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CAPÍTULO 1. A experiência migratória – uma abordagem histórica

1.5. Fenómeno migratório no Mundo: conjuntura actual

Na verdade, a história mostra-nos que as migrações são um factor importante de mudança social no mundo contemporâneo.

“Hoje em dia existem poucos países que não sejam países de emigração ou de imigração, ou ambas as coisas” (Castles, 2005:7-8).

A migração, não sendo um fenómeno novo, e como fenómeno social, está em constante mutação, originada pelo processo de integração global, como resultado das mudanças rápidas das relações económicas, políticas e culturais entre países.

Os movimentos migratórios, pela sua multiplicidade, aumentam a diversidade étnica e cultural de muitas sociedades, ajudando a moldar as dinâmicas demográficas,

económicas e sociais. Inclusive, o aumento das taxas de imigração levou, e leva, muitos países a repensar as noções de identidade nacional e os próprios conceitos de cidadania.

No fundo, existe uma dupla realidade: as transformações económicas, demográficas, políticas e sociais, e como consequência surge o fenómeno da migração e a uma consequente ocorrência de transformações, mais ou menos profundas, que ocorrem, quer no país de origem, quer no de acolhimento.

O processo de integração europeia levou, por parte de vários países, a dissolução dos controlos internos das fronteiras com estados vizinhos, como parte do acordo Shengen. Os países que assinaram esta convenção controlam, apenas, as suas fronteiras e permitem a livre entrada de membros dos Estados vizinhos. Esta reconfiguração do controlo fronteiriço teve um grande impacto na imigração ilegal da UE, já que os imigrantes ilegais, que, por quaisquer circunstâncias, consigam ter acesso a um estado signatário desta acordo, podem mover-se sem impedimento em toda a zona Shengen.

1.5.1. O Mundo em mudança

Os movimentos populacionais que surgem em resposta ao crescimento demográfico, às mudanças climatéricas e às necessidades económicas sempre fizeram parte da história da humanidade. As guerras, a constituição de estados e nações foram dando origem a migrações voluntárias ou forçadas.

Na segunda metade do séc. XX, como já foi referido, as migrações despontaram e representaram, sem dúvida, um dos principais factores de transformação e desenvolvimento social em todo o mundo. Pensamos que, dificilmente, poucos estudiosos e cientistas ousaram prever a magnitude e a abrangência de um período histórico tão acelerado.

No início da década de 90, as migrações passaram a ocupar um lugar de destaque na agenda da política internacional, e a actividade diplomática e política externa de cada Estado levou, em certos casos, ao estabelecimento de controles fronteiriços mais apertados, por forma a limitar determinados tipos de mobilidade.

As tentativas efectuadas pelos Estados-nação e pela comunidade internacional para regular as migrações não têm sido regulares, na maior parte das vezes motivadas por eventos espectaculares e não por perspectivas a longo prazo.

Três adjectivos ilustram bem o panorama actual das migrações: elas são cada vez mais intensas, diversificadas e complexas.

Intensas, porque o número de migrantes que cruzam as fronteiras e percorrem as estradas, em todo mundo, tem aumentado de ano para ano. As causas do aumento são numerosas e as mais variadas.

Entre elas destacam-se as transformações ocasionadas pela economia globalizada, como vimos anteriormente, a luta pela sobrevivência; as guerras, guerrilhas e o terrorismo internacional ou localizado; os movimentos marcados por questões étnico- religiosas; a urbanização acelerada, especialmente nos países periféricos; questões ligadas ao narcotráfico, à violência e ao crime organizado.

Os deslocamentos humanos são também cada vez mais diversificados. Mudou o rosto das migrações. Verifica-se, por exemplo, uma feminização do fenómeno migratório em quase todos os movimentos em curso. Dos países pobres para os países ricos, prevalece a migração de jovens em busca de melhores condições de vida. No caso da urbanização, famílias inteiras trocam o campo pela cidade, em busca dos benefícios que a zona rural não oferece. Já as levas de refugiados políticos e económicos arrastam consigo toda uma população em fuga, procurando escapar dos conflitos armados ou da miséria e da fome.

Por fim, as migrações são cada vez mais complexas. Diversos factores dão conta dessa nova complexidade da mobilidade humana, num âmbito mundial. Podemos sublinhar, entre outros, o facto de os fluxos migratórios não terem mais origem e destino determinados. O que se verifica é um vaivém mais ou menos desordenado, em todas as direções. Há migrantes que consideram ter mais de uma origem, outros migram por etapas, para depois retomarem o caminho de retorno.

Os migrantes acumulam na sua experiência várias saídas e várias chegadas, numa tentativa constante de se fixarem definitivamente. As trajectórias repetem-se, e torna-se

difícil distinguir idas e vindas. Cada chegada converte-se em novo ponto de partida. A fixação representa uma miragem sempre distante e nunca alcançável.

Não é sem razão que muitos autores falam de migrações pendulares, temporárias, rotativas, circulares, enfim, de um permanente vaivém atrás de uma sobrevivência que sempre parece escapar pelos dedos.

