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A ESCOLARIZAÇÃO DE SILVÉRIO LEITE FONTES: DE ARACAJU A SALVADOR

2 “DEU OS PRIMEIROS PASSOS E D’HAÍ CONTINUOU A CAMINHAR”: NAS TRILHAS DE “LINHAS FRAGMENTADAS”

3 MEMÓRIAS DOS “MESTRES DE TUDO”: ITINERÁRIOS ESTUDANTIS NAS TERRAS SERGIPANAS DA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO

3.3 A ESCOLARIZAÇÃO DE SILVÉRIO LEITE FONTES: DE ARACAJU A SALVADOR

Silvério Fontes nascido em 1925 foi alfabetizado ainda em casa por sua avó Isabel, depois com uma professora particular e, em seguida, frequentou a sua primeira escola, o Colégio Tobias Barreto, instituição que terminou uma parte do ensino secundário em 1939. Logo depois, ingressou no Atheneu Sergipense tendo estudado um ano do curso pré-jurídico. Dali seguiu para Salvador; no Ginásio da Bahia, terminou seu curso complementar e consequentemente o ensino secundário em 1941. Segue fotografia de Silvério Leite no período de estudos no Tobias Barreto.

Figura 9 - Silvério Leite Fontes na época de estudante do Colégio Tobias Barreto

Fonte: Acervo pessoal de Elze Fontes. Autoria Desconhecida.

O semblante sério, de acordo com o respeito que a farda daquela escola impunha; a postura esguia; o caderno como símbolo do conhecimento que carregava nas mãos; e ainda, ao fundo, elementos do Colégio Tobias Barreto em um registro da infância escolarizada guardada por mais de meio século no arquivo pessoal da família Fontes. Com essa farda, o jovem Silvério recebeu suas primeiras aulas naquela escola e os pioneiros contato com o mundo do conhecimento, do qual não mais se afastou.

No Tobias Barreto, permaneceu até a 5ª Série, em 1939, ano que cursou as disciplinas de Português, Latim, História da Civilização, Geografia, Matemática, Física, Química, História Natural e Desenho (LIVRO DE NOTAS DE ALUNOS DO TOBIAS BARRETO – 1933 a 1941 – DIES/SE). Após o término da 5ª série do curso fundamental, deixou o Tobias Barreto e ingressou no curso complementar do Atheneu Sergipense.

Sua mãe, Iracema Fontes, registrou, no seu “livro de família”, os passos da vida estudantil de Silvério Leite: “Deu começo aos seus estudos em 13 de abril de 1931, com mamãe, a vontade, porém com grande satisfação vimos os seu progressos e grande aplicação”.

com a professora D. Evangelina Azevêdo, que apezar do estado de saúde nos inspirar cuidados, continua com admiráveis progressos” (FONTES, 1923-s/d, s/p).

Os trechos denotam que sua avó materna conseguiu ensinar os primeiros rudimentos da leitura e escrita para seu neto. Silvério iniciou o processo de alfabetização em casa, aos seis anos de idade, e, posteriormente, aos sete anos, estudou por meio de aulas particulares. Sobre o ingresso na escola, consta as seguintes anotações:

Em 6 de fevereiro de 1933 entrou no colégio Tobias Barreto (porq ansiava) que apezar de muito acanhado tornou-se mui querido da sua professora Briolanja Brandão, devido ao seu bom comportamento e capricho, e no dia 7 de junho recebeu o grau de Cabo Escoteiro, com o que ficou radiante.

Continuou no mesmo colégio com o mesmo gosto e comportamento (graças ao bom Deus) querido apreciado e elogiado, tendo ficado no 2º ano primário, fez neste mesmo ano 2º e 3º, tendo cursado em 34 o curso médio. Em 35 com 10 anos incompletos entrou no Gynásio do mesmo colégio, tirando o curso de 5 anos em 39 com 14 anos incompletos. Cursou o 1º ano complementar aqui no Atheneu Sergipense e o 2º em Bahia no Gynasio (FONTES, 1923-s/d, s/p).

O fato de registrar por escrito aspectos marcantes da vida escolar do filho demonstra como a escolarização constituía-se em um elemento significativo para a família Leite Fontes. Podem ser extraídas da documentação informações, como: nomes de professores, identificação das escolas e relatos referentes à escolarização nas diferentes faixas etária. Entre os registros, localiza-se a experiência que Silvério realizou duas séries em um só ano. O detalhamento das descrições feitas pela sua mãe deve-se, possivelmente, às aprendizagens realizadas em casa e com a professora particular. Os adjetivos dedicados ao filho e às mudanças de escolas podem ser problematizados.

