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PRÁTICA DA OBSERVAÇÃO PEDAGÓGICA A partir do estudo das pedagogias Montessori e

2 QUESTÕES METODOLÓGICAS

5 BRINCAR, APRENDER E ENSINAR: ANÁLISE DAS CATEGORIAS CONSTITUINTES

5.1 PRÁTICA DA OBSERVAÇÃO PEDAGÓGICA A partir do estudo das pedagogias Montessori e

Freinet, surge o conceito de “prática da observação pedagógica” como um importante elemento a ser considerado na prática pedagógica escolar. Nesse contexto, o sentido de observação está associado à ação de analisar de maneira intencional e planejada para conhecer e compreender as crianças em seus processos de produção no ambiente escolar, com o objetivo de avaliar e descrever tais processos, bem como redefinir o planejamento. É, portanto, uma ação baseada na produção e não somente no resultado do produto, como se verificava na proposta de uma educação tradicional. No entanto, podemos evidenciar

diferentes especificidades desse conceito para um e outro autor.

Na observação das crianças em suas atividades, Montessori buscava o entendimento de como essas aprendem para planejar e organizar o tempo e o espaço escolar e propor atividades. A orientação e a organização da confecção dos “materiais do desenvolvimento” partiam também das observações que realizava. Na sua concepção não era possível educar um indivíduo sem conhecê-lo diretamente; para tanto, propunha um estudo individualizado de cada criança que se dava a partir da sua observação em suas “livres manifestações”, pois acreditava que “O método da observação há de fundamentar-se sobre uma só base: a liberdade de expressão que permite às crianças revelar-nos suas qualidades e necessidades, que permaneceriam ocultas ou recalcadas num ambiente hostil à atividade espontânea” (1965, p. 42).

Segundo Montessori, vendo as crianças em suas atividades, o professor terá elementos para compreendê-las e, a partir do entendimento criterioso que vier a ter das especificidades da vida infantil, terá dados que lhe possibilitarão preparar o ambiente escolar voltado para as qualidades e as necessidades das crianças com as quais está trabalhando.

Por outro lado, Freinet criava suas técnicas pedagógicas e planejava as aulas a partir das observações que fazia, mas principalmente a partir das experiências vividas com os estudantes. A observação do professor nesse caso está associada não só à ação de analisar as crianças em suas atividades, como acontecia em Montessori, mas criar a oportunidade de fala às crianças, de participação na realização do planejamento com o grupo. Entre as atividades que possibilitavam esse planejamento conjunto, estavam as assembleias que criava. Esse era um momento em que professor e os estudantes sentavam-se juntos em círculos e organizadamente; através de inscrições, todos tinham o direito de participar das

decisões, fazerem sugestões e críticas, as quais eram incluídas no planejamento.

Outra atividade educativa que ele desenvolvia e que oportunizava não só a observação e o conhecimento do grupo pelo professor, mas também a participação dos estudantes, era a produção de um cartaz no qual as crianças iam registrando seus pensamentos sobre a vida no grupo, ao longo do período que antecedia a assembleia criada especificamente para analisar as questões relacionadas ao comportamento. Nesse cartaz eles registravam suas críticas, sugestões e felicitações a todo tipo de acontecimentos e comportamentos que perpassavam as relações do grupo. Esses registros eram discutidos e suas indicações acatadas por todos e cobradas pelo grupo daqueles que eventualmente não as cumprissem. Daí resulta uma organização democrática em que professor e crianças tomam as decisões de forma conjunta através das assembleias e fazem uma análise crítica dos procedimentos encaminhados. A partir, por exemplo, do “jornal mural”, todos têm o direito de opinar sobre as decisões coletivas do grupo.

