Rogers e Blenko (2008) lembram que “cada êxito, cada infortúnio, cada oportunidade
aproveitada ou perdida é resultado de uma decisão que alguém tomou – ou deixou de tomar” (p.
2). Assim, ao longo do tempo, diversas metodologias foram e são criadas visando o aprimoramento do processo de decisão, de forma a refinar os métodos de comparação de alternativas e, consequentemente, auxiliar na seleção da melhor solução disponível.
Adicionalmente, Hammond et al. (2008) relacionam as “más decisões”, “em muitos
casos (...) com a maneira como foram tomadas – as alternativas não foram definidas claramente, as informações corretas não foram coletadas, os custos e benefícios não foram avaliados com precisão” (p. 165).
A abordagem monocritério tem sido a mais utilizada para auxiliar a tomada de decisão. Tal abordagem baseia-se em um único critério (em geral, uma medida quantitativa de eficiência econômica) como, por exemplo, as relações Retorno/Risco e Benefício/Custo que são usualmente adotadas. Também são empregados modelos matemáticos de otimização para encontrar a “solução ótima”: a alternativa que otimiza uma determinada função (ENSSLIN et al., 2001).
Com origem no início da década de 1940, entre os Aliados na Segunda Grande Guerra, a Pesquisa Operacional surgiu a partir da necessidade de “subsídios técnicos para as tomadas de
decisão que envolvessem a distribuição ‘ótima’ de tropas entre as diferentes frentes de batalhas”
para solução de um sistema de equações lineares que representassem as relações e restrições (modelo matemático) do sistema a ser otimizado. Em 1947, liderada pelo norte-americano George B. Dantzig, uma equipe de cientistas concluiu o desenvolvimento da técnica de programa linear denominada Método Simplex, algoritmo que vem, desde então, sendo o mais utilizado em
softwares e citado na literatura técnica (CAIXETA-FILHO, 2004).
Tais modelagens se enquadram no paradigma racionalista, onde “os modelos buscam
descrever de forma mais aproximada possível ‘a realidade’ (o contexto decisório), visando resolver ‘o problema real’” e, portanto, nessa abordagem, os modelos descrevem “um problema que independe das pessoas que estão decidindo” (ENSSLIN et al., 2001, p. 26).
Todavia, “um problema é uma construção que um sujeito faz a partir de eventos, mas
sempre de forma pessoal (...). A natureza subjetiva dos problemas provém da construção que a pessoa faz a partir de um quadro mental de crenças pessoais, atitudes, hipóteses, pré- julgamentos, expectativas, objetivos e valores” (COSTA, 1996, p. 12). Keeney e Raiffa (1993)
entendem que para problemas complexos não é possível estabelecer objetivos sem considerar “valores subjetivos e tradeoffs”. A tais elementos subjetivos e pessoais, intrínsecos ao “problema”, somam-se as dificuldades de se avaliar e aquilatar as alternativas existentes.
Sob tal perspectiva, há a necessidade de se analisar alternativas e compará-las, ou ainda,
“ordená-las decrescentemente em função de suas preferências globais”. Levando em conta tais
contextos mais sofisticados e/ou complexos, um caminho possível é “descrever as ações e
caracterizar suas múltiplas consequências para poder avaliá-las mais facilmente em termos de comparação relativa dos seus méritos e desvantagens” (COSTA, 1996, p. 4).
Galves e Bouyssou (2005), por sua vez, argumentam que “problemas multidimensionais
necessitam ser tratados por abordagem de múltiplos critérios” (p. 2).
Assim, métodos de avaliação multicritério, onde se procura considerar não só múltiplas variáveis de naturezas distintas (quantitativas ou qualitativas, discretas ou contínuas, etc.), mas também aspectos subjetivos dos decisores, vêm sendo cada vez mais adotados no apoio à tomada de decisão. Em especial, nas situações cujo contexto decisório envolva diversos atores e
decisores, múltiplos interesses e objetivos, conflitantes inclusive, e diversas alternativas em pauta, cujos desempenhos nem sempre são de fácil mensuração, ou comparação entre si, e que, frequentemente, são mutuamente exclusivas ou mesmo representam estratégias antagônicas66.