Silvério Fontes ascendeu a cabo logo diante do seu ingresso no Tobias Barreto; por conseguinte, Elze Fontes (2015) informa que ele nunca passou de tal patente, sempre relembrando como era difícil o cotidiano naquela “escola militarizada”. O fato de ter mudado de escola três vezes no percurso do ginásio para o secundário não foi localizado na documentação. Entretanto, algumas possibilidades podem ser elencadas.

A primeira mudança do Colégio Tobias Barreto para o Atheneu Sergipense pode ter ocorrido devido ao forte disciplinamento e militarização existente naquela escola, elementos que não condiziam com a saúde de Silvério. Outra possibilidade concerne à distinção do ensino secundário do colégio Atheneu Sergipense em detrimento do Tobias Barreto – o Atheneu Sergipense, por sua vez, não correspondendo às expectativas de Silvério e da família

Bahia.

Elze Fontes (2015) credita essa mudança de Silvério para a Bahia a Iracema Fontes, decidida a proporcionar ao filho uma educação esmerada. Outro elemento que pode ter ocorrido acerca da ida de Silvério para Salvador era a ligação dos professores do Ginásio da Bahia com as Faculdades daquele Estado. Mesmo assim, antes de deixar Sergipe, estudou a primeira série do curso complementar pré-jurídico100, sendo colega de turma de Maria Thetis Nunes, em 1940. A própria Thetis escreveu sobre a amizade dos dois, desde a época do Tobias Barreto até o Atheneu Sergipense e outros espaços posteriores, em depoimento póstumo ao amigo de décadas:

‘O tempo esse grande escultor...’ O dizer de admirável humanista francesa Marguerite Yourcenar me levaria à juventude, à estudante da 4ª série do Atheneu da rua da Frente, quando conheci José Silvério Leite Fontes, então estudante do Colégio Tobias Barreto. Participávamos, alunos de História do grande professor Arthur Fortes e por ele escolhidos, de um concurso de História promovido pelo Ministério da Educação. Dois anos após, seríamos colegas no curso pré-jurídico no Atheneu (NUNES, 2005, s/p).

A referência a uma humanista francesa seria o mais apropriado para descrever o início da amizade nascida em um concurso de História em plena Era Vargas no Brasil. Uma humanista para interligar os itinerários de dois sergipanos que, durante mais de meio século, dedicaram suas vidas profissionais a área de humanas e sociais. Trabalhos no âmbito da História registrados desde o curso ginasial, no qual ambos contaram com Arthur Fortes como catedrático tanto no Atheneu Sergipense como no Tobias Barreto.

No curso complementar pré-jurídico, foram colegas somente por um ano. Silvério “obteve média em todas as matérias, mas foi reprovado por não ter obtido a frequência regulamentada em Educação Física”, tendo o mesmo realizado os exames de segunda época e aprovado, seguiu para Salvador onde fez seu segundo ano do curso complementar (LIVRO DE ATAS DE EXAMES DO CURSO COMPLEMENTAR (1937-1943) – CEMAS).

Conforme o texto da lei da Reforma Francisco Campos, o ensino secundário possuía cinco anos do curso “Fundamental” do Ensino Secundário que proporcionava uma formação geral aos estudantes; já o curso “Complementar”, somente com dois anos, possuía uma tríplice divisão: os candidatos ao curso de jurídico; os candidatos ao curso de medicina,

100

Foram seus colegas de turma do Curso Complementar no ano de 1940: Armando de Castro Santos Pereira, Walter de Mendonça Sampaio, Danilo de Freitas Cavalcante, Edilberto Andrade Melo e José Feitoza Bravo. (LIVRO DE ATAS DE EXAMES DO CURSO COMPLEMENTAR - 1937-1943 – CEMAS).

(BRASIL, 2007). Para Norberto Dallabrida:

A chamada “Reforma Francisco Campos” (1931) estabeleceu oficialmente, em nível nacional, a modernização do ensino secundário brasileiro, conferindo organicidade à cultura escolar do ensino secundário por meio da fixação de uma série de medidas, como o aumento do número de anos do curso secundário e sua divisão em dois ciclos, a seriação do currículo, a frequência obrigatória dos alunos às aulas, a imposição de um detalhado e regular sistema de avaliação discente e a reestruturação do sistema de inspeção federal. Essas medidas procuravam produzir estudantes secundaristas autorregulados e produtivos, em sintonia com a sociedade disciplinar e capitalista que se consolidava, no Brasil, nos anos de 1930. A Reforma Francisco Campos, desta forma, marca uma inflexão significativa na história do ensino secundário brasileiro, pois ela rompe com estruturas seculares nesse nível de escolarização (DALLABRIDA, 2009, p. 185).