Ao contrário de Montessori, a observação para Freinet não é, portanto, exclusiva do professor, mas todos os participantes do grupo têm sua atenção voltada para verem e ouvirem seus colegas (e também o professor). Além disso, a observação, nesse sentido, informa não apenas ao professor como deve avaliar e modificar sua ação, mas também informa a todos do grupo que deverão usar essas informações para planejarem, em conjunto, as próximas ações. O professor, nesse caso, é um dos que observam, mas, sobretudo, é quem organiza o grupo de modo a criar uma situação de escuta recíproca. Além disso, o professor precisa organizar a pauta dessas observações, identificar os assuntos que vêm à tona, assegurar-lhes o espaço e o registro, e trazer, ele mesmo, assuntos que considera relevantes (que ele observou durante o trabalho) e que talvez não tenham sido destacados por outros do

grupo. O valor da observação para fins de avaliação e planejamento de ações, além de servir para que as relações no grupo sejam sempre esclarecidas, é tão grande para Freinet que faz parte da própria “aula”, faz parte do tempo de ensino. A observação, para Freinet, embora seja individual, é compartilhada coletivamente. Nesse sentido, o professor “ensina” as crianças a observarem o grupo no cotidiano (com a própria técnica que induz ao registro dos pensamentos e dos sentimentos) e registrarem suas observações para então compartilharem tais observações e as de seus colegas com o grupo.

Em ambas as propostas, há o respeito à criança; no entanto, em Montessori verifica-se que isso se dava a partir da preocupação em entender a criança e organizar uma prática voltada a ela a partir da observação de suas especificidades. Já Freinet vai além da observação. As crianças são provocadas a participar da organização do tempo, do espaço, do conhecimento. Entendemos que em Montessori acontecia uma participação da criança de forma indireta em tais organizações, à medida que, ao observar e ouvir as crianças, suas indicações eram incluídas na prática pedagógica. Em Freinet a participação se dá de maneira direta, na medida em que as crianças participavam ativamente do planejamento. Verifica-se em Freinet a preocupação em preparar as crianças para proporem uma forma diferente de sociabilidade a partir das relações desenvolvidas dentro da escola.

Certamente, observar a criança em seu processo de aprendizado, como era proposto por Montessori e Freinet, mesmo com as diferenças entre a proposta de observação de um e de outro evidenciada acima, é um grande avanço em relação ao ensino tradicional, que tinha como foco a observação somente do produto final, o que não possibilita compreender as particularidades do processo de aprendizado das crianças. Tal observação faz parte do ensino com o brincar em dois sentidos. Primeiro, ao observar as crianças, o professor tem elementos que

justificam a importância da presença do brincar na prática pedagógica, pois elas revelam a necessidade que têm dessa atividade para se desenvolver. Segundo, o brincar surge como um meio de afetação no sentido que indicam Gomes e Mello: “[...] pensar na motivação para a aprendizagem implica pensar em afetação, em como o sujeito é tomado por, atravessado, perpassado pelas idéias, pelos objetos e fenômenos da realidade escolar” (MELLO; GOMES, 2010, p. 689, grifos das autoras).

Sendo o brincar a atividade principal da criança, pode ser pensado como elemento da prática pedagógica que irá possibilitar à criança ser tomada por, atravessada, perpassada pelos conhecimentos e objetos que fazem parte da atividade principal da escola, o estudo, no sentido de dar a ele um sentido e, portanto, provocar na criança a necessidade e o desejo de aprender. A observação atenta do professor em relação às suas crianças é, portanto, um instrumento de conhecimento dos sujeitos reais, concretos, e também do grupo como rede de inter-relações sociais. A observação compartilhada em que o professor e as crianças tomam conhecimento juntos da análise que fazem sobre a vida do grupo pode trazer elementos de maior enriquecimento para o cotidiano. Com a presença do conhecimento do professor sobre o ensino que afete as crianças (e a ele também, por que não?), o brincar na prática pedagógica ganha o sentido de apropriação da cultura letrada e da formação humanizadora que envolve a imaginação entre a fantasia e o real diante do conhecimento objetivo, no processo de observar, compartilhar e propor.

Chamamos, portanto, de prática da observação pedagógica na escola a prática planejada e intencional de olhar as crianças em seus processos de aprendizagem e comportamento para conhecê-las e planejar o ensino, bem como de possibilitar-lhes uma participação ativa nas decisões do grupo. Entendemos que conhecer a criança, seu modo de pensar, agir e relacionar-se é um aspecto

indispensável para tornar a escola um espaço de respeito à infância.