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4. AS AGÊNCIAS REGULADORAS NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO

4.4 AUTONOMIA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS BRASILEIRAS

Como visto, a agência reguladora é uma autarquia. Isso significa que se trata de uma pessoa jurídica dotada de personalidade jurídica de Direito Público, que não desempenha atividade econômica em sentido restrito. Mas a qualificação da agência reguladora como autarquia não significa reconhecer a identidade de seu regime jurídico com qualquer outra autarquia. Não existe um regime jurídico único para as autarquias, incumbindo à lei instituidora definir o conjunto de princípios e regras aplicáveis - sempre observados os princípios, regras e limites constitucionais, ressalva cuja obviedade até tornaria dispensável de fazer-se (Justen Filho, 2002, p.391).

E evidente que não existirá uma agência independente quando os atos por ela praticados estiverem subordinados à ratificação ou revisão de outra autoridade administrativa.

Ainda que a expressão “autarquia especial” comporte inúmeros significados, um núcleo fundamental consiste na ausência de submissão da entidade, no exercício de suas competências, à interferência de outros entes administrativos. A produção dos atos de competência da autarquia não depende da aprovação prévia ou posterior da Administração direta, tal como não se verifica uma competência de revisão desses atos. Como ensina Di PIETRO (1999, p.132):

As agências como autarquias que são, estão sujeitas à tutela ou controle administrativo exercido pelo Ministério a que se acham vinculadas. Todavia, como autarquias de regime especial, seus atos não podem ser revistos ou alterados pelo Poder Executivo.

Tendo as agências reguladoras sido criadas para propiciar uma regulação mais eficiente de atividades de especial interesse e sensibilidade da sociedade, não faria sentido que elas fossem neutralizadas em relação ao poder político e deixadas livres a influencia econômica dos poderosos interesses regulados. Trata-se da captura sempre colocada, mormente nos EUA, como um dos maiores riscos das agências reguladoras independentes.

Por isso hão de ser prescritas normas e garantias para que seus titulares não atuem no interesse de grupos para os quais tenham trabalhado ou para os quais

pretendiam, formal ou informalmente, trabalhar, depois de deixarem a direção da entidade reguladora.

Medidas como a imposição da chamada “quarentena” são úteis, mas não suficientes, pois, nas palavras de Cuéllar (2001) por trás da burocracia, podem estar agindo interesses outros além dos oficialmente invocados como suporte para as decisões. Não é necessário frisar ter sido esta prática bastante encontradiça em agências brasileiras.

Detalhando o problema, observa o mesmo autor que os grupos de interesse tendem, desde logo, a capturar as agências reguladoras. Estas nem sempre se destinam a proteger público, mas podem vir a significar uma defesa e proteção para os empresários do setor, e simultaneamente, a introdução ou elevação de barreiras de entrada para os que estão de fora.

Este quadro é agravado pela necessidade constante de obtenção de informações dos setores regulados pelo fato destes, com o passar do tempo, possuir maior interesse na agência que os consumidores ou Poder Público, o que leva a certa identificação entre regulados e possível atenuação dos vínculos de fiscalização e controle originariamente previsto.

As forças pluralistas perturbam a imparcialidade da burocracia com sua influência exercida sobre a ocupação, orientada por critérios políticos, das administrações autárquicas ou até dos ministérios, quer através da infiltração em cargos burocráticos de pessoas que esperam favores especiais. Mas à parte de tal patrocínio de cargos e respectivo oportunismo na progressão da carreira, também o empenhamento natural do funcionário em prol do setor de vida que lhe foi confiado, pode levar a que ele se identifique com os interesses que deve gerir.

O problema, certamente, não é específico das agências reguladoras, ocorrendo, em maior ou em menor grau, em toda a administração pública aqui e alhures. Todavia quando um ordenamento é setorizado, os seus dirigentes, inclusive pela formação técnico profissional especializada no setor, tende a ter um contato mais estreito e freqüente com os agentes econômicos regulados, o que se por um lado é positivo, por outro, se não forem criados os instrumentos necessários, poderá levar a parcialidade das agências.

