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2 QUESTÕES METODOLÓGICAS

4 BRINCAR, APRENDER E ENSINAR NAS PEDAGOGIAS DE MONTESSORI E FREINET

4.2 BRINCAR, APRENDER E ENSINAR NA PEDAGOGIA FREINET

4.2.3 As técnicas educativas de Freinet

Ao mesmo tempo que buscamos a matriz científica da obra de Freinet, não queremos correr o risco de priorizá-la diante das suas técnicas educativas, as quais procuraremos ilustrar neste texto. O próprio Freinet indica que não se deteve por muito tempo na justificação teórica de suas técnicas, no entanto, ao longo da leitura de suas obras, pudemos delinear essa fundamentação teórica. Nossa intenção neste momento é revelar esse movimento dialético entre teoria e prática que Freinet tanto defende, valorizando o conhecimento produzido no cotidiano, e não somente o conhecimento científico.

O texto livre, a tipografia, o material impresso, o jornal escolar, o cinema, a fotografia, o rádio, o gravador, as conferências, as aulas-passeios e as correspondências interescolares são instrumentos e técnicas colocadas à disposição das crianças, através das quais Freinet propunha um ensino com as raízes no meio em que se vive, por meio do trabalho efetivo que respondesse às necessidades funcionais dos indivíduos e que exigisse a cooperação. Essas técnicas eram utilizadas por ele para atrair a atenção, a observação e a concentração das crianças e surgiram a partir da experiência prática do autor, através da observação da ação escolar cotidiana.

O texto livre “é um documento humano que abre caminhos infinitos na vida da criança e que por preço algum se deve escolarizar e menos ainda ‘escolastizar’” (FREINET, 1977a, p. 373). Portanto, é a criança quem escolhe o tema, o tempo e a forma com que irá produzi-lo. O texto livre pode ser um desenho, uma pintura, um poema, uma música ou até mesmo um texto oral que pode ser transcrito no quadro para que, em conjunto, os alunos analisem, aperfeiçoem e posteriormente o copiem. Essa atividade surgia nas aulas de Freinet naturalmente a partir das aulas-passeios ou de alguma curiosidade que partia das crianças. Esses textos eram impressos através da impressora e do linógrafo para, então, serem enviados para seus correspondentes e anexos ao livro da vida23 ou ao jornal escolar, que servia para comunicação entre escolas, pais e comunidade.

Os aspectos mais marcantes e mais demonstrativos da livre expressão

23 Livro da vida é uma espécie de diário de aula ao qual são anexos os

registros de pesquisas, textos, desenhos, pinturas, recortes, notícias, fotos, tudo o que for considerado relevante pelo grupo, registrando a livre expressão dos alunos. Ele permite às crianças exibirem suas diferentes formas de ver a aula e a vida, bem como visualizem a evolução do trabalho.

é, sem dúvida, o desenvolvimento da cultura artística e literária da infância: desenhos e pinturas, poemas, descrições e peças de teatro, criações musicais, não são sucessos acidentais, e sim criações sem eclipses, que alimentam sem fim, exposições, revistas, encontros de crianças mergulhadas na criatividade natural que as apaixona (FREINET, 1979, p. 141).

O texto livre é, portanto, um dos principais demonstrativos da livre expressão que terão como uma de suas motivações a tipografia, a qual é uma técnica de trabalho livre e criador.

[...] ela [a tipografia] abriu horizontes novos e uma pedagogia baseada nos verdadeiros interesses, geradores de vida e de trabalho. De repente, restabeleceu a unidade do pensamento, da atividade e da vida infantis; integrou a escola no processo normal de evolução individual e social dos alunos (FREINET, 1977a, p. 204). No entanto, não era somente o uso da tipografia, da impressora e do linógrafo que Freinet propunha fazer na escola. As crianças apropriavam-se também do uso de outros meios tecnológicos que, para a época, eram totalmente inovadores no meio escolar, tais como jornal, cinema, fotografia, rádio, gravador, vitrolas e discos. Era o uso de instrumentos de ação social, de organização coletiva da vida na sociedade que ele trazia para dentro da escola com o objetivo de preparar os alunos prática e experimentalmente para suas funções de homens. Freinet

faz uso das técnicas das fitas gravadas e educativas para registrar as sequências de aprendizagem com precisão, as quais eram feitas pelo professor e pelos alunos em colaboração. O espaço escolar, portanto, era vivenciado pelos alunos e pelo professor como uma cooperativa escolar, ou seja, o trabalho que nela acontecia era baseado na cooperação. Nessa forma de organização todos têm direito de opinar sobre as decisões coletivas do grupo; logo, os objetivos, os meios e os princípios através dos quais orientarão seu trabalho são definidos no coletivo. Tal vivência escolar estaria preparando as crianças para a vida em sociedade numa perspectiva socialista.

