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Evidenciais modificando orações matrizes

No documento Não-finitude em Karitiana: (páginas 183-188)

5.7 Evidenciais em orações subordinadas

5.7.1 Evidenciais modificando orações matrizes

Karitiana apresenta dois tipos de evidenciais: o evidencial indireto saryt e o direto ta’ã. O evidencial indireto é usado para codificar gramaticalmente que a informação foi reportada (320–322); já com o evidencial direto, a cena descrita foi presenciada pelo falante (cf. Chaves-Alexandre 2016; Storto 2002; Vivanco 2009b).

Evidencial indireto saryt: (320) ø-pyry-’a

3-ASSERT-fazer

saryt-<y>n

EVID.INDIR-NFUT

keerep antigamente

Gokyp sol "O sol era assim (evidencial indireto) antigamente."

(dado retirado da narrativa do sol (Gokyp) (Storto 2002)) (321) I-sondyp 3-saber <y>saryt EVID.IND [i-hadna 3-dizer ti-m-’a

CFO-CAUS-fazer

opoko]-ty inimigo-OBL

"Ele não sabe o que foi dito pelo inimigo (evid. ind)."

(Storto 2002) A sentença em (321) é uma negação com padni. Conforme Storto (1999) de-monstrou, o morfema padni pode ser apagado, e sabe-se que se trata de uma negação pela ausência da marca de modo e tempo.

(322) ˜Jonso mulher

ø-na-mbyyt 3-DECL-dar.a.luz

saryt-ø

EVID.IND-NFUT

õwã criança "A mulher deu a luz à criança (diz que)."

(Vivanco 2009b) Evidencial direto ta’ã

(323) ø-pyry-’a

3-ASSERT-fazer ta’ã-t

EVID.DIR-NFUT

y-’it meu-pai

keerep antigamente

"Assim fez meu pai (evidencial direto) antigamente."

(dados retirados da narrativa de iniciação masculina (Ossip) (Storto 2002)) (324) ø-pyry-m-’a

3-ASSERT-CAUS-fazer

ta’ã-t

EVID.DIR-NFUT

keerep antigamente "Era assim (evidencial direto) antigamente."

(dados retirados da narrativa de iniciação masculina (Ossip) (Storto 2002)) (325) ˜Jonso mulher ø-na-mbyyt 3-DECL-dar.a.luz ta’ã-t-ø

EVID.DIR-NFUT

ta-’et

3ANAF-filho "A mulher deu a luz à criança (eu vi que)."

(Vivanco 2009b) Nota-se que os evidenciais direto e indireto são auxiliares pós verbais ou as-pectuais, uma vez que eles recebem a marca de tempo (Storto 1999, 2002). Ressalta-se ainda que o tempo pode ser sufixado apenas ao evidencial (320 – 325) ou opcionalmente marcado também no verbo, como no exemplo (326) abaixo:

(326) taso homem

ø-na-oky-j

3-DECL-matar-FUT

saryr-i

EVID.IND-FUT

boroja cobra "(Diz que) o homem vai matar a cobra."

Observem que os exemplos abaixo mostram o VP+evidencial saryt sendo mo-dificado pela negação padni em (327) e formando um núcleo complexo com o aspecto e o verbo em (328): (327) i-a-oky 3-PASV-matar saryt<y> EVID.IND padni NEG ombaky onça "(diz que) A onça não foi morta."

(328) João João ø-naka-’y 3-DECL-comer ty˜ja IMPERF.SITT saryt-ø

EVID.IND-NFUT

asyryty banana "(Diz que )O João está comendo uma banana."

(Storto 1999; Vivanco 2009b) (329) *taso homem ø-na-oky 3-DECL-matar boroja cobra saryt-ø

EVID.IND-NFUT

"(Diz que) o homem vai matar a cobra."

(Storto 1999; Vivanco 2009b) O exemplo (329) serve para mostrar que o evidencial forma um núcleo complexo com o verbo e outros núcleos funcionais como aspecto e tempo, mostrando ainda que não pode ser separado do verbo.

5.7.2 Evidenciais em orações subordinadas

Chaves-Alexandre (2016); Vivanco (2009a, 2009b, 2010) apresentaram estruturas sintáticas encaixadas com evidenciais. Essas descobertas estão sendo utilizadas aqui para corroborar nossa análise de que essas orações encaixadas podem ser, sim, analisadas como subordinadas, ainda que não apresentem os traços relacionados tradicionalmente à finitude como tempo, concordância e modo.

Os exemplos (330–333) são referentes às orações subordinadas completivas, sendo que as orações em (330–332) estão sendo marcadas com o evidencial indireto saryt enquanto em (333) com o evidencial direto ta’ã.

