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2 QUESTÕES METODOLÓGICAS

5 BRINCAR, APRENDER E ENSINAR: ANÁLISE DAS CATEGORIAS CONSTITUINTES

5.5 A AUTONOMIA DA CRIANÇA EM RELAÇÃO À ATIVIDADE DO ENSINO E DO BRINCAR

Para falar da autonomia da criança em relação às atividades que realiza no ambiente da escola, faz-se necessária a definição do termo previamente. Tomamos como parâmetro a definição de autonomia a partir de Blackburn (1997, p. 31) como “capacidade de autodeterminação”. “Um agente é autônomo quando suas ações são verdadeiramente suas”. Nesse posicionamento pode-se descrever um sujeito como autônomo quando ele identifica-se com as motivações que dirigem suas ações ou ainda quando se torna capaz de alterar suas motivações quando essas não coincidem com as motivações que dirigem suas ações. Para tanto, faz-se necessária, para agir conforme regras universalmente válidas e objetivas, a escolha consciente em acatá-las.

A questão é: a autonomia nesse caso está associada à capacidade de autodeterminação em relação a quê? Seria em relação às escolhas? Em relação às ações no espaço e no tempo da escola? Ou ainda uma autonomia do pensamento?

A autonomia da criança é um elemento presente nas propostas de ambos os autores estudados, que tinham a preocupação em prepará-la para ser um sujeito autônomo em relação às atividades da vida social.

Para Montessori, parece que autonomia estava relacionada à capacidade de as crianças conseguirem realizar as atividades cada vez mais sem ajuda. Ela trabalhava tal questão oportunizando a escolha livre por parte das crianças para o uso dos materiais e a escolha das atividades que iriam desenvolver, pois acreditava que as crianças buscavam intuitivamente aquilo que necessitavam para seus desenvolvimentos. Se escolhido pela criança o objeto que iria usar, esse estaria respondendo às suas necessidades. A disciplina no método Montessori deve ser

ativa, pois, na concepção da autora, o indivíduo que é disciplinado é senhor de si mesmo e, portanto, autônomo e, em consequência disso, pode organizar, preparar e planejar seu próprio estudo. No entanto, deixa claro que “a liberdade da criança deve ter como limite o interesse do coletivo” (MONTESSORI, 1965, p. 45). Pode-se entender, a partir daí, que a autonomia da criança está na possibilidade de ela agir e fazer escolhas que lhe beneficiem dentro do limite do interesse coletivo, para isso se faz necessário que ela seja conhecedora e tenha clareza das regras estipuladas pelo coletivo. Ao jogar um jogo de regras, a criança desenvolve tal autonomia, na medida em que, dentro das regras do jogo, joga a seu favor. Ela precisa ser conhecedora de tais regras para ter essa mobilidade de jogar, agir em seu próprio benefício, dentro dos limites das regras do jogo. “[...] a função da infância na ontogênese do homem é adaptar o indivíduo ao seu ambiente, construindo um modelo de comportamento que o torne capaz de agir livremente naquele ambiente e de influir sobre ele” (MONTESSORI, 1949, p. 59).

Para Freinet, a autonomia está relacionada à tomada de decisões em relação ao planejamento e à avaliação do processo de aprendizado inteiro. As crianças definem como distribuir as atividades no tempo. Elas determinam como usar o tempo e o espaço escolar. Através da “livre expressão”, Freinet propunha um clima de liberdade e confiança entre as crianças e entre elas e os adultos. São as próprias crianças, com a parceria do adulto, que definem o que vão fazer e o momento em que vão realizar as atividades, respeitando os seus próprios ritmos. Não há coação por parte do adulto, pelo contrário, ele dirige o trabalho comunitário, supervisiona, sugere, por vezes, até repreende em casos em que se faz necessário, mas não há um completo silêncio e não se pretende que as crianças tenham uma imobilidade antinatural.

A criança a quem oferecemos atividades que respondem a suas necessidades físicas e psíquicas é sempre disciplinada, não necessita de regras ou obrigações exteriores para trabalhar ou para submeter-se à lei do esforço coletivo. A criança que participa de uma atividade que a apaixona disciplina-se a si mesma (FREINET, 1979, p. 67).

O controle, na proposta de Freinet, e a organização escolar ocorrem através dos planos de trabalho e dos certificados. Esses planos de trabalho, assim como o fichário, o jornal ou as conferências, não são uma invenção da escola tradicional, mas, como indica o autor, uma técnica adulta adaptada à escola, mas com as mesmas motivações e finalidades. O plano de trabalho é uma técnica que envolve e motiva as crianças, porque elas próprias decidem o que vão fazer e porque podem trabalhar nisso segundo seu ritmo e nas horas que lhes convém. Fazem um plano semanal no qual organizam e registram aquilo que vão estudar a partir do currículo anual discutido e definido no coletivo previamente. Esse registro é feito em uma tabela individual na qual ficam anotados seu próprio trabalho e os saberes adquiridos no período de uma semana. O comportamento escolar de aquisição do saber e o comportamento social no grupo que também são registrados estabelecem o perfil de sua personalidade.

Essas inovações (planos de trabalho e certificados) marcam uma nova etapa da pedagogia baseada em instrumentos e técnicas que, por sua utilização, ampliam a ação pessoal da criança, em um meio que cada vez mais ajuda, oferecendo sempre os recursos da

vida social (FREINET,1979, p. 109).

Percebe-se, portanto, que as ações e as propostas de trabalho na pedagogia Freinet visam a todo o momento ao desenvolvimento da autonomia infantil.

Há a liberdade de trabalhar, de se deslocar, de falar ou de escrever, é uma ideia de liberdade submetida ao meio social. A organização de um máximo de liberdade de trabalho, de liberdade de movimento, de expressão, supõe um máximo de organização técnica. “É por isso que na pedagogia Freinet é dada ênfase à organização técnica, que tornará mais favorável à educação as condições de vida e de trabalho das crianças” (FREINET, 1979, p. 112).

As fitas gravadas e educativas que as crianças faziam com a colaboração do professor eram organizadas pelas próprias crianças, que assim testavam a eficiência da prática pessoal, ou seja, elas mesmas colocavam em ordem as sequências de aprendizagem, com detalhamento revelando habilidades que normalmente não eram verificadas nos relatos de experiências pedagógicas da época.

Através da livre expressão, da produção dos jornais escolares, da correspondência interescolar, pelos planos de trabalho e pelas conferências, os alunos tinham a palavra e se preparavam prática e experimentalmente para sua função de homens. Eram técnicas voltadas para a preocupação em formar crianças com autonomia e pensadas por um professor com espírito libertador.

Podemos definir que a autonomia da criança em relação às atividades que realiza no ambiente da escola combina a autodeterminação, sem esquecer que essa autodeterminação deve estar em sintonia ou senão deve acatar as decisões do coletivo em relação às questões do uso do tempo, do espaço, da escolha dos materiais a serem usados, das determinações em relação ao planejamento e às tomadas de decisão.

5.6 ATIVIDADES INDIVIDUAIS E COLETIVAS NO