Todas as mudanças apontadas pelo referido autor dialogam com a realidade sergipana e, de certa forma, atuaram na formação educacional daqueles que estudaram seguindo os preceitos das reformas educacionais do período varguista. A “produção de estudantes secundaristas autorregulados” pode ter marcado a formação desses sujeitos de tal modo a se fazer sentir, mesmo décadas depois, nas aulas extremamente disciplinadas rememoradas por seus alunos no ensino superior (DANTAS, 2008; DINIZ, 2008).

Dos sujeitos estudados na tese, Silvério e Thetis foram os primeiros a seguir o curso complementar no Atheneu Sergipense, conforme a Reforma Francisco Campos. Segundo Alves (2013) e Souza (2011), a citada Reforma só foi efetivamente implantada naquele estabelecimento de ensino em 1937, com início do funcionamento dos cursos complementares de Direito, Medicina e Engenharia.

Segundo Ata da Congregação do Atheneu Sergipense, na sessão de 18 de março de 1937, o presidente da sessão afirmou que o curso complementar começaria a funcionar no Atheneu Sergipense em caráter precário até que a Diretoria de Educação Nacional se manifestasse sobre o assunto. Assim, o início das aulas do complementar foi marcado por uma solenidade que contou com a presença do governador de Sergipe e com o discurso do professor da cadeira de Sociologia, Florentino Teles de Menezes. Tal comemoração ocorreu em 5 de abril de 1937 e foi registrada nas Atas da Congregação. Consta no Diário Oficial do

Estado de Sergipe a Lei Número 40, que instituiu o curso complementar juntamente com

anos, previsto no decreto federal de n. 21.241, de 4 de abril de 1932, o qual obedecerá na sua organização, regime escolar, processo didactico, distribuição, seriação, número de disciplinas e fiscalização às instruções expedidas pelo Ministério da Educação e Saúde Pública (DIÁRIO OFICIAL DO ESTADO DE SERGIPE, 19 de novembro de 1936, p. 1).

A mesma lei também reiterava que tinham prioridade para ensinar no curso complementar no Atheneu Sergipense os professores catedráticos da instituição; todavia, na ausência deles “poderão ser designados pessoas idôneas, a juízo do governo, sob proposta do Diretor”. Com professores catedráticos e também com docentes contratados interinamente, estudaram Maria Thetis Nunes e José Silvério Leite Fontes, ao longo do ano de 1940.

Segue quadro com cadeiras e professores de ambos, em 1940, além dos catedráticos e suas áreas do conhecimento lecionadas em 1941 para Thetis Nunes no Atheneu Sergipense e, possivelmente, cursadas por Silvério Fontes no Ginásio da Bahia.

Quadro 4 – Cadeiras e catedráticos do curso complementar pré-jurídico do Atheneu Sergipense (1940-1941) Cadeiras da 1ª Série – 1940 Catedráticos Cadeiras da 2ª Série - 1940 Catedráticos

Biologia João Perez Garcia Moreno Sociologia - - - Economia Política - - - Higiene - - - História da Civilização

Arthur Fortes Literatura Gonçalo Rollemberg Leite Latim José Augusto da Rocha

Lima

Latim José Augusto da Rocha

Lima Literatura Gonçalo Rollemberg

Leite

Geografia Humana Felte Bezerra Psicologia e

Lógica

- - - História da Filosofia - - -

Fonte: Quadro elaborado pelo autor a partir do Livro de Atas de Exames do Curso Complementar (1937-1943) – Atheneu Pedro II localizado no CEMAS.

OBS: - - Docente não identificado.

Das disciplinas do curso complementar, duas se aplicavam tanto ao pré-jurídico, quanto ao pré-médico e pré-politécnico, no segundo ano do curso: Psicologia e Lógica, como também Sociologia. Segundo Souza (2008, p. 162): “A presença dessas disciplinas condizia com o interesse crescente dos intelectuais e educadores pelas ciências sociais que viam nelas [...], a possibilidade de fundamentar uma administração científica dos homens e da natureza”.

complementar do Atheneu Sergipense para conclui-lo em terras baianas. A saída de sergipanos para estudar os complementares na Bahia, como foi o caso de Manoel Cabral Machado e José Silvério Leite Fontes, motivou uma sessão extraordinária da Congregação do Atheneu Sergipense, do dia 18 de março de 1937. Na ocasião, o professor Fraga Lima descreveu que chegou ao seu conhecimento o fato de que, mesmo com o Curso Complementar sendo instalado no Atheneu Sergipense, muitos sergipanos preferiam concluir seus estudos secundários na Bahia por considerarem que, em Sergipe, não havia professores capacitados para lecionar nos complementares.

