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CAPÍTULO III – AUTO DE INFRAÇÃO

1. AUTO DE INFRAÇÃO

Auto de infração é palavra polissêmica73. Das possíveis acepções surgem quatro correntes doutrinárias para conceituar auto de infração: veículo introdutor de normas jurídicas74; a norma concreta e individual que documenta uma infração75; o suporte físico que insere outras normas individuais e concretas76; ou o lançamento de ofício77.

Antes de discorremos sobre as correntes doutrinárias, destacamos que o auto de infração pode constituir: a) o crédito tributário no lançamento de ofício e aplicar a penalidade cabível, denominado de auto de infração lato sensu e subsiste com duas normas jurídicas: a norma primária dispositiva e a norma primária sancionadora; ou b) somente aplicar a penalidade cabível, denominado de auto de infração stricto

sensu e subsiste com a norma primária sancionadora78.

73 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A prova no Direito Tributário. 3. ed. São Paulo, Editora Noeses,

2011/2012, p. 321.

74 CAMPILONGO, op. cit., p. 114; e GUERRA, op. cit., p. 41.

75 BORGES, José Souto Maior. Lançamento tributário. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 155-156;

e CARVALHO, 2011, p. 324.

76 GONÇALVES, José Artur Lima. Imposto sobre a renda: pressupostos constitucionais. São Paulo:

Malheiros, 2002, p. 101; SANTI, 2010, p. 170; e TOMÉ, 2011/2012, p. 321.

77 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. 10. ed. São Paulo: Dialética, 2012,

p. 341.

A aplicação de uma penalidade pressupõe a prática de um ato ilícito constituído pelo descumprimento de uma norma tributária. Assim, como no auto de infração lato sensu e no auto de infração stricto sensu podem ser aplicadas penalidades, denota-se que é pressuposto para a sua lavratura a prática pelo contribuinte de um ato ilícito no descumprimento de uma norma tributária, que tem como consequência a aplicação de uma sanção79.

Passamos a discorrer sobre as posições doutrinárias.

A primeira corrente, que entende que auto de infração é veículo introdutor de norma concreta e individual, parte da concepção de que as normas jurídicas são inseridas no ordenamento jurídico em pares: norma introdutora e norma introduzida. A norma introdutora é o veículo introdutor da norma introduzida, em que a primeira é o auto de infração como norma concreta e geral e, a segunda, o lançamento tributário e a imposição de penalidade, como normas concretas e individuais. O auto de infração como norma concreta e geral é composto de um antecedente que constitui o fato jurídico tributário ilícito e no consequente há a previsão da instauração da relação jurídica tributária com os sujeitos indeterminados, mas especificadamente, com o sujeito passivo, pois o sujeito ativo, geralmente, já está determinado na pessoa do ente competente tributante.

A segunda corrente entende que o auto de infração é a norma concreta e individual que no antecedente constitui o fato jurídico tributário ilícito e no consequente instaura a relação jurídica tributária entre o contribuinte como sujeito passivo e o ente tributante como sujeito ativo, aplicando a sanção cabível.

79 Nosso entendimento concorda com Marcos Vinicius Neder e Maria Teresa Martinez López (2004,

A terceira corrente entende que o auto de infração é o suporte físico que: “[...] veicula os enunciados das várias normas que se instalam na concretude deste substrato único”, do qual pode conter quatro atos administrativos distintos: “[...] (i) fato jurídico tributário, (ii) fato jurídico do não pagamento, (iii) fato jurídico da mora e (iv) fato jurídico sancionador instrumental”80.

Por fim, a quarta corrente entende que o auto de infração é o autêntico lançamento de ofício, defendendo que no art. 142 do CTN81 há previsão de que o lançamento tributário pode aplicar a penalidade cabível, quando for o caso, não havendo problemas de ordem semântica na sua lavratura para constituir o crédito tributário e aplicar a penalidade. Ademais, defendem que o lançamento tributário é atividade privativa da Autoridade Administrativa de constituir o crédito tributário e aplicar a penalidade cabível. O lançamento de ofício regulado no art. 14982 do CTN,

80 SANTI, 2010, p. 171.

81 Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo

lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.

