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O sujeito que fala

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL São Paulo (páginas 115-119)

CAPÍTULO 5. Dialogando com o sujeito da pesquisa

5.2 O sujeito que fala

Com o objetivo de dar início aos relatos que poderiam trazer respostas relacionadas à sua experiência de vida, a entrevista foi iniciada com a seguinte pergunta: “Quem é você e qual o seu projeto de vida?”,

Quem é o Eduardo? Pergunta interessante! (risos) Mas é... o Eduardo. Tenho 25 anos. É falar da minha história é mais fácil do que falar de

quem sou eu, eu acho (Eduardo, grifo nosso).

É comum as pessoas responderem a essa pergunta falando o seu nome. Entretanto, no momento que se esperava que ele entrasse mais em sua singularidade, isso não acontece. Ele aponta que falar de sua trajetória é menos caro do que ter que marcar sua diferença por meio da intrigante e infindável pergunta. Entretanto, como será visto ao longo desta análise, Eduardo ao optar

por falar de sua história, como uma maneira de falar de si mesmo, encontrou a melhor maneira para desvelar, reconstruir processos pessoais e históricos vivenciados por ele em diferentes contextos de sua vida, o que considero como marcas positivas para a constituição de uma identidade, visto que, conforme aponta Goffman (1988) ao se referir à identidade pessoal, serão os fatos da história de vida do sujeito que o diferenciarão de todos os outros.

Depois de ter se identificado, Eduardo privilegia no seu relato inicial o tema de sua estratégia de ascensão social, dando ênfase às suas dificuldades e à superação para entrar na universidade.

É, terminei o Ensino médio em 2001. Levei um tempo pra entrar aqui (na universidade). Fui entrar em 2006, já no segundo semestre. No primeiro semestre de 2006. É eu tive muita dificuldade, por questões

financeiras. E assim nesse período entre 2001 e 2006, foi um período

em que eu fiquei tentando muito concurso público. Vestibular eu deixei de lado, fui fazer só o de 2005 na Federal pra História. Inclusive, na verdade foi para História porque... era um curso que eu queria a noite. Queria trabalhar durante o dia e fazer um curso noturno, e dos que tinham a noite História era o que me interessava mais. Assim eu prestei para História, Psicologia, para Filosofia. Um desses três cursos. Filosofia foi impossível na época e Psicologia também pelo período que era. Então fiz para História. Foi o único vestibular que eu fiz mesmo, porque aqui no Prouni, foi com a prova do ENEM, que não é bem um vestibular. (Eduardo, grifo nosso).

Tal trajetória remete aos dados, já trabalhados no segundo capítulo, que apontam as diferenças educacionais entre negros e brancos. Esta diferença quase sempre se dá em função de uma entrada precoce de jovens negros no mercado de trabalho, obrigando-os a protelar sua entrada no ensino superior, como foi o caso de Eduardo. Ao relatar sua primeira tentativa de ingressar em um curso superior em uma universidade pública, ele deixa claro que os cursos de seu maior interesse não eram compatíveis com sua realidade social. Em seguida, fala do resultado de seus esforços pessoais para a concretização de seu desejo.

Assim então nesse período de 2001 a 2006 fiquei estudando para concurso público. Fiz um tanto, uns eu estudei de verdade, outros eu fiz

a inscrição e não estudei. Assim, hoje estou aqui na UEMG, na Universidade do Estado. Passei num outro que era no Conselho de

Enfermagem, que eu deixei. Fiz uma escolha e tal. Mais assim, hoje é inclusive uma das dificuldades minha, porque por ser concursado eu ainda não consegui sair do trabalho para tentar um estágio na área. Trabalho oito horas. E assim, e estou num setor que não tem nada a ver comigo assim. Nada a ver com o curso sabe? É um trabalho que é, por exemplo, um trabalho tipo esses meninos da Cruz Vermelha fazem aqui

que é levar equipamento na sala e tal. Então assim, ... o meu dilema atual é esse. Essa coisa de sair do trabalho que é um concurso e tentar arriscar alguma coisa na área de psicologia. E que ainda não consegui fazer essa escolha. (Eduardo, grifo nosso).

A sua narrativa nos mostra que a alegria de sua conquista por um cargo público não durou muito tempo. Ele se vê dividido entre conciliar o horário de trabalho e o seu aproveitamento no curso. Ele se depara com uma realidade que não corresponde às suas expectativas, parece se sentir desvalorizado por estar exercendo uma função aquém de sua formação acadêmica e tenta enfrentar a realidade, pensando em abandonar o emprego público para investir nos seus projetos pessoais.

