PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Marly Moreira Couto Criales
Nulidade no Auto de Infração
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Marly Moreira Couto Criales
Nulidade no Auto de Infração
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de
MESTRE em Direito Tributário, sob a
orientação da Profa. Dra. Clarice von
Oertzen de Araújo.
SÃO PAULO
Banca Examinadora
______________________________________
______________________________________
Com todo meu amor a José Eimar, Luiz
AGRADECIMENTO
Primeiramente, a Deus pela dádiva da vida e a benção nesta produção.
Ao meu marido e melhor amigo, Luiz André, que me apoiou e ajudou na
realização deste sonho.
Aos meus pais, Margarida Maria e José Eimar, pelo amor incondicional e que
sempre me incentivaram a estudar, fazendo nascer o sonho que hoje realizo. Nada
seria sem os seus ensinamentos.
Aos meus irmãos, Beatriz e Rogério, pelas alegrias que seus filhos, Gustavo e
Leonardo, me dão e por compreenderem a minha ausência durante este último ano.
À minha cunhada Gladys e sua família por me ajudarem no abstract.
Aos meus melhores amigos, Taciana, Marcia e Luiz, pelas palavras de apoio
e incentivo.
À minha orientadora, Clarice von Oertzen de Araújo, que não só contribuiu
para a produção deste trabalho com suas orientações, mas proporcionou meu
amadurecimento profissional e intelectual.
À Professora Fabiana Del Padre Tomé e ao Professor Tácio Lacerda Gama
pelas contribuições preciosas no exame de qualificação.
Aos professores de mestrado: Paulo de Barros Carvalho, Charles Willian
Mcnaughton, Estevão Horvath, Roque Antonio Carrazza e Robson Maia Lins, por
todos os ensinamentos e discussões.
Ao Rui e Rafael que sempre foram atenciosos e dispostos a me ajudarem.
A todos que direta ou indiretamente contribuíram para a produção deste
Nulidade no auto de infração
Marly Moreira Couto Criales
RESUMO: O objetivo do trabalho é estudar as invalidades no auto de infração por
desrespeito aos requisitos obrigatórios para a sua lavratura, com a finalidade de
determinar os critérios de classificação das espécies de invalidades, vícios e seus
efeitos, relacionado aos requisitos no art. 10 do Decreto n°. 70.235/72. O estudo tem
início com o entendimento de norma jurídica como uma construção do ser humano
ao interpretar os textos de lei e atribuir-lhes significação. Trabalha a invalidade como
antítese da validade, e analisa os conceitos de validade, existência e eficácia das
normas jurídica. Em seguida, estuda o auto de infração como ato administrativo para
definir que os seus requisitos de lavratura são compostos de elementos intrínsecos e
pressupostos de validade. Por fim, analisa as teorias de invalidade e sua aplicação
no Direito Tributário, para concluir que são duas as espécies de invalidade, nulidade
e anulabilidade, as quais se relacionam com os vícios materiais e formais.
Nullity of Tax Notice
Marly Moreira Couto Criales
ABSTRACT: This paper’s purpose is to study the invalidities on the tax notice for
disrespect of mandatory requirements for its transcription with the purpose of
determining the criteria for the classification of types of invalidities, defects and their
effects, related to the requirements of act 10 of decree 70.235 /72. The study begins
with the understanding of the rules of law as a construction of the human being to
interpret the texts of law and give them meaning. It works invalidity as the antithesis
of validity, and analyzes the concepts of validity, existence and effectiveness of legal
standards. Then, it studies the tax notice as an administrative act to define that their
requirements for transcription are composed of intrinsic elements and assumptions of
validity. Finally, it analyzes the theories of invalidity and its application in Tax Law, to
conclude that there are two types of invalidity, nullity and voidability, which relate to
material and formal defects.
LISTA DE ABREVIATURAS
AgRg Agravo Regimental
ART. Artigo
CARF Conselho Administrativo de Recursos Fiscais
CC Código Civil
CTN Código Tributário Nacional
DCTF Declaração de débitos e créditos tributários federais
DIPJ Declaração de informações econômico-fiscais da Pessoa Jurídica
DIRPF Declaração do Imposto sobre a Renda de Pessoa Física
IRPJ Imposto de Renda de Pessoa Jurídica
LPA Lei n°. 9.784, de 29 de janeiro de 1999
MPF Mandado de Procedimento Fiscal
MS Mandado de Segurança
PAF Decreto n°. 70.235, de 06 de março de 1972
REsp Recurso Especial
RFB Receita Federal do Brasil
RMIT Regra-Matriz de Incidência Tributária
RMS Recurso Ordinário em Mandado de Segurança
STJ Superior Tribunal de Justiça
STF Supremo Tribunal Federal
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ... 10
CAPÍTULO I – NORMA JURÍDICA ... 16
1. DIREITO: LINGUAGEM E REALIDADE ... 16
2. A NORMA JURÍDICA NO CONSTRUCTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO ... 17
2.1. Estrutura Lógica: A → C ... 20
2.2. Norma jurídica tributária ... 25
3. NORMA JURÍDICA COMPLETA ... 27
4. NORMA: ABSTRATA E CONCRETA, GERAL E INDIVIDUAL ... 31
5. PROCESSO DE POSITIVAÇÃO DO DIREITO ... 33
CAPÍTULO II – EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA DA NORMA JURÍDICA .... 38
1. EXISTÊNCIA E VALIDADE DAS NORMAS JURÍDICAS ... 38
1.1. Teoria de Pontes de Miranda ... 39
1.2. Teoria de Norberto Bobbio ... 41
1.3. Teoria de Paulo de Barros Carvalho ... 44
1.4. Nossa posição ... 46
2. EFICÁCIA DAS NORMAS JURÍDICAS ... 49
CAPÍTULO III – AUTO DE INFRAÇÃO ... 53
1. AUTO DE INFRAÇÃO ... 53
2. AUTO DE INFRAÇÃO E O ATO ADMINISTRATIVO ... 62
4. AUTO DE INFRAÇÃO E OS REQUISITOS DO ATO ADMINISTRATIVO ... 69
4.1. Elementos intrínsecos ... 72
4.2. Pressupostos de validade ... 75
CAPÍTULO IV – INVALIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO... 81
1. HISTÓRICO DA TEORIA DA NULIDADE ... 81
2. INVALIDADE NO DIREITO CIVIL ... 83
3. INVALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO ... 87
4. INVALIDADE NO DIREITO TRIBUTÁRIO ... 94
5. PRINCÍPIO DO PREJUÍZO ... 98
6. ATOS IRREGULARES ... 105
7. VÍCIOS NO AUTO DE INFRAÇÃO... 109
CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 120
INTRODUÇÃO
O direito tributário é regido por princípios gerais e específicos. Dentre esses
princípios, destacamos o da estrita legalidade e da tipicidade, inerentes ao sistema
tributário, que preveem que os entes tributantes – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – só têm competência para tributar – consistente em instituir, arrecadar e fiscalizar os tributos – nos estritos limites das leis em vigor.
Esses princípios garantem aos contribuintes não sofrerem abusos na
tributação, bem como asseguram ao ordenamento jurídico sua necessária
estabilidade junto com o princípio da segurança jurídica.