82 Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes

casos: I - quando a lei assim o determine; II - quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária; III - quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade; IV - quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória; V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da

é o único, dentre as modalidades descritas no diploma (a saber: o lançamento por homologação e o lançamento por declaração), que é lavrado pelo Fisco, sem a participação do contribuinte, sendo o autêntico lançamento tributário.

Primeiramente, defendemos que há uma impropriedade no art. 142 do CTN quando o legislador previu “[...] sendo o caso, propor a aplicação da penalidade cabível”83.

O lançamento tributário constitui o fato jurídico tributário lícito advindo da instituição do tributo, e a aplicação da penalidade é substrato de fato jurídico tributário ilícito. Pela natureza do fato jurídico constituído, licito e ilícito, essas normas não podem ser tratadas como de mesma classe. Nesse sentido, o lançamento tributário é norma primária dispositiva, e a aplicação da penalidade é norma primária sancionadora, em que a primeira descreve no antecedente um fato lícito, e a segunda um fato ilícito pelo descumprimento da primeira norma. Vejamos:

pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte; VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária; VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação; VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior; IX - quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial. Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.

83 Coincidem com nosso entendimento: Estevão Horvath (

Lançamento Tributário e “Autolançamento”. 2. ed. São Paulo, Editora Quartier Latin, 2010, p. 81); e Fabiana Del Padre Tomé (2011/2012, p. 317). Discorda do entendimento: Luciano Amaro (Direito tributário brasileiro. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 372).

o tributo é constituído pelo lançamento tributário. É, conforme o art. 384 do CTN, um ato “que não constitua sanção de ato ilícito” e consiste na obrigação de pagar determinada quantia ao Fisco. Constituído o crédito tributário pelo lançamento, instaura-se a relação jurídica entre o Fisco e o contribuinte que deve recolher aos cofres públicos a quantia determinada (norma primária dispositiva). Não tendo sido realizado o pagamento, incide a aplicação da penalidade pelo seu descumprimento em que o Fisco constitui, além do crédito tributário pelo lançamento, as penalidades legais pelo descumprimento do pagamento do tributo (norma primária sancionadora). Assim, não há possibilidade de nos filiarmos à quarta corrente.

Contudo, concordamos pelos seus fundamentos com essa corrente de que o lançamento de ofício é o autêntico lançamento tributário85.

Discordamos também do conceito de auto de infração da primeira e da segunda corrente. Vejamos:

O auto de infração tem como pressuposto a prática de um ato ilícito. O ato ilícito é um evento que ocorreu no tempo e no espaço e se caracteriza por uma conduta ilegal. Ingressa, segundo as nossas premissas, no ordenamento jurídico, quando é relatado em linguagem competente, constituindo o fato jurídico tributário ilícito. Nesse momento, teremos uma norma com antecedente concreto. Ademais, apurada a prática do ato ilícito, o contribuinte é identificado e o consequente está individualizado. Logo, o auto de infração é norma concreta e individual. Dessa forma,

84 Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa

exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

85 Nossa posição concorda com: Francisco de Assis Praxedes (Tributo sujeito a lançamento por

homologação e não pago: cabimento de lançamento de ofício. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n°. 63, p. 63); e CAMPILONGO, op. cit., p. 100.

discordamos da primeira corrente que entende que o auto de infração é norma concreta e geral.

Parece com isso que nos filiamos a segunda corrente. Contudo, como já transcorrido, o auto de infração é constituído pelo lançamento tributário e pela aplicação da penalidade, ou só a aplicação da penalidade. Tratam-se de normas jurídicas distintas: uma norma primária dispositiva e a outra norma primária sancionadora. Ambas as normas são concretas e individuais, se diferenciando pelo antecedente, em que na primeira é um fato jurídico tributário lícito e na segunda um fato jurídico tributário ilícito. Assim, não podem ser tratadas como de mesma classe, como é na segunda corrente.

Desse modo, nos filiamos à quarta corrente, em que o auto de infração é suporte físico ou veículo introdutor de outras normas jurídicas.

