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Ausência de estatísticas – a imigração ilegal

CAPÍTULO 5. Dimensão demográfica da imigração

5.1. Caracterização e evolução do fenómeno em Portugal

5.1.3. Ausência de estatísticas – a imigração ilegal

De acordo com a legislação em vigor, em Portugal é “imigrante ilegal” todo o cidadão estrangeiro que: tenha entrado indocumentado ou com documentos falsos e assim permaneça em território nacional; tenha permanecido no país após o termo de validade

do respectivo visto de entrada ou título de residência, ou após ter sido expulso do território nacional por autoridade competente. Castles (2005) argumenta a este propósito:

“Os países de imigração deparam-se com dificuldades para prevenir fluxos migratórios indesejados. O acordo de Shengen na Europa e o estreitar de controles fronteiriços nos Estados Unidos da América podem ter reduzido os movimentos ilegais, mas não lhe puseram termo” (p.59).

Este autor fala-nos da categorização que os Estados fazem dos seus imigrantes: imigrantes laborais temporários, imigrantes qualificados e empresários, imigrantes irregulares, refugiados e requerentes de asilo. Quanto aos ilegais, são:

“pessoas que entram num país, normalmente à procura de emprego, sem os documentos ou as autorizações necessárias. Muitos fluxos de imigração ilegal são constituídos predominantemente por imigrantes sem papéis. Em alguns casos, os países de imigração consentem tacitamente esta imigração porque permite a mobilização de mão-de-obra para responder à procura dos empregadores, sem implicar custos sociais ou medidas para a protecção dos imigrantes” (Castles, 2005:18-19)

Na primeira metade dos anos 90, os Relatórios de Segurança Interna (RSI), do Ministério da Administração Interna, tipificaram sistematicamente os imigrantes ilegais como sendo cidadãos estrangeiros que entraram legalmente em território nacional, oriundos de um PALOP, “munidos com vistos de turismo, negócios ou trânsito, não abandonando o país no termo da validade daqueles vistos” (RSI de 1993).

O número de imigrantes em situação ilegal em Portugal é obviamente desconhecido, mas pensamos poder avaliá-lo na ordem dos 25 a 40 mil imigrantes na primeira metade dos anos 90, estimativa baseada nos seguintes dados: durante a “Regularização Extraordinária de 1992”, dos 39 mil processos entrados apenas 16 mil deram lugar à emissão de títulos de residência, segundo o RSI de 2004.

A “Regularização Extraordinária de 1996” foi legitimada pela necessidade de legalizar os imigrantes que não tinham sido abrangidos pela anterior regularização ou que se tinham novamente tornado ilegais. Ainda segundo o mesmo relatório, durante a regularização de 1996, foram recebidos 35 mil processos dos quais mais de 95% deram lugar à emissão de um título de residência.

A estimativa do SEF, relativamente ao número de imigrantes ilegais em território

português, que encontrámos num jornal diário35 é de 150.000. Ainda, segundo a mesma

fonte, o SEF contabilizou 4.146 recusas de entrada em Portugal, em 2005. A maior parte delas, nos aeroportos de Lisboa e do Porto.

O número de estrangeiros expulsos do país foi de 132, por falsificação de documentos e auxílio à imigração ilegal, e mais 183 cidadãos estrangeiros também foram conduzidos até à fronteira, no mesmo ano. A este número adicionam-se os 204 expulsos, na sequência de penas acessórias pela prática de diversos crimes em Portugal: 519 foi o total de expulsões, no ano de 2005.

Como já foi referido anteriormente, desde a entrada em vigor da Convenção de Aplicação de Schengen, fez-se cessar a exigência de consulta prévia obrigatória para a concessão de visto aos nacionais da Rússia, Ucrânia, Roménia e outros países dos Leste europeu, o que, conjugado com a liberdade de circulação no Espaço Schengen, potenciou a vinda para o nosso pais de migrantes provenientes dessa região.

Dada a legislação em vigor, nenhum estrangeiro em situação de residência ilegal pode ser economicamente activo no mercado de trabalho formal, ou seja, a situação de residência ilegal, tenderá, se activo e do sexo masculino, a ser incorporado no sector da construção civil e obras públicas; se activo e mulher, estará predominantemente ligada ao sector terciário, nomeadamente às limpezas industriais e domésticas.

Esta descrição tem pouco de surpreendente dado que a esmagadora maioria dos imigrantes ilegais, principalmente no caso dos PALOP, entra em Portugal de modo legal, inserida numa rede migratória informal de base familiar ou de vizinhança, num processo migratório que tecnicamente designaríamos por migrações em cadeia, sendo, por isso, encaminhado para actividades económicas em que o grupo imigrante a que pertence está firmemente inserido.

Contudo, se este é o perfil económico “típico” do imigrante ilegal, convém não esquecer que outros tipos foram detectados em trabalhos recentes que apontam para uma complexa tipologia dos imigrantes ilegais em Portugal e, sobretudo, para o impacto

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In Jornal Correio da Manhã de 31.05.2006

crescente de redes de tráfico internacional de mão-de-obra tentacularmente estruturadas dentro e fora da UE.

Assim, o combate à imigração ilegal deve continuar a passar pela repressão das redes de tráfico, das formas de economia clandestina e ilegal (prostituição, exploração de trabalho escravo, não-inscrição de trabalhadores em sistemas de segurança social e sindical, etc.) e pela celebração de acordos com países de passagem que os obrigue a aceitar o retorno de clandestinos comprovadamente oriundos do seu território em condições compatíveis com o respeito pelos direitos do homem.

Rui Pena Pires (2005) defende que: “a maioria dos imigrantes entra em Portugal com visto de turista, que entretanto caduca e só depois se tornam ilegais.” Sobre a imigração ilegal, salienta:

“que em Portugal não há canais que permitam aos estrangeiros legalizarem-se, na medida em que estes têm que chegar ao país já com contrato de trabalho.(…) Para a regularização da situação o imigrante tem que passar pelos Ministérios dos Negócios Estrangeiros, da Administração Interna e do Trabalho. Um processo que demora muito tempo e que leva a que muitos desistam», explicou, adiantando que é necessária a criação de «mecanismos de imigração mais sensatos». (Pena Pires, 2005)36

É que, ao contrário do que muitas vezes se faz pensar, a maior parte dos imigrantes sem documentos não atravessou as fronteiras escondido, não veio trazido por máfias, não é vítima de redes ilegais: simplesmente entrou no país com visto de turista, como é seu direito, e deixou-se ficar.

Ora esta atitude não é muito diferente, daquela que tiveram em muitas oportunidades os emigrantes portugueses. O recente caso do Canadá é eloquente em relação a este aspecto. Os portugueses que foram expulsos, ou se encontram sob ameaça de expulsão no Canadá, apesar de ilegais, estão, de facto, integrados na sociedade canadiana. Vivem no Canadá há anos, têm os filhos na escola, trabalham, descontam e pagam os seus impostos.