O desrespeito a esses princípios gera uma ilegalidade no ato de produção
normativa por haver um desajuste entre as disposições legais (norma abstrata e
geral) e a norma jurídica introduzida (norma concreta e individual), que pode
acarretar a expulsão da norma do sistema pela decretação de sua “nulidade”.
Nesse contexto, o presente estudo será realizado, destacando os seguintes
aspectos:
O auto de infração é ato administrativo em que o Fisco, constatando a
ocorrência de um ato ilícito, efetua o lançamento de ofício do tributo, quando for o
caso, e aplica a penalidade ao infrator.
Para a lavratura do auto de infração, a lei prescreve requisitos essenciais de
procedibilidade e de conteúdo. O desrespeito a um desses requisitos pode gerar um
defeito (vício) na norma jurídica introduzida e, consequentemente, uma ilegalidade
que acarrete a decretação de “nulidade” do ato normativo, fazendo cessar a
do crédito tributário; ou da possibilidade de lavrar novo auto de infração ou
lançamento de ofício para constituir o crédito tributário.
Nesse contexto, realizaremos o nosso estudo na análise dos requisitos legais
para a lavratura do auto de infração e os possíveis desajustes na norma introduzida,
pretendendo sistematizar as “nulidades” para classificar suas espécies; os vícios e
seus efeitos.
Tentaremos responder às seguintes perguntas durante a exposição:
1) Como é regido e aplicado o sistema das “nulidades” no Direito
Tributário? Quais são os seus critérios?
2) Quais são as espécies de “nulidades”?
3) Quais são os vícios e seus efeitos?
4) Na relação com os requisitos de lavratura do auto de infração, como se
processa a sistematização em relação à “nulidade”?
Para tanto, antes de expormos o percurso da pesquisa, fixamos três
premissas que consideramos relevantes à compreensão do assunto com o fim de
garantir coerência à produção científica.
A primeira premissa fixada é que trabalhamos com as normas jurídicas
vigentes. Partimos do conceito de direito positivo como o conjunto de normas
jurídicas válidas em uma determinada sociedade. Tudo, para ser direito, é norma
jurídica, inserida no ordenamento por ato: (i) Poder Legislativo na edição de leis; (ii)
Poder Judiciário nas prolações de sentenças e acórdãos; (iii) Administração Pública,
por meio, especialmente, da edição de atos administrativos, em que destacamos o
auto de infração; e (iv) particular, por exemplo, na emissão do “autolançamento” e do
A segunda premissa fixada é a de que entendemos “nulidade” como a
invalidade1 da norma jurídica. Com isso, trabalhamos a “nulidade” como a antítese
da validade, fixando o entendimento, neste momento, de que o rol do art. 59 do PAF,
que trata das “nulidades”, é exemplificativo2.
Ademais, o termo “nulidade” é ambíguo, sendo utilizado para denotar o
gênero e a espécie. Logo, para assegurar o rigor científico, a partir deste momento,
o denominaremos de invalidade3.
A terceira premissa que fixamos é que analisaremos o auto de infração no
âmbito da competência tributária da União, que é regido pelo Decreto n°. 70.235/72,
que trata do Processo Administrativo Fiscal, e pela Lei n°. 9.784/99, que estabelece
as normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração
Federal.
Além da fixação das premissas, o conhecimento científico requer a aplicação
de um método em que o sujeito cognoscente determina um sistema de referência
para se aproximar do objeto de estudo e construir um discurso científico coerente.
1 Fica superada a corrente que defende que nulidade é a aplicação de uma sanção por desrespeito ao preceito legal, defendida por: Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho (As nulidades no processo penal. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 26); Clovis Bevilaqua (Theoria geral do direito civil. Atualizada por Achilles Bevilaqua. 6. ed. Rio de Janeiro: Editora Paulo de Azevedo, 1953, p. 3); e Maria Helena Diniz (Curso de direito civil brasileiro, v. 1: teoria geral do direito civil. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 557).
2 NEDER, Marcos Vinicius; LÓPEZ, Maria Teresa Martinez. Processo administrativo fiscal federal comentado. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 478.
Optamos por utilizar no desenvolvimento deste trabalho o método do
Constructivismo Lógico-Semântico, que foi desenvolvido por Lourival Vilanova e
aprofundado por Paulo de Barros Carvalho4.
Esse método tem como referencial filosófico a Filosofia da Linguagem que
entende: (i) a linguagem cria a realidade; (ii) só conhecemos o que é apreendido
pela linguagem; (iii) o ser humano atribui os sentidos (significados) aos termos
linguísticos com base nas suas referências culturais, a fim de criar a realidade; e (iv)
a linguagem é fenômeno comunicacional que precisa ser interpretada para haver
comunicação. Utiliza a Semiótica nesse processo.
Nesse referencial, o direito é concebido como um fenômeno linguístico em
que para ser compreendido (interpretado) é necessária a atribuição de significados
aos enunciados prescritivos, do qual os textos do direito positivo são ambíguos e
vagos, cabendo ao Cientista do Direito, ao interpretá-los, dar coerência à mensagem
legislada.
Assim, o método que trabalharemos tem duas vertentes: a) a atribuição de
sentido é construída (Constructivismo) pelo sujeito ao interpretar os fenômenos
linguísticos; e a interpretação opera no b) plano lógico-semântico
(Lógico-Semântico) com o fim de dar formalismo ao discurso e uma aproximação do objeto.
Não se trata de abandonar o plano pragmático, mas de dar ênfase a esses dois
planos.
Nesse contexto, o Cientista do Direito decompõe o seu objeto de estudo em
uma linguagem formalizada para garantir rigor ao discurso científico, extraindo às
ambiguidades e vaguezas com aplicações de conceitos de Lógica Jurídica e de
Semiótica.
Nessa conjuntura, o estudo foi sistematizado em quatro capítulos dos quais
percorremos estudos pela Teoria Geral do Direito, Direito Civil, Direito
Administrativo, Direito Tributário e Direito Processual Tributário.
No primeiro capítulo trataremos da definição de norma jurídica. Iniciamos com
uma breve introdução do direito na metodologia do Constructivismo
Lógico-Semântico. Analisando a Teoria Geral do Direito, discorreremos sobre o conceito de
norma jurídica no método de trabalho e sua estrutura lógica; a norma jurídica
completa; a classificação da norma quanto à estrutura dual; e o processo de
positivação do direito. Durante o capítulo faremos a aplicação dos conceitos gerais
no Direito Tributário.
Fixada a premissa de que a invalidade é a antítese de norma jurídica válida,
que tem como consequência a cessação da produção dos seus efeitos, se faz
necessário discorrer sobre validade e eficácia, que será objeto do segundo capítulo.
Neste capítulo faremos um corte nas teorias da validade da norma jurídica para
trabalharmos com as vertentes de validade e existência, pois o tratamento das
invalidades se relaciona com esses institutos jurídicos, devendo, assim, ser firmada
uma posição para a coerência do discurso científico.