(330) ø-pyry-hadn-<a>n 3-ASSERT-dizer-NFUT

José José [carro-ty carro-OBL Pedro Pedro amy comprar saryt]-<y>ty

EVID.IND-OBL

(331) ø-pyry-hadn 3-ASSERT-dizer

saryt-<y>n

EVID.IND-NFUT

José José [Porto Porto Velho velho pip em Maria Maria tat ir saryt]-<y>ty

EVID.IND-OBL

"(Diz que) O João disse que (diz que) a Maria vai para Porto Velho." (Vivanco 2009a) No exemplo (330) o evidencial indireto está formando um núcleo complexo com o verbo encaixado amy ’comprar’. Toda a oração carroty Pedro amy saryty está sendo marcada pelo obíquo {–ty}, que é exigido pelo verbo da matriz hadn ’dizer’. Ainda no exemplo (330), o argumento carro do verbo amy está marcado pelo oblíquo {–ty} que, por sua vez, é requerido pelo verbo encaixado; o teste de Vivanco (2009a) mostra no exemplo (331) o evidencial indireto coocorrendo em dois ambientes, o primeiro deles está sendo interpretado no verbo matriz enquanto o segundo no verbo encaixado.

(332) ø-py-sondyp-<y>n 3-ASSERT-saber-NFUT

João João [Inácio Inácio ’ep árvore op˜i cortar saryt]-<y>ty

EVID.IND-OBL

"João sabe que (diz que) Inácio corta a árvore."

(Chaves-Alexandre 2016) (333) ø-py-sondyp-<y>n

3-ASSERT-saber-NFUT

João João [Inácio Inácio ’ep árvore op˜i cortar ta’ã]-ty

EVID.DIR-OBL

"João sabe que (viu que) Inácio corta a árvore.

(Chaves-Alexandre 2016) Os exemplos ((332) e (333)) mostram os evidenciais indireto e direto, respectiva-mente, ocorrendo dentro da subordinada completiva.

A seguir, apresentamos orações subordinadas adverbiais contendo evidenci-ais em suas estruturas:

(334) [ti’y comida Marcelo Marcelo ’y comer saryt EVID.IND tykiri] PERF ø-na-pa’ira-t

3-DECL-ficar.nervoso-NFUT

João João

"(Diz que ) Quando o Marcelo comeu a comida, o João ficou nervoso." (Chaves-Alexandre 2016) (335) [ti’y comida Marcelo Marcelo ’y comer ta’ã EVID.IND tykiri] PERF ø-na-pa’ira-t

3-DECL-ficar.nervoso-NFUT

João João

"(Vi que) Quando o Marcelo comeu a comida, o João ficou nervoso." (Chaves-Alexandre 2016) Os exemplos ((334) e (335)) mostram os evidenciais indireto e direto ocorrendo, respectivamente, dentro de uma subordinada adverbial.

(336) ø-pyry-hadn-<a>n 3-ASSERT-dizer-NFUT

José José [[carro-ty carro-OBL Pedro Pedro amy]-ty comprar-OBL [dinheiro dinheiro typ achar saryt EVID.IND tykiri]] PERF

"José disse que Pedro comprou um carro quando (diz que) ele achou dinheiro."

(Vivanco 2009a) O exemplo (333) mostra uma estrutura com múltiplo encaixamento (cf. Storto, Vivanco, e Rocha 2015), ou seja, a subordinada adverbial dinheiro typ saryty tykiry está encaixada na completiva carroty Pedro amy que, por sua vez, está encaixada na oração matriz. Além da interpretação dada pelo falante nativo de Karitiana, sabe-se que carroty Pedro amy é complemento factivo de pyryhadn Jodé pela marca de oblíquo {–ty} na oração encaixada terminada por amy, que é exigida por hadn. Neste caso, a oração subordinada adverbial dinheiro tyo saryt

tykiricom o evidencial saryt está modificando adverbialmente a oração comple-mento (interpretação: "Pedro comprou um carro quando ele achou dinheiro.").

Ao compararmos os dados expostos sobre evidenciais em orações matrizes (cf. subseção (5.7.1)) e aqueles sobre evidenciais em subordinadas (cf. subseção (5.7.2)), verificamos que os evidenciais na matriz aparecem depois do núcleo aspectual (cf. exemplo (328)) enquanto nas orações subordinadas os evidenciais estão dispostos antes dos núcleos aspectuais (cf. exemplos (334) a (336)). Ressal-tamos que a literatura consultada (cf. Chaves-Alexandre 2016; Vivanco 2009a, 2009b, 2010), para tanto, não apresentou testes que mostrem o ordenamento de palavras entre auxiliares aspectuais e evidenciais como um padrão ou se eles podem ser permutáveis entre si.

No documento Não-finitude em Karitiana: (páginas 183-188)