Com isso se vê que, apesar de, em relação aos poderes políticos do Estado, a independência de tais entidades estar, felizmente em avançado processo de

afirmação, ainda há um longo caminho a percorrer para que seja assegurada a sua plena independência face aos interesses regulados.

4.4.1 Autonomia

Segundo Justen Filho (2002, p. 396) a maior fonte de disputa acerca da temática das agências reguladoras deriva da indeterminação semântica do vocábulo autonomia. Aliás, não é incomum as pessoas concordarem acerca do problema de fundo e restringirem sua divergência à questão vocabular. Assim, por exemplo, pode haver entendimento uniforme acerca da extensão dos vínculos que jungem as agências em face dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Mas alguns afirmam que tal caracteriza situação de autonomia, enquanto outros o negam. Nesse caso, a controvérsia deriva não de alguma disputa específica acerca do regime jurídico das agências, mas do significado do vocábulo autonomia.

Na realidade, o fator fundamental para garantir a autonomia da agência parece estar na estabilidade dos dirigentes. Na maior parte das agências atuais o modelo vem sendo o de estabelecer mandatos. O Presidente da República, no caso das agências federais, escolhe os dirigentes e os indica ao Senado Federal, que os sabatina e aprova (o mesmo sistema usado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal); uma vez nomeados, eles exercem mandato, não podendo ser exonerados ‘ad nutum’; isso é o que garante efetivamente a autonomia.

Logo, o que se pode perceber frente à descentralização e centralização do poder administrativo público e da autonomia das agências reguladoras é que a autonomia das citadas agências pode ser financeira sendo este um requisito essencial para que sua autonomia se efetive na prática e a autonomia de decisões, onde as agências e suas decisões sujeitam-se ou não a administração central.

Um dado relevante a propósito da autonomia das agências relaciona-se com a privatividade ou não de suas competências. Serão muito mais autônomas as agências quando forem titulares privativas de certas competências. Se determinadas decisões puderem ser produzidas quer pela agência como por outros órgãos do Executivo, configurar-se-á ausência de autonomia. Justen Filho ressalta que a

questão não se resolve no plano constitucional. Cabe à lei instituidora da autarquia determinar a extensão da sua competência. Logo, isso importa uma solução precária.

Nesse sentido Justen Filho (2002, p.403) apresenta a questão da seguinte forma:

Sob o ponto de vista teórico, a situação é idêntica em todos os diversos países que adotam o modelo de agências.

Partindo de tais pressupostos, o tema da autonomia pode ser examinado em uma consideração analítica. Promovendo-se a dissociação do regime jurídico aplicável a um certo sujeito para identificar os diversos ângulos da disciplina a que se sujeita, isolam-se as diversas soluções consagradas pelo Direito. Para esse fim, a expressão autonomia pode referir-se a três categorias de características, a saber:

a) autonomia organizacional: capacidade de determinar a própria organização, inclusive no tocante ao pessoal. Alude-se, então, a independência como característica da organização;

b) autonomia funcional: capacidade de orientar o modo de exercício das competências recebidas por lei, inclusive com produção de atos normativos de nível secundário - o que propicia disputas acerca de questões constitucionais. Indica-se a independência como exercício das competências;

c) autonomia dos servidores: regime jurídico peculiar acerca das condições e requisitos para provimento dos servidores de mais elevada hierarquia, tal como o exercício de suas atividades e sua demissão. Refere-se à independência como característica dos titulares dos órgãos da entidade.

Por tudo o que se disse não se pode aludir à autonomia como um problema a ser resolvido em tese, em termos gerais para todas as agências. Deve verificar-se em face de cada questão e perante o regime jurídico específico de cada agência a margem de independência determinada legislativamente.