra, no ano de 1935, quando cursava a quinta série do curso fundamental no Atheneu Sergipense, logo após quatro anos de estudos no Colégio Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora.

O excerto de um texto mais amplo serve para a discussão de uma série de elementos. Um primeiro aspecto concerne ao professor Abdias Bezerra. Este ensinou todos os docentes analisados, seja no Colégio Tobias Barreto, seja no Atheneu Sergipense. Outro ponto digno de nota é que todos eles, em algum momento de suas vidas, rememoram o nome do mestre de Matemática como um dos principais colaboradores da sua formação.

século XX. Pela descrição, é possível visualizar elementos que dizem respeito ao cotidiano da sala de aula, ao método de ensino utilizado pelo antigo mestre formado nos bancos de uma escola militar e pelo próprio Atheneu Sergipense, além da forma como se relacionavam professor e aluno. Acerca das memórias sobre professores nas conclusões de seu estudo, Bontempi Júnior afirma:

Os professores com os quais conviveram são evocados emotivamente como portadores de qualificações valorosas para a docência, notadamente quando são apresentados como exemplos de conduta. Em oposição, aos maus professores são associados a experiências de violência ou constrangimento e a práticas de ensino ultrapassadas ou ineficazes, caso em que se manifesta a avaliação post festum, pelo professor formado e tarimbado do presente, das estratégias didáticas a que fora submetido como aluno (BONTEMPI JÚNIOR, 2010, p. 176 – 177).

Assim, no trato com as memórias de docentes, existem convergências, pois o que se percebe na descrição de Cabral Machado é justamente essa tentativa de mostrar dois polos, desde aqueles “portadores de qualificações valorosas”, até os “maus professores” que aparecem no caso registrado, como “terrível reprimenda” a ponto de lhe chamar de “mal educado”. O exemplo serve para ilustrar as marcas que ficaram no discente e mesmo a opinião que os seus colegas, alunos há mais tempo de Abdias, sobre não contestar o professor. As referências à voz rouca, ao corpo magro, ao uso constante do cigarro e à assiduidade do docente também merecem destaque, como também os parcos recursos que angariava um professor catedrático da renomada instituição de ensino secundário de Sergipe, o Atheneu Sergipense.

A opção realizada pelo ex-aluno Cabral Machado foi expor as suas memórias de estudante, mesmo quando diziam respeito a uma “terrível reprimenda”, tal fala faz lembrar as preleções de Michael Pollak acerca da memória. Para o autor: “Além dos acontecimentos, a memória é constituída por pessoas, personagens [...] Além dos acontecimentos e das personagens podemos finalmente arrolar os lugares. Existem lugares da memória, lugares particularmente ligados a uma lembrança” (POLLAK, 1992, p. 204).

Um desses “lugares da memória” para Cabral Machado foi o Atheneu Sergipense, onde apenas estudou um ano da sua trajetória escolar, mas voltou como professor e, constantemente, ressaltou o valor daquela instituição educacional para Sergipe. Um personagem guardado em sua memória foi seu professor de Matemática Abdias Bezerra. Esse lugar e o ator vieram à tona por meio de um acontecimento que permaneceu vivo na memória do rosarense.

entre professor e aluno. Mesmo humilhado na frente dos colegas o jovem Cabral buscou o catedrático para se justificar. O ambiente do Atheneu Sergipense também é recordado em outra obra do autor, onde se lê:

Logo depois, no Governo Eronildes de Carvalho, a direção do estabelecimento fora ocupada pelo professor Joaquim Vieira Sobral que então lecionava Desenho e Inglês. Houve com a nova direção uma mudança total. O professor Joaquim era amável e acolhedor. Tratava os alunos com cordialidade, valorando a classe estudantil. Logo no início de sua administração, dirigiu-se aos estudantes da quinta série pedindo a nossa colaboração. No Ateneu fez administração revolucionária com inovações pedagógicas ampliando os laboratórios de Ciências Físicas Naturais, criando biblioteca, apoiando o grêmio estudantil Clodomir Silva e o seu jornal A Voz Do Ateneu (MACHADO, 2008a).