Nesta perspectiva, o conceito de migração ganha novos horizontes, para dar conta de um imenso exército de desempregados e subempregados que praticamente vive “acampado”.

Se tivessemos que fazer um mapa das migrações, muitos rostos e muitas rotas se entrelaçariam. Entre os rostos, podemos rapidamente citar os refugiados, os trabalhadores temporários, as vítimas do tráfico de seres humanos e do turismo sexual, os que buscam as áreas urbanas, os diplomatas, os marítimos, os ciganos, e mais recentemente, os jovens e as mulheres.

Quanto às rotas, elas cruzam-se nas direções mais variadas, formando a rede inextrincável do fenómeno migratório.

Todos sabemos que é urgente a necessidade de estabelecer uma estratégia internacional que assegure que as migrações correspondam a objectivos políticos, económicos e sociais de uma forma consensual, por forma, a salvaguardar os direitos humanos dos migrantes e prevenir a exploração por parte de agentes no processo, evitando, também, o conflito com as populações receptoras, nomeadamente qualquer tipo de conflitos étnicos, rácicos e xenófobos.

1.5.2. Migrantes na UE: reflexão para uma nova abordagem

Os desafios que se colocam à União Europeia no contexto das dinâmicas geradas pela globalização e pelas suas próprias opções políticas, seja ao nível do alargamento ou das suas relações com países terceiros, exigem uma reflexão cuidada e aprofundada a todos os níveis. A identidade europeia, no sentido de “que Europa queremos ser?”, e cuja materialização mais recente é o Tratado da Constituição Europeia, é, talvez, a grande

questão para onde convergem actualmente todos os debates e discussões, e que surge agora com mais pertinência do que nunca.

As políticas migratórias constituem, certamente, um dos domínios mais delicados, e a abordagem que se tem vindo a generalizar para o tratamento desta temática tem-se traduzido em diversas questões, tais como o dilema entre a necessidade de haver mais imigrantes na UE ou a limitação de tais fluxos”. Como gerir os fluxos migratórios no sentido de equilibrar a população europeia e assegurar a sustentabilidade do Estado- providência, ou ainda, a necessidade de uma estratégia de cooperação para o desenvolvimento para evitar a pressão demográfica descontrolada, são questões urgentes e pertinentes a que urge responder.

Todavia, tendo em conta os desafios que se colocam actualmente à União Europeia, e à realidade da migração contemporânea, parece-nos que, antes de se procurarem respostas para estas e outras questões, devemos reflectir cuidadosamente sobre a forma como abordamos a temática para que seja o mais abrangente e clara possível.

O que nos propomos fazer é abordar a problemática migratória de uma outra perspectiva, ou seja, uma vertente que enfatiza o contributo dos migrantes para o desenvolvimento das suas comunidades de acolhimento, não só ao nível económico, mas também ao nível social, cultural e político. Em suma, uma abordagem que realça o ignorado e todavia importantíssimo papel que os migrantes assumem enquanto agentes promotores do desenvolvimento das suas comunidades de origem.

Aqui, poderíamos só cingirmo-nos ao peso das remessas que, numa boa parte dos países emissores, ultrapassa os montantes da ajuda pública ao desenvolvimento ou do investimento estrangeiro. Mas propomo-nos a ir ainda um pouco mais longe e destacar o trabalho do migrante ao nível do desenvolvimento local das comunidades de origem, da troca de competências e know-how, as mudanças, em sentido político, social e cultural, induzidas, de forma directa ou indirecta, naqueles que nunca partiram.

Na nossa perspectiva, a União Europeia deve encarar a problemática migratória como um fenómeno complexo, com características originais, comparativamente a épocas históricas passadas, o que exige também novos instrumentos e novas abordagens para uma gestão eficaz e sustentável. Assim:

x Deve considerar as condições e as múltiplas ligações entre os países de origem e de acolhimento, que moldam a intensidade, a direcção e a natureza dos fluxos migratórios, e que são, simultaneamente, causa e consequência do modo como as migrações se configuram nos dois contextos – uma abordagem integrada e responsável;

x Deve reconhecer o papel que os migrantes podem ter enquanto agentes activos nos processos de desenvolvimento das suas comunidades de origem e de acolhimento e encetar dinâmicas que facilitem e apoiem as suas acções – uma abordagem pro-activa;

x Por fim, deve recusar conceitos simplistas e redutores na abordagem da problemática migratória. Tem-se vindo a afirmar o que designamos por “abordagem instrumentalista”, ou seja, em que a questão da migração é tratada na perspectiva da utilidade que os migrantes podem ter para a União Europeia, como forma de colmatar o défice demográfico crescente da população; de assegurar a sustentabilidade do modelo clássico do Estado- Providência europeu; de colmatar necessidades de mão-de-obra em determinados sectores de mercado, seja ao nível das profissões altamente qualificadas, seja ao nível dos trabalhadores indiferenciados.