No terceiro capítulo trataremos do conceito de auto de infração e os seus
requisitos de lavratura. Já aproveitamos para afirmar que auto de infração é ato
administrativo e com isso é necessário estudar o seu regime jurídico. Assim, faremos
incursões no Direito Administrativo para discorrer sobre o conceito, atributos e
requisitos dos atos administrativos, relacionando, por todo o capítulo, aos aspectos
Por fim, no quarto capítulo, discorremos sobre a invalidade aplicada no auto
de infração. Iniciaremos com um breve relato da origem histórica do instituto para,
em seguida, traçarmos a sua aplicação no Direito Civil, no Direito Administrativo e no
Direito Processual Tributário. Delimitaremos as suas espécies e os critérios de
classificação no Direito Tributário, os vícios e seus efeitos, relacionando-os com os
conceitos do capítulo anterior quanto aos requisitos de lavratura do auto de infração.
Ressaltamos que no decorrer do estudo analisaremos, quanto à aplicabilidade
das invalidades no Direito Tributário, para o fim de sua sistematização e resposta às
perguntas formuladas, as decisões dos tribunais administrativos e judiciais, em
especial do CARF, do STJ e do STF, quando houver aplicação.
Não pretendemos com esse estudo esgotar o tema, mas fazer reflexões sobre
a invalidade aplicável ao auto de infração para o fim de analisar as posições
doutrinárias (teoria) e jurisprudenciais (prática), na tentativa de confirmá-las ou
CAPÍTULO I – NORMA JURÍDICA
1. Direito: linguagem e realidade
O direito consiste em um conjunto de normas jurídicas que tem o fim de
regular as condutas intersubjetivas dos cidadãos em uma sociedade. É o
instrumento do Estado para intervir no meio social5.
Nesse sentido, há a orientação das condutas para os valores que a sociedade
quer ver realizados com o propósito de organizar a vida em sociedade.
Podemos defini-lo: “Direito é um corpo de regras que se voltam para a região
material das condutas intersubjetivas” 6.
Assim, o direito cria a sua própria realidade ao eleger os eventos, que
ocorridos no mundo fenomênico, terão o condão de constituírem o fato jurídico
quando vertidos em linguagem. Isso porque só é possível conhecer a realidade no
momento em que são atribuídos significados aos dados brutos e constituída em
linguagem7.
Nisso podemos afirmar que há dois acontecimentos que retratam a realidade
jurídica: o evento e o fato jurídico. O evento é um acontecimento no mundo
5 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da Norma Tributária. 5. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 21.
6 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário
– Fundamentos Jurídicos da Incidência. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 216.
fenomênico. O fato é o relato em linguagem competente do evento ocorrido.
Somente após esse relato é que se torna conhecido o evento e é criada a realidade.
O relato do evento em linguagem é ato realizado pelo ser humano que
constata a sua ocorrência e “fala” dele.
No mais, a linguagem é o veículo que o homem se utiliza para se comunicar,
e o direito positivo, como conjunto de normas jurídicas válidas que tem como
destinatários os cidadãos da sociedade, é um sistema comunicacional.
Assim, entendemos que o direito é um sistema linguístico composto
unicamente de normas voltadas a regular as condutas intersubjetivas8, e que para conhecê-lo é preciso compreendê-lo, interpretando-o, construindo seu conteúdo,
sentido e alcance. Nesse contexto, trata-se de um fenômeno comunicacional
representado pela linguagem prescritiva de condutas.
Esse é o parâmetro segundo o qual desenvolveremos nosso trabalho.
2. A norma jurídica no Constructivismo Lógico-Semântico
O direito é fenômeno comunicacional representado pela linguagem prescritiva
de condutas no signo simbólico9, composto unicamente de normas jurídicas. Mas, o que é norma jurídica no contexto da nossa metodologia (o Constructivismo
Lógico-Semântico)?
8 OLIVEIRA, Vivian de Freitas e Rodrigues de. Lançamento Tributário como ato administrativo. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 28.
A definição de norma jurídica que utilizamos se diferencia de outras acepções
em que: norma jurídica é o próprio texto de lei (a lei publicada no Diário Oficial)10; que do texto de lei se extrai o conteúdo da norma11; ou que é o conjunto de textos de lei como sistema jurídico em sua unidade12.
Partimos do entendimento de que norma jurídica é o mínimo de manifestação
deôntica de sentido completo representada por um antecedente que implica um
consequente e compreende em sua definição: “a significação que obtemos a partir da leitura dos textos do direito positivo”13. Expliquemos:
O intérprete tem o primeiro contato com as leis (textos de lei). Este é o ponto
de partida para a construção da significação e transmissão da mensagem deôntica
desejada pelo legislador. Contudo, como manifestação em linguagem, para construir
a norma jurídica, o intérprete precisa atribuir valores aos símbolos (signos) por meio
da interpretação pelo percurso gerador de sentidos. Esse é o processo de
interpretação a ser percorrido pelo intérprete para a construção da norma jurídica.
PAULO DE BARROS CARVALHO14 descreve o percurso gerador de sentido em quatro fases de interpretação: plano da expressão; plano da significação; plano
do conteúdo; e plano da sistematização.
10 João Maurício Adeodato ressalta que para a Escola da Exegese Francesa, norma jurídica é a lei (Uma teoria retórica da norma jurídica e do direito subjetivo. São Paulo: Noeses, 2011, p. 158). 11 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Almedina: Coimbra, Portugal, 2003, p. 1218; e GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 28.
12 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 278.
O plano da expressão compreende a análise dos textos de lei em sua
literalidade como frases soltas sem significado. São as marcas de tinta no papel,
como suporte físico, e trata-se do contato sensorial do intérprete, de onde parte para
a construção da significação.
Após esse primeiro contato, o intérprete precisa iniciar a atribuição de
sentidos, passando para o plano da significação, em que começa a adotar “valores unitários aos vários signos, que encontrou justapostos, selecionando significações e
compondo segmentos portadores de sentido”15. Nesse plano, o intérprete constrói os
enunciados prescritivos por meio do agrupamento das frases soltas em significados
voltados ao objeto do direito: a prescrição das condutas. Começamos a ter uma
mensagem veiculada, mas que ainda não é a norma jurídica.
Construídos os enunciados prescritivos, o intérprete passa ao plano do
conteúdo, em que agrupará esses enunciados para a composição da norma jurídica
em seu esquema de juízo implicacional, ou seja: um antecedente que implica um
consequente. Nesse plano há a norma jurídica, e é transmitida a mensagem
deôntica desejada pelo legislador, com a prescrição da conduta a ser obedecida
pelos seus destinatários.
Por fim, no plano da sistematização, as normas jurídicas são organizadas em
uma estrutura hierárquica por traços de coordenação e de subordinação, formando o
sistema jurídico em sua unidade significativa de escalonamento normativo.
Logo, o texto de lei se diferencia da norma jurídica16. A doutrina17 utiliza para
essa diferenciação dois termos, respectivamente: norma jurídica em sentido amplo e
norma jurídica em sentido estrito.
15 CARVALHO, loc. cit.
Nesse contexto, o intérprete, a partir da leitura do(s) texto(s) de lei constrói a
norma jurídica ao agrupar os enunciados prescritivos no esquema de juízo
implicacional, em que a norma jurídica é uma construção intelectual da mente do
intérprete.
Assim, percorremos do suporte físico, como o texto de lei, para a significação
da norma jurídica, como mensagem deôntica completa.
Mas, qual é a mensagem transmitida pelo legislador ao destinatário da norma,
ou seja, o que é veiculado pela norma jurídica?
