Na seção (4.2), apresentamos testes morfossintáticos que revelam o padrão argumental dos verbos em Karitiana em orações matrizes. Na presente seção,
vamos argumentar que o padrão se mantêm em ambientes subordinados, cor-roborando nossa análise de que as orações encaixadas não-finitas em Karitiana apresentam status de orações subordinadas plenas, uma vez que elas estão dispo-níveis para processos de alternâncias sintáticas como aumento e diminuição de valência do mesmo modo que as orações matrizes estão.
Assim como nas orações matrizes, verbos intransitivos em ambientes encai-xados transitivizam-se por meio do morfema causativo {m–} e adicionando o argumento externo ao verbo, como pode ser visto na subseção (4.2.2); verbos transitivos intransitivizam-se por meio do morfema de passiva {a–}, demovendo o argumento externo, como na subseção (4.2.3).
5.2.1 Aumento de valência em subordinadas
A seguir apresentamos um teste que mostra o processo de alternância sin-tática em orações subordinadas. Conforme apresentamos na seção (4.3.1), os verbos intransitivos em Karitiana são inacusativos alternantes que apresentam uma contraparte intransitiva e outra transitiva.
Oração subordinada funcionando como sujeito da cópula (226) Causativização do verbo inacusativo h˜yry˜j ’cantar’
a. [˜Jonso mulher
h˜yry˜ja] cantar
ø-na-aka-t
3-DECL-COP-NFUT
i-se’a-t
PART-bonito-ADVZR
"A mulher que cantou é bonita." b. [˜Jonso
mulher taso taso
ti-m-h˜yry˜ja]
CFO-CAUS-cantar
ø-na-aka-t
3-DECL-COP-NFUT
i-se’a-t
PART-bonito-ADVZR
Oração subordinada funcionando como sujeito em declarativas (227) Causativização do verbo intransitivo tat ’ir’
a. [õwã criança
tat] sair
ø-naka-hit-ø
3-DECL-dar-NFUT
ese-ty água-OBL
Orlando Orlando "A criança que saiu deu água para o Orlando." b. [õwã
criança
Elivar Elivar
ti-m-tat]
CFO-CAUS-sair
ø-naka-hit-ø
3-DECL-dar-NFUT
ese-ty água-OBL
Orlando Orlando
"A criança que o Elivar fez sair deu água para o Orlando." Oração subordinada funcionando como objeto em declarativas (228) Causativização do verbo intransitivo pykyn ’correr’
a. yn eu
ø-na-oky-t
3-DECL-matar-NFUT
[pikom macaco
pykyna] correr "Eu matei o macaco que correu." b. yn
eu
ø-na-oky-t
3-DECL-matar-NFUT
[pikom macaco
õwã criança
ti-m-pykyna]
CFO-CAUS-correr "Eu matei o macaco que a criança fez correr."
Os exemplos acima mostram verbos intransitivos ((226-a), (227-a) e (228-a)) sendo causativizados pelo morfema {m–} em ((226-b), (227-b) e (228-b)). O uso do morfema de foco do objeto {ti–} assegura que se trata de orações subordinadas relativas de objeto (que de acordo com Storto (1999) e Vivanco (2014), essas relativas apresentam o núcleo interno à estrutura).
Oração subordinada funcionando como objeto em declarativas (229) Causativização do verbo transitivo ’y ’comer’
a. yn eu
ø-na-otet-ø
3-DECL-cozinhar-NFUT
[’ip peixe taso homem ti-’y] CFO-comer "Eu cozinhei o peixe que o homem comeu."
b. *yn eu
ø-na-otet-ø
3-DECL-cozinhar-NFUT
[’ip peixe
taso homem
ti-m-’y]
CFO-CAUS-comer Um verbo transitivo como em (229-a) não aceita a causativização como o mor-fema {m–} como mostra a agramaticalidade do exemplo ((229-b)), seguindo o padrão verbal da língua.