Na descrição, observa-se a figura do diretor, Joaquim Sobral82, elementos da sua relação com os alunos, além das instalações que a escola contava no período que Cabral lá estudou, bem como Thetis, Silvério e Bonifácio, além do Grêmio e Jornal Estudantil do qual Bonifácio Fortes foi um dos seus integrantes. A procura de outros lugares, personagens e acontecimentos que fizeram parte da vida de Cabral Machado, como também dos outros professores estudados, permitiu desvelar alguns elementos do passado estudantil desses sujeitos. Em entrevista ao autor em 2007, Cabral tratou dos seus primeiros passos no universo da escolarização:

[...] na Capela eu comecei a estudar com minha mãe, minha mãe era também professora, como se dizia naquela época pra desasnar (risos) então eu me lembro bem desse tempo, comecei a estudar por um livro chamado “Cartilha Analítica” que é um livro horroroso, um livro de letras vermelhas e negras pra aprender silabação, então não despertava nenhum interesse, eu tinha horror a esse livro, tinha uma preguiça danada para estudar. Ao final, neste ano de vinte e cinco ou vinte e seis meu pai veio a Aracaju, e de Aracaju ele trouxe um livro novo para mim, “Cartilha Nacional”, quando eu abri o livro, o livro era colorido, com imagens de Paulo corre atrás da bola, Luci corre atrás de Paulo e Peri corre atrás de Luci e Paulo, enfim as historietas, eu aprendi gostando dos livros, eu aprendi e passei a tomar gosto pelos livros (MACHADO, 2007, s/p)83.

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Sobre a atuação do diretor Joaquim Vieira Sobral a frente do Atheneu Sergipense ler o trabalho de tese de Rodrigues (2015).

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Possivelmente as memórias do início da alfabetização de Cabral Machado fazem referência a “Cartilha Analytica” publicada em 1907 de autoria de Arnaldo Barreto, como também a “Cartilha Nacional” de Hilário Ribeiro produzida na década de 1880. Em consonância com os estudos de Schwartz, Peres e Frade (2010) acerca das cartilhas, em trabalhos futuros, pretendo problematizar a alfabetização doméstica de membros da elite sergipana no início do século XX como o caso de Manoel Cabral Machado.

da Mota Cabral, conhecido como Padre Juca, responsável pelo Colégio São José, na cidade de Capela, no interior do Estado de Sergipe. Segundo o próprio Cabral, o Padre Juca foi pessoa que o conduziu para o convívio com a literatura e que exerceu influência fundamental na sua vida 84. Sobre esse período, escreveu: “Às vezes, findas as aulas, costumava ler trechos dos seus autores preferidos: Machado de Assis, Eça de Queiroz, Alexandre Herculano, Humberto de Campos e o ‘sergipano’ Ranulfo Prata de ‘A Longa Estrada’” (MACHADO, 2005, p. 146). Tem-se indícios das primeiras práticas de leitura de Cabral Machado, que além do estímulo do tio, contava com o apoio da mãe, professora e do pai, médico, para ler romances e praticar a escrita.

Ainda segundo sua descrição, no Colégio São José estudava Português, Aritmética, História do Brasil, Ciências e rudimentos de Francês. Além do conhecimento dentro do espaço escolar, também executava peripécias próprias da idade, como por exemplo: “apiruar as meninas do Colégio Nossa Senhora Imaculada Conceição”. Sobre esse período Cabral Machado rememora: “As freiras foram apresentar reclamações ao Pe. Juca e este bonachão, lhes teria respondido: ‘Segure suas cabritas pois não vou prender os meus cabritos” (MACHADO, 2005b, p. 40). Em uma clara distinção de gênero, pois enquanto as meninas deveriam está sob o controle das freiras, os meninos não necessitavam de controle por parte do padre no tocante as “apiruadas”, como citou o próprio Manoel Cabral.