Como suporte físico, o auto de infração é norma concreta e individual que no antecedente constitui o fato jurídico tributário ilícito (pressuposto de sua lavratura) e no consequente instaura a relação jurídica tributária entre o contribuinte e o Fisco. Veicula a norma primária dispositiva no lançamento tributário e/ou a norma primária sancionadora na aplicação de penalidade, ambas normas concretas e individuais.

Definido o conceito de auto de infração, entendemos ser pertinente para a exposição deste trabalho fazer uma breve consideração sobre sua sistematização legal.

O regime jurídico tributário é constituído por três relações jurídicas: a) a de recolher aos cofres públicos determinada importância a título de tributo; b) a de cumprir com deveres instrumentais que têm a função de constituir os fatos jurídicos tributários e a de auxiliar na ação de arrecadação e fiscalização do Fisco; e c) a de

sofrer a aplicação de penalidade legal por descumprir com uma dessas relações jurídicas: de pagar o tributo ou de praticar um dever instrumental.

Para que o Fisco aplique a penalidade ao infrator, é necessário que tenha elementos e provas da prática do ato ilícito, que geralmente são colhidos em procedimentos de fiscalização.

O procedimento de fiscalização está previsto nos arts. 7°86, 8°87 e 9°88 do PAF e constitui-se pela emissão do MPF89.

86 Art. 7º O procedimento fiscal tem início com: I - o primeiro ato de ofício, escrito, praticado por

servidor competente, cientificado o sujeito passivo da obrigação tributária ou seu preposto; II - a apreensão de mercadorias, documentos ou livros; III - o começo de despacho aduaneiro de mercadoria importada. § 1° O início do procedimento exclui a espontaneidade do sujeito passivo em relação aos atos anteriores e, independentemente de intimação a dos demais envolvidos nas infrações verificadas. § 2° Para os efeitos do disposto no § 1º, os atos referidos nos incisos I e II valerão pelo prazo de sessenta dias, prorrogável, sucessivamente, por igual período, com qualquer outro ato escrito que indique o prosseguimento dos trabalhos.

87 Art. 8º Os termos decorrentes de atividade fiscalizadora serão lavrados, sempre que possível, em

livro fiscal, extraindo-se cópia para anexação ao processo; quando não lavrados em livro, entregar- se-á cópia autenticada à pessoa sob fiscalização.

88 Art. 9o A exigência do crédito tributário e a aplicação de penalidade isolada serão formalizados em

autos de infração ou notificações de lançamento, distintos para cada tributo ou penalidade, os quais deverão estar instruídos com todos os termos, depoimentos, laudos e demais elementos de prova indispensáveis à comprovação do ilícito. § 1o Os autos de infração e as notificações de lançamento

de que trata o caput deste artigo, formalizados em relação ao mesmo sujeito passivo, podem ser objeto de um único processo, quando a comprovação dos ilícitos depender dos mesmos elementos de prova. § 2º Os procedimentos de que tratam este artigo e o art. 7º serão válidos, mesmo que formalizados por servidor competente de jurisdição diversa da do domicílio tributário do sujeito passivo. § 3º A formalização da exigência, nos termos do parágrafo anterior, previne a jurisdição e prorroga a competência da autoridade que dela primeiro conhecer. § 4o O disposto no caput deste

O MPF tem por objetivo cientificar o contribuinte do início da ação de fiscalização.

A ação fiscal é encerrada com a lavratura de Termo de Encerramento de Ação Fiscal, acompanhado, se for o caso, de Relatório Fiscal e da lavratura do Auto de Infração, que deve observar os requisitos previstos no art. 10 do PAF, quais sejam:

Art. 10. O auto de infração será lavrado por servidor competente, no local da verificação da falta, e conterá obrigatoriamente:

I - a qualificação do autuado;

II - o local, a data e a hora da lavratura; III - a descrição do fato;

artigo aplica-se também nas hipóteses em que, constatada infração à legislação tributária, dela não resulte exigência de crédito tributário. § 5o Os autos de infração e as notificações de lançamento de

que trata o caput deste artigo, formalizados em decorrência de fiscalização relacionada a regime especial unificado de arrecadação de tributos, poderão conter lançamento único para todos os tributos por eles abrangidos. § 6o O disposto no caput deste artigo não se aplica às contribuições de que trata o art. 3o da Lei no 11.457, de 16 de março de 2007.