O professor Gentil Tavares101 rebateu tais críticas e afirmou que o motivo da preferência dos alunos sergipanos pelos estudos complementares na capital baiana seria a existência de uma forte propaganda em prol dos cursos na Bahia, que tinham seus corpos docentes compostos pelos mesmos professores que lecionavam nas faculdades baianas, facilitando assim o ingresso no ensino superior. O fato é que na Bahia, muito influenciado por Herbert Parent Fortes, Silvério traçou novos caminhos para sua vida.

O professor Herbert Parentes Fortes, contribuiu de duas maneiras, primeiro, ele foi meu professor de História da Filosofia e Sociologia, me levando a descobrir uma base científica para a História, a Sociologia e a Filosofia. Segundo porque ele fazia uma apologia freqüente do cristianismo nas aulas. Ele misturava o ensino da disciplina com apologética cristã, no bom sentido da palavra. De modo que Herbert Parentes Fortes, teve para mim uma grande importância (FONTES, 1993, p. 1).

Das memórias de Silvério, vale a reflexão acerca do que ele considerou o “descobrimento” de uma base científica para a História, possivelmente uma constatação ocorrida muito tempo depois daquelas aulas no Ginásio da Bahia, quando seu aprofundamento na teoria da História mostrou que seu antigo professor Herbert Fortes já tratava com cientificidade do universo de Clio. Outro elemento relevante concerne à religiosidade daquele professor – o catolicismo foi uma constante na vida do Silvério jovem e se fez presente no seu percurso de intelectual. Cabral Machado, ao rememorar seus estudos, assim como a formação de Silvério Leite, versou acerca da influência do professor Herbert Fortes do Ginásio da Bahia no tocante à questão da religiosidade de Silvério:

101

De acordo com Guaraná (1925) Gentil Tavares nasceu na hoje cidade de São Paulo, a 11 de outubro de 1892. Fez o curso de humanidades no Ateneu Sergipense e o de engenharia civil na Escola Politécnica da Bahia, onde recebeu o grau a 1º de janeiro de 1917. Professor do Atheneu Sergipense, deputado federal e estadual. Teve atuação marcante na imprensa sergipana inclusive na direção de entidades do ramo. Sobre a atuação de Gentil Tavares, juntamente com Clodomir Silva a frente do jornal estudantil o Necydalus no Atheneu Sergipense, ver Vidal (2009).

Destaco que o seu interesse pela filosofia começou em Salvador, no Ginásio da Bahia, graças, principalmente, ao Professor Herbert Parente Fortes, o Sócrates da nossa geração. Professor de muita cultura filosófica e política, Herbert Fortes sendo ademais profundamente religioso, na Bahia divulgava o pensamento de Jaques Maritain, Leon Bloy, Daniel Hopes e outros. Graças a Herbert Fortes, Silvério conseguiu vencer sua crise religiosa e conservar sua crença católica (MACHADO, 2003, p. IX).

Da fala de Cabral Machado, chama atenção o papel de Herbert Fortes como “o Sócrates da nossa geração”, sua capacidade de angariar discípulos, além da vinculação com a religião – o que facilitou certos elos entre os sergipanos de famílias tradicionalmente católicas e o mestre da Bahia. Os autores lidos, as concepções teóricas discutidas e a demarcação explícita do interesse de Silvério pela Filosofia, começou na Bahia, o que reforça a tese de vínculos entre os itinerários formativos e os caminhos da profissão docente102.

Cabral Machado e Silvério Fontes foram contemporâneos como discentes da Faculdade de Direito da Bahia, entre o final da década de 1930 e início de 1940, o caminho das leis foi percorrido por ambos após a conclusão do curso complementar na cidade de Salvador. Silvério já morava na capital baiana, quando Thetis resolveu cursar Geografia e História naquela cidade. Ali recepcionou a antiga colega do Atheneu Sergipense; todavia, antes disso, a itabaianense percorreu diferentes trilhas como estudante em Sergipe.

3.4 UMA ITABAIANENSE EM ARACAJU: A ALUNA MARIA THETIS NUNES NO