Antes disso, foi aluno da professora Adelina Vieira, apelidada por Cabral Machado de Fofô, no Colégio Santa Inês, também na cidade sergipana de Capela, no período de 1927 a 1928. Mas, em julho de 1930, deixou a cidade do interior e ingressou no Colégio Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora na capital do estado, então dirigido pelo Padre Selva85. Foi no teatrinho do Colégio Salesiano que aprendeu a perder a timidez ao enfrentar o público, pois até então era um menino introvertido (MACHADO, 2005b). Sobre a mudança para Aracaju e o início da vida no internato, Cabral rememora em entrevista:

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Segundo o próprio Cabral Machado (1997), o Padre Juca foi como ficou conhecido o Cônego José da Mota Cabral, seu tio e padrinho, vigário da cidade de Capela/SE por quase cinquenta anos. O padre fez seus estudos primários em Capela e depois seguiu para a cidade de Salvador onde estudou no Seminário Menor de Santa Tereza e depois no Seminário Maior de Ciências Eclesiásticas. Padre Juca procurou conciliar o sacerdócio com o magistério, tendo fundado juntamente com suas irmãs o Externato São José na cidade de Capela no ano de 1908 (MACHADO, 1997).

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Segundo Silva (2010), o Padre Selva assumiu a direção do Colégio Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora de 1920 a 1931 quando foi transferido para Recife. Na direção do colégio realizou vários melhoramentos na parte física da instituição, inclusive com a fundação de um poço artesiano, além de mais salas de aulas, cozinha e refeitório. Criou também o Círculo ‘Auxilium’ para atrair ex-alunos, tendo o grupo existido por quatro anos.

porque saía de casa, pra ficar interno em um colégio (silêncio). Eu cheguei chorando no Colégio Salesiano. Afinal de contas eu já tinha uns primos que estudavam lá, eram de Brejo Grande, e aí depois a gente foi falando eu fui esquecendo da casa e fui me integrando no Colégio. Estudei no Colégio Salesiano de mil novecentos e trinta até mil novecentos e trinta e quatro. No Colégio Salesiano, eu estava com um certo preparo, fui logo tomando posição e em pouco tempo já estava em primeiro lugar da classe, aí depois participei dos teatrinhos de colégio e depois comecei a fazer os discursos. A princípio era eu que lia os discursos, que faziam pra eu ler, depois eu passei a escrever os discursos e eram corrigidos para eu ler, até que eu fiz meus discursos (MACHADO, 2007, s/p).

A ida de Cabral Machado para o Colégio Salesiano em Aracaju coaduna com as afirmações de Conceição acerca dos estudos em internatos na capital sergipana: “Por outro lado, as famílias, que por qualquer razão continuavam residindo no interior, encontravam nos internatos uma estratégia educativa ideal para manter os seus filhos estudando na capital” (CONCEIÇÃO, 2012, p. 246).

Pela descrição de Silva (2010), ao longo da década de 1920 e início dos anos 1930, a matrícula no Colégio Salesiano teve um acréscimo devido à facilitação nas condições de acesso a escola com a implantação da linha de bondes que alcançou a vizinhança do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora. Mais uma vez, assinala-se outro elemento dos aspectos alusivos à cidade de Aracaju, que dialogam de forma direta com a educação escolarizada efetivada na capital do Estado e com os sujeitos em análise.

Sobre os bondes elétricos em Aracaju, Mário Cabral (1948) afirma que foram inaugurados no governo de Graccho Cardoso (1922-1926), mas eram repletos de encrencas, de falta de energia, de mudança súbita de roteiro. Os trajetos dos bondes eram: Santo Antônio, Bairro Industrial, Circular, 18 do Forte, Hospital Cirurgia e Bairro Siqueira Campos. Essa linha para o Hospital Cirurgia foi a que pode ter beneficiado de alguma forma, o Colégio Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora, onde Cabral Machado morava como interno.

