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Auto-identificação de raça/cor no Prouni

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL São Paulo (páginas 128-132)

CAPÍTULO 5. Dialogando com o sujeito da pesquisa

5.7 Auto-identificação de raça/cor no Prouni

Diferentes metodologias estão sendo adotadas pelas universidades para identificação de cor/raça de alunos, principalmente, com a inclusão do sistema de ações afirmativas e com as cotas raciais. No caso do Prouni, as primeiras informações, incluindo cor/raça, foram respondidas pelo estudante via internet. Após aprovação na prova do ENEM, os dados dos candidatos são confirmados pessoalmente na universidade na qual o aluno ingressará. No momento da seleção interna, para averiguar as informações, ele revela certo desapontamento e reage com ironia por ser questionado quanto a sua identidade racial.

Uma coisa que eu me lembrei agora que no dia de fazer a entrevista aqui na PUC em 2006. Foi em janeiro de 2006? A... não sei se Assistente Social responsável pelo processo, deve ser.Ela... eu lembro que ela me perguntou assim: Você tem algum documento que comprove? Que comprove que você é negro? Tipo assim. Aí eu ri (risos) Eu ah! Não tenho. Porque por exemplo eu estava até pensando, assim, na carteira, no certificado de reservista tem um .. moreno. Tem a especificação da cor da pele, tem sim.. Então eu deduzi que seja mais

para lado da cor da pele, até porque é a primeira coisa que a pessoa vai olhar. Não vai falar como é que é a sua família? Não vai, perguntar

assim? É aqui no Brasil o que identifica é a cor da pele. (Eduardo, grifo nosso).

O despreparo dos profissionais da instituição para lidar com as questões raciais, sobretudo, em uma proposta como a de Ações Afirmativas é visível na fala de Eduardo. O estudante parece ficar desapontado quando questionado quanto à visibilidade de sua raça/cor no processo seletivo do Prouni. Para Fanon

(2008) existem marcadores sociais e simbólicos que atingem de maneira negativa à identidade do negro no mundo dos brancos, dando espaço a um confronto pelo olhar do outro. Este processo denota quase sempre violência e poder. A cor da pele, assim como o nome são características sociais que nos diferenciam, que traduzem a nossa história, nossa cultura.

ele me perguntou isso. Na hora eu ri e enfim falei: ué... como é que eu

sei se você sabe... olha pra mim. Na hora eu pensei assim, mas não falei com certeza. Ri e falei não tenho não. Porque eu tava olhando

porque aí tinha um documento do meu pai que era alguma coisa. Não sei algum documento dele que tinha e também uma especificação da cor. Mais não tem, e aí eu falei assim eu não tenho documento. Não tenho, não tenho. Mas foi estranho a pergunta. Achei estranha na hora. Eu achei estranho porque assim é justamente... eu quero voltar numa história que por causa dessa coisa que é do... do, comum por exemplo assim. Eu acho que no social, assim, eu vou ser considerado negro nos

espaços que eu vou. (Eduardo, grifo nosso).

A colocação de Eduardo nos faz refletir sobre a necessidade de ajustamento tanto na preparação dos profissionais que avaliam o processo de identificação racial da política de cotas no Prouni, como da própria metodologia que vem sendo usada por algumas instituições que aderiram a esse sistema de inclusão. Para Carvalho (2006) quando a comissão certifica ou nega a negritude de um candidato, ela retira a responsabilidade pela identidade racial da pessoa que se apresenta e com isso despolitiza o processo de afirmação de uma identidade negra, no meio acadêmico brasileiro.

Também Pinto (2006) ao tecer uma crítica ao sistema de identificação racial para uma política de cotas aponta que, as agências, a exemplo da “comissão de avaliação”, e agentes devem estar atentos para não correrem o risco de tentar criar um “critério objetivo” na aplicação de mecanismos disciplinares para o ingresso nesse sistema. Eduardo parece traduzir isso em sua fala, ao descrever um ‘critério objetivo’ vivenciado em sua história social fora da universidade para afirmar sua identidade negra, a exemplo de uma batida policial.

Eu tava fazendo cooper assim. Na hora que eu tava subindo parou um carro de polícia próximo. Parou com a arma assim, eu gelei assim. O cara apontou a arma, deita aqui que não sei o que .... aí eu fui me deitei lá. Colocaram-me a mão, então pensei...o que está acontecendo? Não entendi nada. Pensei assim eu to correndo, vem alguém e me pega. No final da história o que era houve um assalto, a uma distancia assim, um cara de boné de camisa preta tava correndo. Não tava correndo não, sumiu. Roubou e sumiu. Depois de um tempo que eu já estava lá que