Agora essa semana eu vou tentar negociar um horário para ver se eu consigo trabalhar só pela manhã. Se eles me liberarem à tarde, eu possa pensar em algum outro projeto dentro da universidade. Algum outro estágio, mais ainda está tudo assim em aberto. Mais a minha dificuldade atual é essa... por causa dessa questão toda de trabalho eu acho que eu ainda estou um pouco perdido assim. Porque eu não sei se

eu, por exemplo, se eu chuto o concurso e vou arriscar tudo para tentar na área. Ou se eu fico no concurso e vou arrumando um jeito para fazer

outro estágio voluntário, se tento escrever um artigo. Então eu estou

com muita dificuldade. Porque quando eu entrei no curso, assim, logo

no começo eu comecei a pensar dessa forma, eu quero formar em psicologia e fazer um mestrado em Filosofia, foi esse meu pensamento. Quando eu entrei ainda não estava trabalhando, só dois meses depois que eu fui chamado nesse concurso. Fiquei preso no trabalho, e no ano passado que eu meio que dei conta de como estava minha vida acadêmica, se já não estava um pouco distante assim. (Eduardo).

A sua auto-determinação para conseguir ser aprovado em um concurso público faz com que ele aja e transforme o desejo (subjetividade) em ação (objetividade). É um desejo que se concretiza, pois é sujeito de sua história. Entretanto, apesar de todo investimento para realizar o desejo, ele se depara com a realidade, o que explicita o conflito existente entre o seu projeto profissional e o educacional. A dedicação de oito horas de trabalho o impede de se dedicar plenamente ao curso como gostaria. Além disso, a percepção de que a sua atividade profissional não contribuía em nada para a sua formação acadêmica faz com que ele questione suas escolhas e a forma pela qual está construindo seu projeto de vida. Ao longo da entrevista, ele vai se dando conta de que nem sempre suas escolhas estavam direcionadas aos seus desejos e realizações pessoais.

Eu estou no sétimo agora. Porque eu estava um pouco distante assim. Não assim, nossa não dá tempo mais não tem jeito. Mais eu reparei que meu percurso não tinha sido nem pra vida acadêmica, nem pra vida profissional. Até então eu não tinha feito nenhum estágio fora e também não tinha nada assim. Não tinha me envolvido em nenhum projeto de pesquisa. Não tinha escrito nenhum artigo e foi até assim uma coisa meio difícil na época. Falei nossa... O que é que eu estou fazendo do

curso? Sabe, eu fiquei com essa sensação. Comecei a pensar nisso. E

assim, podia escrever um projeto tipo Probic. Foi nessa época que eu

comecei com pensamento nesse projeto. Um artigo que eu até já tive na

biblioteca pesquisando. Comecei a escrever um artigo sobre a ansiedade. Até estou olhando para tentar publicar, terminar e tudo. Então assim mais, ... estou com uma ansiedade mesmo. É de sentir uma indefinição que eu não caminhei nem pra área profissional, eu acho até agora. E nem caminhei pra um direcionamento pra vida acadêmica, de entrar como bolsista em algum projeto que sempre é possível. Eu acho assim. Ainda não sei o que eu vou fazer direitinho esse ano, mais eu ainda tenho uma idéia de iniciação científica. (Eduardo).

A narrativa de Eduardo revela como o jovem negro na universidade é atravessado por diferentes dilemas. Ele se sente ansioso e parece escolher a escrita para falar de suas angústias e dificuldades nesse processo. Essa escolha não foi gratuita, ela traduz a sua própria vivência pessoal e aponta como ele precisa aprender a administrar um novo contexto social, apreender novos conhecimentos, relacionar-se com novas amizades e adquirir novas habilidades.

Então, assim eu até já tenho outro tema de interesse. Cheguei a conversar com alguém que poderia me orientar. Tem uma coisa que é ligada à maconha. Que é o seguinte, era a principio a representação

social do estudante de psicologia em relação ao consumo mesmo, que é uma coisa que vai encontrar em todo lado. No campo de saúde

mental. É na Clínica. Vai encontrar assim, o consumo mesmo. Assim eu penso em drogas em geral, mas para dar um recorte tem que ser na maconha que ainda tem essa coisa. Não é uma coisa que assusta tanto quanto o crack, ainda. Que hoje já é mais aceito pelo povo. Essa é a minha compreensão. Por um lado você às vezes escuta um estudante que é totalmente contra, outro que é a favor. Uma coisa natural, então eu fiquei curioso com isso. Então eu pensei nisso, a representação social. Aí eu cheguei a conversar com a professora tal a respeito. Depois eu ainda estava comentando com alguém sobre isso. Então, me falaram, ah! Isso não é só representação social, eu acho que este tema esta meio falido hoje. Hoje todo mundo esta usando. Então, eu fui olhar nas monografias do ano passado que tinha pelo menos umas 4 ou 5 representações sociais assim: a representação social do adolescente e de outras coisas. Também é um tema que me interessa muito. Então estava pensando nestas coisas para resolver este ano. Mesmo que não for para um projeto de pesquisa assim. Que fosse um tema de monografia. De qualquer forma esse semestre eu pretendo meio que dá uma olhada nestas coisas. (Eduardo, grifo nosso)

Ao introduzir o tema da representação social e das drogas como seus temas de interesse de pesquisa, ele não menciona nenhum contexto relacionado à sua própria representação social. Esses temas serão retomados por ele em outro momento.

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA SOCIAL São Paulo (páginas 115-119)