Figura 6: Aspecto dos bondes elétricos em trecho da Rua João Pessoa, Aracaju/SE na década de 1930

Fonte: http://www.aracaju.se.gov.br/154anos/index.php?gal_thb0=12&act=galeria&codigo=29#foto Autoria desconhecida

Foi em Aracaju que Cabral Machado começou a desenvolver mais efetivamente as habilidades com a escrita e, em suas memórias, descreve uma aula de Português no Colégio Salesiano com a exposição de estampas sobre o cavalete do quadro negro, por parte do professor e, logo em seguida, os alunos deveriam descrever o que viam. No tempo de Ginásio e com o auxílio da leitura Cabral Machado começou a escrever poesias, atividade que continuou até os seus últimos dias de vida. Ali, também iniciou seus escritos no jornal estudantil, publicando o seu primeiro artigo “Uma tarde no Cajuípe” no jornal A Tebaidazinha dos próprios estudantes do Salesiano, em 1933 (MACHADO, 2005b).

O desenvolvimento da escrita em jornais estudantis pode ser articulado aos objetivos da Reforma Francisco Campos no tocante ao curso fundamental e às finalidades de algumas disciplinas, uma vez que: “[...] verifica-se a precedência da Língua Portuguesa em relação as línguas estrangeiras e a diminuição da formação clássica – o Latim – estudado apenas nas 4ª e 5ª séries do curso” (SOUZA, 2008, p. 54). Segundo Chervel e Compére, o Latim seria um dos elementos da formação em humanidades clássicas que conferem uma formação elitista ao

que:

[...] essa formação, a das humanidades clássicas, confere àqueles que dela participam uma marca indelével de pertencer à elite, sendo um signo de reconhecimento, senão pelo desempenho ou gosto pelas línguas antigas, pelo menos por uma certa familiaridade com frases ou citações latinas (CHERVEL; COMPÉRE, 1999, p. 152).

Ainda dentro da mesma problemática, Souza (2008) informa acerca do objetivo da disciplina de Português – que estaria relacionada a uma aquisição efetiva da língua, o gosto pela leitura para a formação do seu espírito e da sua educação literária. Para atender a esse fim, os Programas do Curso Fundamental e do Secundário expedidos pelo Ministério da Educação e Saúde Pública em 30 de junho de 1931 indicavam: “[...] trabalhos de composição escrita preparados fora da classe, seguidos de correção minuciosa dos professores (identificação de erros de ortografia, pontuação, concordância, regência, impropriedades, etc.)” (SOUZA, 2008, p. 155).

Dessa forma, o que Cabral Machado retrata sobre sua vivência no internato do Colégio Salesiano, inclusive, da sua prática de escrita em jornais, coaduna com os princípios da Reforma Francisco Campos. Naquele jornal estudantil, possivelmente, o professor de Português, e das demais disciplinas relacionadas à “educação literária”, adotaram correções necessárias para o aprimoramento do “espírito” daqueles alunos, filhos de famílias abastadas do interior sergipano que moravam no internato particular católico.

Além da escrita nos jornais, também era praticada a produção de poesias, que pode estar relacionada às finalidades da Reforma, como também à cultura juvenil da década de 1930 em Sergipe. Cabral descreve um episódio que ilustra fragmentos do dia a dia naquele Colégio e faz referência ao momento em que começou a escrever suas poesias:

Pelos meus primeiros versos, a uma jovem, vizinha ao Colégio, e que, à noite, cantava com sua bela voz, enquanto no ‘estudo’ nós preparávamos as lições, sofri enorme castigo. A poesia falava de amor, beijos. Consideraram-na ‘imoral’. Por castigo copiei três vezes, toda a enorme “Introdução” a “Autores Contemporâneos”, de João Ribeiro (MACHADO, 2005b, p. 147).

As memórias de Cabral apresentam indícios do controle exercido naquela instituição educacional, bem como a prática de fazer as lições à noite e os castigos ali aplicados. Além desses elementos, é possível observar os autores e obras trabalhados no ensino ginasial de um colégio católico, na cidade de Aracaju de 1930 – o sergipano João Ribeiro está na lista de

visava ao aprendizado do conteúdo pelo aluno.