O direito é um sistema que regula as condutas intersubjetivas dos cidadãos
durante um lapso de tempo (vigência temporal) e em um determinado espaço
(vigência territorial). As condutas reguladas são: obrigatória, proibida ou permitida.
Assim, a norma jurídica transmite comandos: obrigatórios, permitidos e proibidos na
estrutura lógica representada por um antecedente que implica um consequente. Isso
constitui a articulação lógica da norma jurídica (juízo implicacional) que passamos a
estudar.
2.1. Estrutura Lógica: A → C
A estrutura da norma jurídica é composta de um antecedente que implica um
consequente. Essa é a estrutura lógica de toda e qualquer norma jurídica para ter a
unidade mínima e irredutível de significação deôntica.
Nesse sentido, a norma jurídica apresenta homogeneidade sintática, mas é
heterogênea semântica e pragmaticamente, porque cada norma jurídica apresenta
conteúdo e aplicação diferentes18.
A mensagem veiculada na norma jurídica é a previsão de um comportamento
desejado pelo sistema que consiste em uma conduta (obrigatória, proibida ou
permitida) a se manifestar pela ocorrência de um evento relacionado ao surgimento
de uma relação jurídica.
Nesse contexto, o legislador, ao descrever a norma jurídica, seleciona os
eventos que considera importantes para configurarem como fatos jurídicos e que
terão o condão de fazerem surgir os efeitos jurídicos por meio da instauração da
relação jurídica.
Assim, no antecedente da norma jurídica está a descrição do evento e no
consequente a instauração da relação jurídica com a previsão da conduta a ser
obedecida e seus efeitos jurídicos.
Podemos representar por: D (A → C), em que: “D” é dever-ser; “A” é o antecedente (descrição do “evento”); “C”, o consequente (previsão da relação jurídica); e “→” (implicação), que é um conectivo condicional que tem a função de
estabelecer um nexo-causal entre a causa (antecedente) e o efeito (consequente), e
se apresenta como functor neutro.
Mas quais os elementos mínimos necessários para a identificação do
antecedente e do consequente?
A doutrina diverge quanto aos elementos mínimos. Portanto, preferimos
trabalhar com a doutrina de PAULO DE BARROS CARVALHO19 que elenca critérios mínimos para a identificação do fato jurídico e da instauração da relação jurídica.
O antecedente tem a função de descrever um fato (de possível ocorrência ou
jurídico), que nos critérios material, espacial e temporal20 possibilitam a sua delimitação. É a causa para a implicação dos efeitos jurídicos previstos no
consequente.
O critério material pode ser descrito na projeção para o futuro ou passado. Na
projeção para o futuro, descreve um evento de possível ocorrência no mundo
fenomênico e é composto por um verbo no impessoal, infinito e de predicação
incompleta. No passado, representando a concretude do evento, é o seu relato em
linguagem competente para constituir o fato jurídico.
O critério espacial é a delimitação do local em que deve ocorrer ou ocorreu o
evento, em sua projeção para o futuro ou para o passado, respectivamente. No
futuro, pode estar implícito ou explícito na norma, mas deve ser possível identificá-lo.
O critério temporal tem as informações para determinar o momento da
ocorrência do evento. Explica AURORA TOMAZINI DE CARVALHO21 que o critério temporal não é para determinar o instante em que se instaura o vínculo jurídico, mas
a delimitação da ocorrência do evento. O vínculo é instaurado, segundo nossa
premissa, quando vertido em linguagem competente, em que é constituído o fato
jurídico.
19 CARVALHO, 2011, p. 255-256. 20 Id., 2012, p. 243.
No mais, o critério temporal tem duas funções: a) direta, de identificar com
exatidão o momento da ocorrência do evento relevante para o direito; e b) indireta,
que é a determinação das regras vigentes a serem aplicadas a partir do momento da
ocorrência do evento.
Já, o consequente tem a função de estabelecer o vínculo relacional entre dois
ou mais sujeitos perante um objeto com a aplicação do efeito jurídico previsto pelo
legislador. Seus critérios de identificação são o pessoal e o quantitativo22, e é representado pelo functor deôntico para regular as condutas modalizando em
obrigatório, proibido ou permitido.
Há doutrinadores23 que determinam que deve conter no consequente um critério espacial e um critério temporal para determinar o momento e o local em que
deve ser cumprida a prestação. Entendemos ser desnecessário, posto que o
cumprimento ou não da prescrição normativa é elemento de outra norma jurídica
que descreve o evento do descumprimento ou cumprimento da conduta com os seus
efeitos: aplicação de penalidade ou extinção da obrigação, por exemplo.
O critério pessoal identifica os sujeitos da relação jurídica a ser instaurada e
contém o sujeito ativo e o sujeito passivo. O sujeito ativo tem o direito subjetivo em
relação ao objeto (prestação pecuniária), e o sujeito passivo o dever jurídico.
Necessariamente, um dos sujeitos eleito pelo legislador deve ter relação com o
evento descrito no antecedente24.
22 Já aplicamos a denominação e os elementos do Direito Tributário. Na Teoria Geral do Direito é denominado de critério prestacional. Esse critério indica a conduta que o sujeito passivo deve prestar ao sujeito ativo. É o núcleo do direito por regular as condutas intersubjetivas (CARVALHO, 2010, p. 409-410).
Segundo PAULO DE BARROS CARVALHO25, direito subjetivo é “[...] a
faculdade que tem o sujeito ativo da relação jurídica de exigir do sujeito passivo o
cumprimento do dever jurídico estipulado na proposição normativa”, e “[...] O dever
jurídico que pode ser exigido pelo titular do direito subjetivo é sempre uma ação ou
omissão do ser humano, e seu descumprimento desencadeia a aplicação de medida
juridicamente sancionadora”.
O critério quantitativo é a conduta que o sujeito passivo deve prestar ao
sujeito ativo, representado pela base de cálculo e pela alíquota. É o núcleo do direito
como regulador de condutas intersubjetivas, e, para fins do nosso estudo, é a
prestação pecuniária de entregar aos cofres públicos a importância devida em
pecúnia constituída no crédito tributário ou na aplicação da penalidade.
Assim, representamos: D [(cm . ct . ce) → (cp . cq], em que se ocorrer o
evento descrito no antecedente (A), então, dever-ser o consequente com a
instauração da relação jurídica (Rj) entre os sujeitos Sa e Sp, na qual uma conduta
será obrigatória, permitida ou proibida entre eles:
[...] (i.a) hipótese, pressuposto ou antecedente (H), cuja função é
descrever uma situação de possível ocorrência (f), que funciona
como causa para o efeito jurídico almejado pelo legislador; e (i.b)
consequente ou tese (C), cuja função é delimitar um vínculo
relacional entre dois sujeitos (S’RS”), que se consubstancia no efeito
almejado; e (ii) conectivo condicional (→), também denominado
vínculo implicacional, cuja função é estabelecer o liame entre a
causa e o efeito ao imputar a relação prescrita no consequente
normativo, caso verificada a situação descrita na hipótese26.