(230) Oração subordinada adverbial causativizada a. [[˜jonso mulher otam] chegar tyka]-t MOT-ADVZR ø-na-oky-t
3-DECL-matar-NFUT
him caça
taso homem "Enquanto a mulher estava chengando em casa, o homem matou a caça." b. [[˜jonso mulher yn eu mb-otam] CAUS-chegar tyka]-t
IMPERF.MOT-ADVZR
ø-na-oky-t
3-DECL-matar-NFUT
him caça
taso homem
"Enquanto a mulher estava me fazendo chegar em casa, o homem matou a caça."
O par de exemplos em (230) mostra a causativização de um verbo intransitivo em uma oração subordinada adverbial.
5.2.2 Diminuição de valência em subordinadas
Conforme as propriedades morfossintáticas e o padrão argumental dos ver-bos em orações matrizes (cf. seção (4.2)), a passivização via {a–}, como uma estratégia de intransitivização, ocorre também em ambientes de verbos subordi-nados. Seguindo o padrão mencionado, apenas os verbos transitivos podem ser intransitivizados pelo morfema de passiva {a–}; os verbos intransitivos ao rece-berem diretamente o morfema de passiva falham em termos de gramaticalidade. No entanto, uma vez que um verbo intransitivo foi causativizado por {m–}, ele pode, então, ser passivizado pelo {a–}, de modo que o argumento externo que
fora adicionado seja demovido. Neste caso, a marca causativa {m–} é mantida como evidência de que houve primeiro a causativização.
Oração subordinada (passivizada) em posição de objeto da matriz (231) yn
eu
ø-na-otet-ø
3-DECL-cozinhar-NFUT
[’ip peixe
a-’y]
PASV-comer "Eu cozinhei o peixe que foi comido."
(232) yn eu
ø-naka-’y-t
3-DECL-comer-NFUT
[’ip peixe a-otet PASV-cozinhar byyk] PERF.SUB
"Eu comi o peixe depois que foi cozido."
Verbos intransitivos com o morfema de passiva {a–} são agramaticais (233) *[˜Jonso
mulher
a-h˜yry˜ja]
PASV-cantar
ø-na-aka-t
3-DECL-COP-NFUT
i-se’a-t
PART-bonito-ADVZR
(234) *[õwã criança
a-tat]
PASV-sair
ø-naka-hit-ø
3-DECL-dar-NFUT
ese-ty água-OBL Orlando Orlando (235) *yn eu ø-na-oky-t
3-DECL-matar-NFUT
[pikom macaco
a-pykyna]
PASV-correr
Os exemplos ((231) e (232)) podem ser contrastados com os exemplos ((233) – (235)), onde observamos que verbos transitivos como ’y ’comer’ e otet ’cozinhar’ aceitam a passivização com o morfema {a–} enquanto verbos intransitivos como h˜yry˜ja’cantar’, tat ’sair’ e pykyn ’correr’ não permitem o uso da passivização com {a–}.
Verbos intransitivos podem ser causativizados com o morfema {m–} e de-pois passivizados com o morfema de passiva {a–}
(236) [˜Jonso mulher
a-m-h˜yry˜ja]
PASV-CAUS-cantar
ø-na-aka-t
3-DECL-COP-NFUT
i-se’a-t
PART-bonito-ADVZR
(237) [õwã criança
a-m-tat]
PASV-CAUS-sair
ø-naka-hit-ø
3-DECL-dar-NFUT
ese-ty água-OBL
Orlando Orlando "A criança que fizeram sair deu água para o Orlando."
(238) yn eu
ø-na-oky-t
3-DECL-matar-NFUT
[pikom macaco
a-m-pykyna]
PASV-CAUS-correr "Eu matei o macaco que fizeram correr."
Por outro lado, se os verbos intransitivos como h˜yry˜ja ’cantar’, tat ’sair’ e pykyn forem antes causativizados via {m–}, então eles podem ser passivizados por {a–} ((236)–(238)).