Além do cotidiano das aulas, existia para Cabral Machado uma rotina na escola, na condição de interno, fato que provocou alguns conflitos com a direção da instituição86 e culminou com a saída de Cabral do internato em meados de 1934, mas ele permaneceu como estudante externo, indo morar no centro da cidade na pensão de Dona Josefa, situada na rua de Laranjeiras, em frente à Relojoaria de Sinulfo Alves. A fotografia que segue evidencia a localização da mencionada rua, na década de 1930, em um contexto que dispunha de iluminação elétrica e organização espacial das ruas planejadas da capital de Sergipe:

Figura 7: Rua Laranjeiras em Aracaju (1930)

Fonte:http://www.aracaju.se.gov.br/154anos/index.php?gal_thb0=11&act=gale ria&codigo=29#foto

Autoria desconhecida

O dono da mencionada Relojoaria era o pai de várias crianças e adolescentes, inclusive, de Lauro Barreto Fontes, de quem se tornaria um grande amigo. Ao fazer referência à amizade que manteve por décadas com Lauro Barreto Fontes rememora:

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No romance “Um menino sergipano”, Genolino Amado (1977) também mostra alguns desses conflitos no período de estudos naquela escola, no início do século XX. Outro trabalho que também aponta para esses embates entre os jovens vindos do interior ou mesmo entre os que moravam na capital com a direção do Colégio Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora é o trabalho de Gilfrancisco (2005) na análise sobre Enoch Santiago Filho. Conceição (2012) trata do internato do Colégio Salesiano ao analisar os diversos internatos existentes em Sergipe desde o final dos oitocentos até a primeira metade do século XX.

Estudante interno no Colégio Salesiano, após brigar com o seu diretor, revoltado contra um castigo injusto, consegui do meu pai, sob a ameaça de fugir do colégio, passar o resto do ano sob regime de externato. É quando vim residir, à rua de Laranjeiras, na pensão de Dona Josefa, uma velha e bondosa senhora de Frei Paulo, e que tratava seus hóspedes, todos estudantes, como filhos (MACHADO, 1991, p. 29)87.

A descrição de Cabral Machado chama atenção para os embates de um menino vindo do interior com as regras daquele colégio católico. Visualiza-se também o cotidiano de pensões e estudantes na cidade de Aracaju dos anos 1930 e das escolas por eles frequentadas. Pensões repletas de alunos que deixavam suas casas nas diferentes cidades sergipanas para frequentar as escolas aracajuanas. Certamente, uma mudança efetiva na vida desses discentes tanto no quesito da vida escolar, quanto da vida urbana.

Nesse ínterim, Nunes (1992) destaca que as práticas culturais específicas do espaço urbano ainda precisam ser estudadas, ressalta também a inexistência de uma pesquisa ampla que analise o papel da escola e dos educadores na construção de estilos, de comportamentos, de formas urbanas de sentir e viver. O caso citado de Cabral Machado aponta para algumas dessas nuances, na década de 1930, quando os modos de “sentir e viver” dele não correspondiam aos modos apregoados pelo Colégio Salesiano na capital sergipana.

Então, já no início de 1935, Cabral Machado solicitou a guia de transferência àquele colégio católico. Tais guias constam no Arquivo do Colégio Salesiano com as notas dos Exames de Admissão realizados por Manoel Cabral Machado, em 23 de fevereiro de 1931 e assinado pelo inspetor Manoel Franco Freire, como também pelo diretor, o Padre Epifânio Borges, substituto do Padre Selva, as seguintes disciplinas e notas: Português: 7; Aritmética: 8; História do Brasil: 9; Geografia: 8 e Ciências Físicas e Naturais: 9, obtendo a média final 8. Assim, Cabral Machado teria se transferido para o Atheneu Sergipense por sugestão de Lauro Fontes e em razão dos conflitos no internato. Na nova instituição educacional, passou a fazer parte da classe de “intelectuais” daquela escola, segundo suas próprias palavras (MACHADO, 2005b). Naquela “Casa de Educação Literária” possivelmente utilizou a farda

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A descrição realizada em 1991 coaduna com a entrevista concedida em 2007, na qual visualiza-se: “Quando