Por fim, aplicamos a estrutura lógica da norma jurídica e seus critérios de
identificação em dois exemplos do Direito Tributário para o fim de confirmar a teoria:
a) RMIT – IRPJ: no antecedente, o critério material é auferir renda, o critério espacial no Território Nacional, e o critério temporal no período de 1º de janeiro a 31
de dezembro. No consequente, o critério pessoal tem a União como sujeito ativo e o
contribuinte como sujeito passivo; e no critério quantitativo, a base de cálculo é o
valor da renda e a alíquota que varia entre 7%; 15%; 22,5% e 27,5% a depender da
base de cálculo; e
b) Lançamento de ofício por omissão de receita de IRPJ: no antecedente, o
critério material é omitir renda, o critério espacial no Território Nacional, e o critério
temporal no período apurado pelo Fisco. No consequente, no critério pessoal, a
União é o sujeito ativo e o contribuinte o sujeito passivo, e no critério quantitativo a
base de cálculo é o valor da renda omitida e a alíquota que varia entre 7%; 15%;
22,5% e 27,5% a depender da base de cálculo.
2.2. Norma jurídica tributária
Ao atribuirmos o conceito de norma jurídica aplicável ao direito, se faz
necessário determiná-la no campo de nosso estudo: o direito tributário, isto posto, o
direito se apresenta por diversas espécies de normas: constitucional, administrativa,
civil, tributária, etc., cada qual com o seu conteúdo, em que se diferenciam no
campo da heterogeneidade semântica27.
O Direito Tributário28 é o ramo do direito que regula, direta ou indiretamente, a instituição, arrecadação ou fiscalização de tributos. Compreende: os princípios
constitucionais tributários a serem aplicados pelo legislador; e o nascimento, a vida e
a extinção das relações jurídico-tributárias.
Dessa forma, a norma jurídica tributária é a que trata direta ou indiretamente
da instituição, arrecadação e fiscalização dos tributos.
Portanto, há três tipos de relações: a de instituição dos tributos; a de
arrecadação dos tributos e a de fiscalização dos tributos.
Dado essas relações, o CTN, no art. 11329, prevê que há obrigações
tributárias principais e os deveres instrumentais30. Obrigações tributárias principais são as que surgem da incidência da norma jurídica relacionada à instituição do
27 CAMPILONGO, Paulo Antonio Fernandes. Os limites a revisão no auto de infração no contencioso administrativo tributário. 2005. 270f. Dissertação (Mestrado em Direito), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP, São Paulo, 2005, p. 76; e CARVALHO, 2012, p. 131.
28 Entendemos que o sistema jurídico é uno e indecomponível, mas didaticamente é necessário fazer o corte para uma melhor análise do objeto (CARVALHO, 2011, p. 46).
29“Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória. § 1º A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente. § 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos. § 3º A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária”.
tributo, e os deveres instrumentais se apresentam pelas normas que regulam a
forma de arrecadação e fiscalização dos tributos.
Nessa perspectiva, podemos delimitar que as normas jurídicas tributárias são
de duas espécies: as que preveem a forma de instituição do tributo, e as que
preveem a forma de arrecadação e fiscalização; classificando-as, respectivamente,
em norma jurídica em sentido estrito e em sentido amplo31.
Assim, as normas jurídicas tributárias, que devem se apresentar pela
estrutura lógica, são: a) as que têm como objeto a instituição do tributo e se
apresentam pela regra-matriz de incidência tributária, lançamento tributário ou auto
de infração; e b) as que tratam da forma de arrecadação ou fiscalização como, por
exemplo, da obrigatoriedade de emissão de DCTF, DIPJ, DIRF.
3. Norma jurídica completa
A norma jurídica completa é uma estrutura dual que inicialmente compreende:
a norma primária e a norma secundária. Foi desenvolvida por HANS KELSEN32, que ao analisar a característica de coação do direito, determinou que havia duas normas
para completar o sistema, classificando-as segundo o critério sancionador.
Inicialmente HANS KELSEN33 entendia que a norma primária era a que
prescrevia a sanção a ser aplicada pelo Estado-Juiz, quando houvesse
descumprimento da norma secundária; e a norma secundária a que descrevia o
31 CARVALHO, 2011, p. 297.
32 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de José Cretella Junior e Agnes Cretella. 4. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 69/70.
comportamento desejado pela ordem jurídica. Contudo, verificando a inconsistência
pelas críticas que recebeu, reviu os conceitos e determinou que: a) norma primária é
a que prescreve o comportamento desejado, e b) a norma secundária é a norma
aplicada pelo Estado-Juiz como coerção à desobediência à norma primária.
Nesse sentido, EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI34 descreve a norma primária e a norma secundária:
A norma primária vincula deonticamente à ocorrência de dado fato a
uma prescrição (relação jurídica); a norma secundária conecta-se
sintaticamente à primeira, prescrevendo: se o fato de a não
ocorrência da prescrição da norma primária se verificar, então deve
ser uma relação jurídica que assegure o cumprimento daquela
primeira, ou seja, dada a não observância de uma prescrição jurídica,
deve ser a sanção.
Assim, a norma primária é a que descreve um evento de direito material de
possível ocorrência que tem o condão de desencadear uma relação jurídica; e a
norma secundária é a que prescreve a aplicação de uma sanção mediante coerção
do Estado-Juiz ao sujeito que não cumpriu com o previsto na norma primária. Dessa
forma, LOURIVAL VILANOVA35 classifica a norma primária de relação jurídica de cunho material e norma secundária de índole formal (processual).
Seguindo essa sistemática, a norma jurídica completa: “expressa a
mensagem deôntica-jurídica na sua integralidade constitutiva, significando a
34 SANTI, op. cit., p. 36.
orientação da conduta, juntamente com a providência coercitiva que o ordenamento
prevê para seu cumprimento”36 e apresenta estrutura lógica interproposicional com
representação simbólica:
Simbologia: D{[H→C] v [H’ (-c) →S]}: A norma primária estatui
direitos e deveres a dois ou mais sujeitos como consequência
jurídica ‘C’, em decorrência da verificação do acontecimento descrito
em sua hipótese ‘H’. A norma secundária estabelece a sanção ‘S’,
mediante o exercício da coação estatal, no caso de não observância
dos direitos e deveres instituídos pela norma primária ‘H’ (-c)37.
Contudo, EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI38 constatou que além da sanção aplicada pelo Estado-Juiz prevista na norma secundária, há a sanção
administrativa aplicada pela Administração, e passa a classificar a norma primária
em dispositiva e sancionadora. A norma primária dispositiva é a que descrevem
relações jurídicas de direito material com a ocorrência de um fato lícito, e a norma
primária sancionadora é a que descreve a sanção a ser aplicada
administrativamente pelo descumprimento do prescrito na norma primária dispositiva
consubstanciada em um fato ilícito.
Assim, teríamos a norma primária dispositiva com o antecedente que
descreve um fato lícito que implica uma consequência; e a norma primária
sancionadora que descreve, no antecedente, o fato ilícito pelo descumprimento do
dever da norma primária dispositiva e, no consequente, a aplicação da sanção,
como, por exemplo, uma multa. É simbolizada: D {[p → q] v [- q → S]}.
Desse modo, a norma primária sancionadora precisa, para existir, da norma
primária dispositiva, por se tratar da aplicação de uma sanção por seu
descumprimento.
Mas não é necessário para a validade do sistema que exista a norma primária
sancionadora, podendo haver a regulação do sistema pela norma primária
dispositiva e a norma secundária39.