eu fui a entender a história. O cara passou perto da igreja, quando uma viatura veio, o pessoal dessa igreja avisou para a viatura, que avisou para próxima que estava vindo. A próxima veio e me viu subindo o morro correndo. Então assim, eu tava na hora errada, do jeito errado. Aí me pararam. Eles ainda falaram assim, ah! é bem um cara até clarinho assim, alguém comentou sabe. Mas isso depois de muito tempo, é que eu falei que não era eu sabe. Cadê os seus documentos? Eu tava sem documento, fui correr assim. Desde desse dia eu nunca mais ando sem documento sabe? Assim, nossa foi muito humilhante para mim sabe. Foi muito humilhante mesmo. Eu demorei dia pra digerir essa história, de coisa de assim de lembrar às vezes e ter um ... tipo embrulhar o estômago uma coisa assim, porque pra mim foi muito humilhante mesmo. Teve um policial que queria me levar de qualquer forma e .... Não ele mesmo, ia pegar. ah! não sei o que! Depois de um tempo eu fiquei pensando será que se eu tivesse uns traços mais claros assim ou tivesse correndo não sei acompanhado de outra pessoa, sei lá... eles teriam me parado desse jeito? (Eduardo).

Nesse relato Eduardo apresenta que não tem dúvida de como a raça/cor é reconhecida socialmente. O significado social da cor da pele apresentado na fala de Eduardo, está em consonância com as concepções de Nogueira (1985) quando relaciona o preconceito de marca que existe no Brasil. Segundo o autor, para as pessoas que possuem uma identidade negra no Brasil, cor da pele será a marca principal de sua identificação e ao tomar como pretexto a aparência, esse tipo de preconceito, coloca as pessoas negras em situações desfavoráveis em relação a outros grupos que possuem um fenótipo diferente.

Esse sofrimento de humilhação e de desconfiança faz Eduardo se questionar sobre sua cor. Para ele, caso tivesse uns traços mais claros poderia estar livre dessa situação. Santos (1983), ao se referir ao processo de ascensão social dos negros, afirma que muitas vezes esses sujeitos sofrem um conflito e um dilema em relação a seus traços físicos e sua cor, sobretudo, quando sofrem discriminação. Para ela, o sofrimento da discriminação, coloca os negros em conflito com sua identidade racial e pode levá-los a negar o passado e o presente de sua historicidade negra, elegendo o branco como Ideal. As observações da autora confirmam o sentimento do estudante perante o seu relato. Dessa forma, pode-se dizer que, o questionamento de Eduardo traduz a visibilidade de sua cor negra, e ele parece querer fazer uso de uma invisibilidade da cor branca para evitar sofrer discriminação racial.

Eu achei estranho porque assim é justamente ... eu quero voltar numa história que por causa dessa coisa que é do... do, comum por exemplo assim. Eu acho que no social, assim, eu vou ser considerado negro nos espaços que eu vou. Eu acho. E assim então pra mim foi uma surpresa isso, eu acho. Porque por exemplo esse meu amigo assim que ele... que eu te falei dessa história toda. Ele...ele sempre falava, as vezes a gente conversava assim e eu me lembro quando começou o papo de orkut. Assim que eu comecei no orkut, eu tive... eu vi uma comunidade um dia lá que era Comunidade do Zumbi dos Palmares assim. Então eu ... Zumbi dos Palmares eu li a descrição da comunidade, falando sobre a questão de luta racial assim. Eu me interessei muito sabe, me inscrevi e me filiei a comunidade. Também vi uma outra comunidade, então me filei. Apesar de ter que, é uma questão de luta assim. Não tenho, nunca tive. É primeiro que eu tenho uma dificuldade com o Movimento. (risos) De filiar a qualquer movimento já é uma dificuldade assim. Ai é então ai, nessa época eu tinha um que chamava 4P. Que é aquela coisa “poder para o povo preto” sabe? Quatro P, que é uma coisa que tem muito a ver com o movimento Hip Hop. Que eu tenho... eu não sou fã de Hip Hop não, não gosto disso mais tem essa coisa, mas eu me inscrevi nisso. E nisso cara é, esse meu amigo a gente tava lá em casa e falando assim... cara você tem que parar com essas idéias... de ficar escrevendo nesses trens, senão não é preto não sabe. Então eu falei ah é, é sim!! (Eduardo).

Eduardo reforça que ele será reconhecido socialmente como negro e que sente um estranhamento quando a profissional e, até mesmo, seu amigo não o reconhece como negro. Nesse momento, ele traz o Movimento Hip-Hop, como um meio de afirmação de uma identidade negra, ao mesmo tempo em que explicita sua dificuldade de inserir-se em movimentos sociais negros. Nesse caso, notamos, mais uma vez, que ele “cai na armadilha” de seu próprio discurso, pelo fato de não reconhecer que o próprio Movimento Hip-Hop, mesmo sendo uma manifestação cultural, é considerado um movimento político e social que denuncia a realidade e as desigualdades raciais e sociais. De acordo com Mische (1997), os jovens precisam experimentar um reconhecimento coletivo que potencialize sua identidade e seu projeto de vida, o que a autora denomina de círculo de

reconhecimento. Eduardo tenta fazer isso ao ingressar nas redes de

relacionamento do Orkut, como se ele quisesse fazer parte de algum grupo de reconhecimento identitário mesmo que de comunidades virtuais.

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL São Paulo (páginas 128-132)