Percebendo o interesse das crianças para aquilo que estava fora da sala de aula, surgiu para Freinet a ideia das aulas-passeios, que oportunizavam aos alunos vivenciarem a aptidão natural que os indivíduos têm de pesquisar, procurar, sondar e medir. Nesses passeios as crianças observavam e recolhiam diferentes elementos da natureza e do meio físico e social, ao qual estão inseridos, realizavam registros, entrevistas, coleta de documentos, para na volta à sala de aula averbarem coletivamente suas descobertas.

Os programas que são a exigência do ensino e preveem os conteúdos a serem trabalhados nas disciplinas escolares (língua, matemática, ciências, história, geografia) são respeitados na proposta pedagógica de Freinet, o que muda é a maneira como são desenvolvidos. O estudo dos conteúdos das diferentes áreas do conhecimento se dá, portanto, vinculado à realidade, conforme surge a necessidade de compreensão de determinados conhecimentos para o entendimento dos temas de interesse do grupo.

[...] esses programas, que podem ser “vividos” pelo estudo do meio, pelas enquetes, pelas investigações, todos eles métodos de um conhecimento direto que vai servir

de suporte a um conhecimento mais amplo, o qual exige uma documentação que se vai enriquecendo de ano para ano, classificada no fichário escolar cooperativo (FREINET, 1979, p. 104).

O fichário escolar cooperativo era, portanto, uma técnica coletiva, constante e meticulosa que proporcionava o acúmulo de documentos; era composto de fichas com assuntos específicos que, na hora da avaliação, serviam de análise para o professor em suas futuras intervenções. O fichário autocorretivo é outra técnica que se caracteriza por um conjunto de fichas: umas com problemas e outras com as soluções relacionadas aos conteúdos relativos às diferentes áreas do conhecimento. Essa é uma forma de respeitar o ritmo de cada estudante e oportunizar uma atividade adicional àqueles que precisam rever alguma ideia que não tenha ficado muito clara.

O controle é previsto na proposta de Freinet de uma maneira bem diferente daquele realizado na escola tradicional. A organização escolar, nesse caso, ocorre através dos planos de trabalho e dos certificados. A técnica dos planos de trabalho é adaptada, segundo Élise (1979), do trabalho adulto para a escola com as mesmas motivações e finalidades. São as próprias crianças que definem o que vão fazer e o momento em que vão realizar as atividades, respeitando seus próprios ritmos. Essas definições são feitas já no início do ano, no momento em que o professor apresenta o programa curricular aos alunos e propõe que definam como será seguido, e então em conjunto dividem por planos semanais. Existe um modelo de gráfico que faz parte de uma caderneta escolar em que a criança anota o seu próprio trabalho semanalmente, na qual os saberes adquiridos por ela ficam registrados. Nessa caderneta não se faz uso de nenhum tipo de classificação, portanto é um documento pessoal no qual não há notas

para quantificar o conhecimento e é identificada com a foto de cada criança.

Élise (1979) indica que outro meio de controle das capacidades desenvolvidas pelas crianças são os certificados. Eles apresentam duas formas: certificado obrigatório e certificados acessórios. O primeiro serve para certificar que a criança alcançou os objetivos propostos no currículo, e o segundo indica as tendências e as aptidões das crianças, que devem ser valorizadas na escola.

Outra prática adotada na escola Freinet como forma de avaliação do comportamento social dos estudantes é o jornal mural. Ele é composto de um cartaz no qual estão registradas as seguintes frases: Eu critico, Eu felicito, Eu gostaria e Eu realizei. Geralmente esse cartaz fica em um lugar de destaque e acessível às crianças para que possam contribuir com seus registros, que envolvem críticas, desejos, opiniões. Ele é lido nas conferências e, a partir da discussão sobre os registros nele impressos, são feitos encaminhamentos que oportunizam uma tomada de consciência pela comunidade escolar.

Finalmente, podemos perceber a relação dialética que existe entre essas técnicas criadas por Freinet e a teoria que dá base à sua elaboração, já que podemos entendê-las numa relação de simultaneidade, em que os princípios científicos dão sustentação às ações e, ao mesmo tempo, são verificados nelas. Há como verificar na prática dessas técnicas o mesmo sentido dinâmico que há na vida, confirma-se, então, uma das principais leis da pedagogia Freinet: “A vida se prepara pela vida”.