Portanto, a norma jurídica completa, após os estudos desses autores,
compreende: a) a norma primária que é norma de direito material e prescreve o
comportamento desejado pela ordem jurídica. Classifica-se em: a.1) norma primária
dispositiva, que no antecedente descreve um fato lícito, e a.2) norma primária
sancionadora, que no antecedente descreve um comportamento ilícito pelo
descumprimento da norma primária dispositiva; e b) que, se descumpridas, quando
existentes ambas, será aplicada a norma secundária, de natureza processual, pelo
Estado-Juiz.
Aplicando esses conceitos ao Direito Tributário, teremos:
a) Norma primária dispositiva: dada a ocorrência no tempo e no espaço do
evento tributário previsto no antecedente da RMIT (antecedente), dever-ser a
instauração da relação jurídica tributária entre o contribuinte e o Fisco (consequente)
com a lavratura do lançamento de ofício;
b) Norma primária sancionadora: dado que o contribuinte, devidamente
notificado, não pagou o tributo e nem apresentou impugnação (antecedente),
ser a constituição da relação jurídica tributária entre o contribuinte e o Fisco para
efetuar o lançamento de ofício e a aplicar a penalidade (consequente) mediante a
lavratura de auto de infração; e
c) Norma secundária: dado que o contribuinte notificado da lavratura do auto
de infração não recolheu aos cofres públicos a pecúnia e nem impugnou o auto de
infração (antecedente), dever-ser que o Fisco inscreva em Dívida Ativa o crédito
tributário e ingresse com a Execução Fiscal, para que, formando a relação triádica
entre contribuinte, Fisco e o Estado-Juiz, seja expropriado o patrimônio do
contribuinte até a satisfação do débito (consequente).
4. Norma: abstrata e concreta, geral e individual
Trabalhamos com o conceito de norma jurídica como unidade mínima e
irredutível de manifestação do deôntico, em que um antecedente implica um
consequente.
As classes de normas em abstrata e concreta, e geral e individual se referem
aos elementos dessa estrutural lógica: antecedente e consequente.
O antecedente descreve o evento de possível ocorrência ou seu relato em
linguagem competente para constituir o fato jurídico. A descrição de um evento de
possível ocorrência no mundo fenomênico, que quando vertido em linguagem
competente, constitui o fato jurídico, é a representação da norma em sua abstração;
que ganha concretude quando é relatado em linguagem competente e constituído o
fato jurídico. Daí a abstração e a concretude estão no antecedente40 e referem-se aos elementos fáticos.
PAULO ANTONIO FERNANDES CAMPILONGO41 descreve que a abstração
é a descrição de um fato hipotético que não ocorreu e se apresenta com o verbo no
impessoal e de predicação incompleta, tendo como elemento obrigatório o
complemento da indicação de espaço e tempo; e a concretude é a ocorrência do
evento vertido em linguagem competente que constitui o fato jurídico, completado na
indicação do espaço e do tempo, e do verbo no pretérito.
Assim, podemos definir abstração e concretude como: a) abstração é um
conjunto de critérios para se identificar um evento de possível ocorrência no tempo e
no espaço e está projetada para o futuro; e b) concretude é o relato em linguagem
competente do evento ocorrido no tempo e no espaço que constitui o fato jurídico e
está projetado para o passado.
O consequente instaura a relação jurídica entre dois ou mais sujeitos em
relação a uma prestação. Assim, há que prever os sujeitos que compõem a relação
e estão na classe normativa do geral e do individual42. A classe do geral é a que não
determina os sujeitos, ou seja, os sujeitos da relação são indeterminados, e da
individual há a definição dos sujeitos na sua individualização ou identificação no
grupo de pessoas.
Logo, podemos definir geral e individual como: a) geral é a previsão de uma
classe indefinida de sujeitos; e b) individual é a delimitação de uma classe
determinada de sujeitos: ativo e passivo.
Fazendo a relação entre as classes e a estrutura lógica da norma jurídica (A
→ C), teremos: normas abstratas e gerais, normas concretas e gerais, normas
abstratas e individuais, e normas concretas e individuais; que se aplicam ao Direito
Tributário:
a) Normas abstratas e gerais são as que têm no antecedente a descrição de
um evento de possível ocorrência no tempo e no espaço; e no consequente a
previsão da instauração de uma relação jurídica entre sujeitos indeterminados. Trata
da RMIT que institui o tributo;
b) Normas concretas e gerais são as que no antecedente relatam em
linguagem competente o evento ocorrido no tempo e no espaço para constituir o fato
jurídico tributário; e no consequente há a previsão da instauração de uma relação
jurídica entre sujeitos indeterminados. Trata-se do auto de infração como norma
introdutora43;
c) Normas abstratas e individuais são as que têm no antecedente descrevem
um fato de possível ocorrência a ser delimitado no tempo e no espaço; e no
consequente a previsão da instauração da relação jurídica com a individualização
dos sujeitos da relação. Trata-se da consulta tributária; e
d) Normas concretas e individuais são as que constituem no antecedente o
fato jurídico tributário; e no consequente instaura a relação jurídica entre sujeitos
determinados. Trata-se do lançamento tributário.
5. Processo de positivação do direito
As normas jurídicas têm como objetivo regular as condutas intersubjetivas
para o fim de produzirem os efeitos prescritos pelo legislador. Só é possível atingir a
conduta regulada pelo direito com a máxima concretude e individualização da
norma. Assim, passam da abstração à concretude para o fim de atingirem as
condutas intersubjetivas reguladas pelo direito, que, segundo nossas premissas: é a
linguagem do direito positivo projetando-se sobre o campo material das condutas
intersubjetivas para organizá-las deonticamente. A esse processo denominamos de
positivação do direito, que compreende o caminho percorrido da abstração da norma
para chegar a sua concretude.
O processo de positivação do direito se dá em duas etapas: a) com a
ocorrência do evento, pela incidência normativa; e b) com a introdução da norma
jurídica no ordenamento jurídico, no ato de aplicação. Assim, esse processo
compreende o ato de incidência e o de aplicação da norma jurídica44.
Há duas teorias que explicam o processo de positivação do direito: a teoria
tradicional e a teoria do Constructivismo Lógico-Semântico.
A teoria tradicional45 entende que a incidência é automática e infalível, e se
diferencia do ato de aplicação. Entendem que ocorrido o evento no mundo
fenomênico, que tem suporte no antecedente da norma jurídica, esta “cai” sobre ele,
sem necessidade de um relato em linguagem competente ou uma ação humana,
para juridicizá-lo, tornando-o fato jurídico, e fazendo nascerem sozinhos os efeitos
44 GUERRA, Renata Rocha. Auto de Infração Tributário: produção e estrutura. 2004. Dissertação (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, São Paulo, 2004, p. 28.
jurídicos. Esse processo ocorre no plano dos pensamentos46, de forma que a norma incide “sozinha e por conta própria” sobre os acontecimentos sociais para
juridicizá-los. Após a juridicização dos fatos, a norma poderá ser aplicada pelo homem,
momento em que pode haver falha se for descumprida. Dessa forma, os atos de
incidência e de aplicação se constituem em momentos distintos.