89 No dia 04/9/2014 foi publicado o Decreto n°. 8.303/14 que “extinguiu” o MPF. Estabeleceu a norma

que os procedimentos de fiscalização terão inícios com a expedição prévia de TDPF, que ficaram a cargo dos Auditores-Fiscais da RFB. A Portaria RFB 1.687/14, publicada no dia 18/9/2014, regulamentou esse novo procedimento de fiscalização. Destacamos que essas alterações apresentam uma nova sistemática de fiscalização no âmbito interno da Administração, o que não afeta o nosso estudo diante do corte legislativo que fizemos ao determinar que iríamos fundamentar no PAF, que não sofreu alterações. Assim, entendemos que não houve a extinção do MPF como o instrumento de ciência ao contribuinte da instauração de procedimento de fiscalização, mas sim a alteração de sua denominação para TDPF. Continuaremos denominando de MPF, conforme previsão legal.

IV - a disposição legal infringida e a penalidade aplicável;

V - a determinação da exigência e a intimação para cumpri-la ou impugná-la no prazo de trinta dias;

VI - a assinatura do autuante e a indicação de seu cargo ou função e o número de matrícula.

Esse é o procedimento de fiscalização para a constatação da prática de um ato ilícito pelo contribuinte e a lavratura do auto de infração pelo Fisco.

No mais, entendemos que o Fisco também pode lavrar o auto de infração por meio da dispensa do MPF, desde que tenha todos os elementos e provas da prática do ato ilícito.

Contudo, não é pacífico esse entendimento, havendo doutrinadores90 que defendem que o contribuinte deve ter ciência da existência de um procedimento de fiscalização, não podendo sofrer fiscalização sem ato de conhecimento.

Já o CARF tem o entendimento de que o Fisco pode dispensar o MPF, que é procedimento interno da Administração, e sua ausência não afeta a validade do auto de infração lavrado, confirmando nossa posição. Leia-se:

MANDADO DE PROCEDIMENTO FISCAL MPF. INSTRUMENTO DE CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO. INEXISTÊNCIA QUE NÃO CAUSA NULIDADE DO LANÇAMENTO. O Mandado de Procedimento Fiscal MPF constitui-se em instrumento de controle

90 CARRAZZA, Roque Antonio; BOTTALLO, Eduardo D. Mandado de procedimento fiscal e

espontaneidade. Revista Dialética de Direito Tributário, n°. 80, Dialética, São Paulo, maio de 2002, p. 104; e NEDER, Marcos Vinicius; LÓPEZ, Maria Teresa Martinez. Processo administrativo fiscal federal comentado. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 110-111.

criado pela Administração Tributária para dar segurança e transparência à relação fisco-contribuinte, que objetiva assegurar ao sujeito passivo que o agente fiscal indicado recebeu da Administração a incumbência para executar a ação fiscal. Pelo MPF o auditor está autorizado a dar início ou a levar adiante o procedimento fiscal. (CARF, Recurso Voluntário, 4ª Câmara - 2ª Turma Ordinária, Acórdão n°. 1402-001.661, Processo n°. 19740.000006/2004-83, sessão de 06/05/2014, Relator Conselheiro Carlos Pelá).

O momento da lavratura do auto de infração é o de constituição em linguagem competente da prática do ato ilícito e do ingresso da norma jurídica no ordenamento, passando a existir e ter a sua validade presumida.

Lavrado o auto de infração, deve o contribuinte ser intimado para: a) tomar conhecimento dos fatos relatados pelo Fisco, dando eficácia ao ato; e b) exercer o seu direito de defesa, ou seja, o contraditório e a ampla defesa, uma vez que até o presente momento não pode se manifestar quanto aos fatos apurados na fiscalização. Isso posto, o auto de infração é lavrado com a exclusiva participação e entendimento do Fisco, como veremos a seguir.

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