A teoria do Constructivismo Lógico-Semântico só conhece o que é
representado pela linguagem. Entende que os atos de incidência e de aplicação
ocorrem com o relato em linguagem competente do evento que constituí o fato
jurídico e instaura a relação jurídica. Com esse relato nascem os efeitos jurídicos
previstos em lei. Assim, ambos são atos que se formam conjuntamente
representados pelo último ato: de aplicação. Os efeitos da norma só serão
verificáveis quando ingressarem no sistema do direito positivo por seu relato em
linguagem competente. A linguagem competente é das provas.
TÁCIO LACERDA GAMA47 faz críticas sobre a concepção automática e
infalível da incidência, nos termos seguintes:
Uma vez aceita a premissa de que o direito é um conjunto de
normas, que se manifestam em linguagem, não dá para conceber
que acontecimentos sociais, destituídos de uma linguagem
competente, promovam qualquer tipo de alteração a esse conjunto.
46 ARAÚJO, 2011, p. 97; MIRANDA, 2012, t. I, p. 69.
[...] O ponto a ser destacado aqui é a necessidade de que um sujeito
indicado pelo sistema do direito positivo relate o acontecimento numa
forma juridicamente prevista (linguagem competente). Sem isso, os
acontecimentos sociais não passarão a integrar o sistema de direito
posto, criando obrigações passíveis de serem exigidas
coercitivamente. [...] Para que aconteça a incidência da norma, é
necessária a realização simultânea de duas operações lógicas:
subsunção e imputação. Na primeira, observa-se a pertinência do
fato à norma de superior hierarquia; na segunda, prescreve-se o
efeito que será, necessariamente, uma relação jurídica.
Assim, pela metodologia que adotamos neste trabalho, nos filiamos à
segunda teoria e, nos baseando nela, passamos a discorrer com mais detalhes os
atos de incidência e de aplicação.
A incidência é operação lógica de subsunção e de implicação. A subsunção é
operação em que se constata que um evento ocorrido no mundo fenomênico se
enquadra na classe dos critérios descritos no antecedente da norma. A implicação é
a determinação normativa em que constituído o fato jurídico (com o relato em
linguagem competente do evento subsumido) instaura-se a relação jurídica entre as
partes. Essas operações lógicas se materializam no ato de aplicação realizado pelo
ser humano, que constata a ocorrência do evento que se subsume aos critérios da
norma jurídica e o verte em linguagem competente por meio de provas para
constituir o fato jurídico (antecedente) e instaurar a relação jurídica (consequente).
Nesse sentido, RENATA GUERRA48 explica: “Aplicar o direito nada mais é que criar
o direito, criar normas jurídicas nas suas variadas combinações entre antecedente e
consequente”.
No mais, o ato de aplicação pode ser concretizado pelo Legislativo, ao editar
as leis; pelo Judiciário, ao proferir sentenças ou acórdãos; pela Administração
Pública, na edição do ato administrativo; e pelo particular, ao firmar contratos ou
efetuarem o “autolançamento”.
Por esse enfoque, conclui-se que o processo de positivação do direito
compreende a forma que se criam as normas jurídicas no nosso ordenamento
CAPÍTULO II – EXISTÊNCIA, VALIDADE E EFICÁCIA DA NORMA JURÍDICA
1. Existência e validade das normas jurídicas
A concepção de validade se relaciona com o conceito de direito49. Nesse
sentido, é termo plurívoco que pode assumir:
[...] a especial forma de existência de uma norma; atributo da norma
compatível com aquela que programou a sua criação; aptidão para
vir a ser aplicada por um tribunal; circunstância de, efetivamente,
disciplinar comportamentos; compatibilidade da norma do direito
positivo com padrões religiosos, racionais ou humanos, em acepção
ampla50.
Para fins do nosso estudo, se destacam as teorias que entendem validade
como atributo ou qualidade da norma jurídica, que se relacionam com a questão de
sua existência51, pois a teoria da validade como atributo da norma a concebe como
49“Sem validade não há norma, sem norma não há direito, logo sem validade não há que se falar em
sistema do direito positivo” (MOUSSALLEM, Tárek Moysés. Fontes do Direito Tributário. 2. ed. São Paulo, Editora Noeses, 2006, p. 167).
50 GAMA, Tácio Lacerda. Teoria dialógica da validade: existência, regularidade e efetividade das normas tributárias. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (Coord.). Direito tributário – Homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Quartier Latin, 2008. p. 130.
sinônimo de norma jurídica existente, e a teoria da validade como qualidade da
norma como ato de aferição posterior à existência da norma, na sua aplicação.
Essas teorias são pertinentes por se contraporem às teorias de invalidade que
estudaremos e trabalham com as classes: do ato inexistente, do ato nulo e do ato
anulável, além das meras irregularidades.
Assim, se entendemos que o vício na norma acarreta a sua invalidade, que é
a antítese da validade, se faz necessário delimitar os campos de existência e/ou
validade da norma jurídica, que no estudo dessas teorias já serão demarcadas.
Para tanto, discorreremos sobre as acepções de validade e existência nas
teorias: de Pontes de Miranda, de Norberto Bobbio e de Paulo de Barros Carvalho,
para em seguida fixarmos nossa posição.
1.1. Teoria de Pontes de Miranda
Para PONTES DE MIRANDA52, validade é qualidade da norma jurídica.
O autor entende que o ordenamento jurídico é formado por três planos: da
existência, da validade e da eficácia do ato jurídico.
O plano da existência se sobrepõe ao plano da validade, em que o ato jurídico
precisa ingressar no ordenamento para, posteriormente, aferir se é válido ou inválido
no ato de aplicação da norma.
52 MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado. Tomo IV
Assim, se houver um defeito na essência do ato jurídico que torne impossível
o seu ingressar no mundo jurídico, o ato é inexistente, e não há que se falar em
validade ou invalidade, muito menos em “ato jurídico”:
1. EXISTIR E VALER – Para que algo valha é preciso que exista.
Não tem sentido falar-se de validade ou de invalidade a respeito do
que não existe. A questão da existência é questão prévia. Somente
depois de se aferir que existe é possível pensar em validade ou em
invalidade. Nem tudo que existe é suscetível de a seu respeito
discutir-se se vale, ou se não vale. Não se há de afirmar nem de
negar que o nascimento, ou a morte, ou a avulsão, ou o pagamento
valha. Não tem sentido. Tão-pouco, a respeito do que não existe: se
não houver ato jurídico, nada há que possa ser válido ou inválido. Os
conceitos de validade ou de invalidade só se referem a atos jurídicos,
isto é, a atos humanos que entraram (plano da existência) no mundo
jurídico e se tornaram, assim, atos jurídicos53.
Logo, é pressuposto da validade que o ato jurídico exista, ou seja, que tenha
ingressado no ordenamento jurídico, constituindo o fato jurídico suficiente mediante
a incidência da norma no suporte fático.
Ao existir o ato jurídico que se verifica sua validade ou invalidade por meio da
análise da presença dos pressupostos regulados no ordenamento jurídico no ato de
aplicação da norma54, em que:
A conduta contrária à regra jurídica talvez seja desconhecedora
dessa. Não importa se a pessoa conhece ou não conhece a regra
jurídica: ela, por ser jurídica, incide, com ou sem esse conhecimento.
Se a regra mesmo violou princípio de publicidade, é outra questão e
somente diz respeito à sua validade55.
Nesse contexto para o autor há: a) ato inexistente, que não ingressou no
ordenamento por não preencher o suporte fáctico para a incidência da norma; b) ato
jurídico, que é o ato que ingressou no ordenamento mediante o preenchimento dos
elementos do suporte fáctico, incidindo a norma para constituir o fato jurídico em
que: b.1) é ato válido por os pressupostos essenciais de formação do ato terem
sidos preenchidos e a norma ter sido aplicada; e b.2) é ato inválido, em que há
ausência de algum(s) do(s) pressuposto(s) essencial(is) de formação do ato, e, por
isso, a norma não é aplicada.
1.2. Teoria de Norberto Bobbio
NORBERTO BOBBIO56 entende que a validade é sinônimo de existência da norma jurídica, ou seja, é um atributo da norma57. Assim, afirmar que a norma
jurídica válida é verificada se é uma norma jurídica ou não, em que:
55 MIRANDA, 2012, t. I, p. 70. 56 BOBBIO, 2008, p. 46-45.
O problema da validade é o problema da existência da regra
enquanto tal [...] o problema da validade se resolve com um juízo de
fato, isto é, trata-se de constatar se uma regra jurídica existe ou não,
ou melhor, se tal regra assim determinada é uma regra jurídica.
Validade jurídica de uma norma equivale à existência dessa norma
como regra jurídica.
Com o ingresso da norma jurídica no ordenamento é norma jurídica válida,
pois para a norma ser jurídica tem que ter validade.
Dessa forma, o autor atribui três operações para verificar a validade da norma
jurídica:
Em particular, para decidir se uma norma é válida (isto é, como regra
jurídica pertencente a um determinado sistema), é necessário com
frequência realizar três operações: a) averiguar se a autoridade de
quem ela emanou tinha o poder legítimo para emanar normas
jurídicas, isto é, normas vinculantes naquele determinado
ordenamento jurídico (esta investigação conduz inevitavelmente a
remontar até a norma fundamental, que é o fundamento de validade
de todas as normas de um determinado sistema); 2) averiguar se não
foi ab-rogada, já que uma norma pode ter sido válida, no sentido de
que foi emanada de um poder autorizado para isto, mas não quer
dizer que ainda seja, o que acontece quando uma outra norma
sucessiva no tempo a tenha expressamente ab-rogado ou tenha
regulado a mesma matéria; 3) averiguar se não é incompatível com
implícita), particularmente com uma norma hierarquicamente
superior58.
LUIS CESAR SOUZA DE QUEIROZ59, possuindo o mesmo entendimento do autor, ainda complementa: “[...] é lógica e juridicamente impossível uma norma ser jurídica e não ser válida”.
Assim, toda norma que é jurídica é válida, ou seja: ou a norma é válida e
existe no sistema; ou não é válida e não existe no sistema jurídico; do qual, ser
norma jurídica é existir no ordenamento jurídico e, consequentemente, ser válida.
Tem essa posição HANS KELSEN60 defendendo, ainda, que para a garantia da unidade da ordem jurídica é necessário que exista uma norma fundamental61 de
superior hierarquia que prescreve como as normas jurídicas inferiores devem ser
criadas. No sistema brasileiro, a norma fundamental é a CF, que dá fundamento de
validade às normas inferiores.
Dessa forma, para essa teoria a validade é concebida: a) a norma ingressou
no ordenamento jurídico, é norma jurídica, é existente e é válida, por ter sido
expedida pelo agente competente mediante o procedimento específico; e b) a norma
não ingressou no ordenamento jurídico por desrespeito a um dos pressupostos de
sua constituição, não é norma jurídica, não é existente e é inválida.
58 BOBBIO, 2008, p. 47.
59 QUEIROZ, op. cit., p. 37-123. 60 KELSEN, 1986, p. 3-4.
1.3. Teoria de Paulo de Barros Carvalho
A Teoria de PAULO DE BARROS CARVALHO62 tem estreita relação com a Teoria de Norberto Bobbio, por conceber validade como norma jurídica existente.
Para o autor, validade é relação de pertencialidade da norma com o sistema,
em que norma válida é a norma jurídica existente por ter ingressado mediante o
procedimento estabelecido no sistema:
[...] E ser norma válida quer significar que mantém relação de
pertencialidade com o sistema “S”, ou que nele foi posta por órgão
legitimado a produzi-la, mediante procedimento estabelecido para
esse fim [...] relação é o vínculo que se estabelece entre a
proposição normativa e o sistema do direito posto, de tal sorte que ao
dizermos que u’a norma “N” é válida, estaremos expressando que ela
pertence ao sistema “S”.
Os critérios de pertencialidade são: autoridade competente e procedimento
próprio63. A autoridade competente consiste na pessoa autorizada pela ordem jurídica a editar a norma jurídica. O procedimento próprio representa a forma a ser
observada na produção da norma jurídica. Assim, o desrespeito a qualquer dos
critérios torna a norma jurídica passível de ser decretada inválida.
62 CARVALHO, 2011, p. 113. Também é o entendimento de Gregorio Robles (O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito. Tradução Roberto Barbosa Alves. São Paulo: Manole, 2005, p. 107); e Lourival Vilanova (2010, p. 51).
A relação da pertinencialidade da norma com o sistema é inerente à norma
jurídica válida. Nessa perspectiva, pode ser questionada e confirmada após o seu
ingresso no ordenamento. Isso posto, a norma jurídica que ingressa no sistema
presume-se válida por ter sido expedida pelo agente competente mediante o
procedimento próprio. Somente com o ingresso de outra norma que reconheça o
desrespeito aos critérios de pertinencialidade e expulse a norma inválida do sistema
que ela perde seu atributo e deixa de pertencer ao sistema.
Nisso, para a garantia do ordenamento, ao existir a norma há a presunção de
validade64, segundo a qual foram observadas as formalidades essenciais no ato de produção.
Assim, a norma jurídica nasce com presunção de validade, com força para
incidir e ser aplicada, havendo a possibilidade de ser contestada a compatibilidade
ou não da norma com as prescrições jurídicas para a sua criação, decretando-a,
quando houver o seu desrespeito, inválida, e a retirando do sistema65. Somente com
64 Aurora Tomazini de Carvalho descreve a presunção de validade: “Há, na realidade, uma
‘presunção’ posta pelo direito, de que todo o processo enunciativo introdutor de normas se deu nos
moldes das normas que o regulam, até que se constitua o contrário. [...] Se durante o processo enunciativo não foi alegado qualquer vício, ao seu término, com a produção da norma veículo introdutor, presume-se que tudo ocorreu nos moldes prescritos pelas normas de produção em vigor, porque assim diz a linguagem constituída. Presume-se que a autoridade enunciativa é competente e que o procedimento realizado para enunciação é o próprio, e que a materialidade do documento tem respaldo em norma de hierarquia superior, porque sem essa presunção torna-se impossível trabalhar
com a linguagem jurídica. [...] A ‘presunção’ é de que a enunciação (constituída juridicamente pela
enunciação-enunciada) e o produto por ela criada encontram-se em conformidade com as normas que regulam sua criação, está ligada à adequação (formal/material), não à validade da linguagem jurídica.” (2010, p. 712-713).