Ressalta-se que, enquanto as metodologias de caráter racionalista são voltadas para a
tomada de decisão, o auxílio à decisão se caracteriza como uma abordagem construtivista e
constitui “um processo, e não meramente um momento de escolha de uma alternativa” (ENSSLIN et al., 2001, p. 27). Portanto, sua finalidade é a de gerar conhecimento, servindo
“como base para que os decisores compreendam a repercussão que as ações exercem sobre seus valores e, além disso, permitem identificar oportunidades de aperfeiçoamento” (ENSSLIN et al.
2001, p. 31). A Tabela 3.1 resume as diferenças dos paradigmas racionalista e construtivista.
Paradigma Racionalista Paradigma Construtivista
Tomada de decisão Momento em que ocorre a
escolha da solução ótima
Processo ao longo do tempo envolvendo interação entre os atores
Decisor Totalmente racional Dotado de sistema de valores próprio
Problema a ser resolvido Problema real Problema construído (cada decisor
constrói seu próprio problema)
Os modelos Representam a realidade
objetiva
São ferramentas aceitas pelos decisores como Apoio à Decisão
Os Resultados dos Modelos Soluções ótimas Recomendações que visam atender
aos valores dos decisores
O Objetivo da modelagem Encontrar a solução ótima Gerar conhecimento aos decisores
sobre seu problema
A validade do modelo
Modelo é válido quando representa a realidade
objetivamente
Modelo é valido quando serve como ferramenta de Apoio à Decisão
Preferência dos decisores São extraídas pelo analista São construídas com o facilitador
66
Como exemplo, os problemas de transporte nas metrópoles, onde obras de engenharia (viadutos, túneis, metrôs, etc.) são consideradas soluções por muitos, enquanto outras parcelas da sociedade advogam ações de reorganização urbana (associar moradia e local de trabalho, transferir produção para o interior, etc) ou mudanças de hábitos, tal como incentivar viagens à pé (VIOLATO et al, 2011).
Forma de atuação Tomada de decisão Apoio à decisão
Tabela 3.1 – Características dos paradigmas racionalista e construtivista Fonte: Ensslin et al. (2001).
O auxílio multicritério à decisão busca, então, agrupar, na mesma análise, diversos aspectos, inclusive aqueles subjetivos, que concernem a um contexto decisório complexo, onde há diversos atores, decisores, alternativas (por vezes, excludentes entre si e de naturezas distintas), interesses, objetivos e metas: quantitativas e qualitativas. Daí, seu foco é contribuir tanto com o entendimento sobre o problema a ser resolvido e seu contexto, quanto na construção de soluções viáveis. No papel de auxílio à tomada de decisão, Costa (1996) lembra que “o
objetivo das metodologias multicritérios de apoio à decisão é fazer recomendações de ações que seriam soluções adequadas à situação problemática em questão, não significando que necessariamente a solução a ser escolhida seja aquela que obtenha a maior pontuação . Esta escolha cabe exclusivamente ao decisor, que neste ponto do processo deve ter claro todo o problema, sendo a escolha, função do seu entendimento” (p. 67).
Nesse contexto, pode-se dividir o processo de Auxílio Multicritério à Decisão em etapas, conforme proposto por Ensslin et al. (2000) e ilustrado na Figura 3.1.
1) Fase de estruturação
- Construção de Mapas Cognitivos - Definição da Família de Pontos de Vista - Construção de Descritores
2) Fase de valoração
- Construção do modelo
Construção de Funções de Valor para cada Descritor (Atributo) Identificação das Taxas de Compensação (Taxas de Substituição)
- Identificação do perfil de impacto das alternativas - Análise dos Resultados
3) Fase de recomendação
Figura 3.1 – Fases do Auxílio Multicritério à Decisão Fonte: Ensslin et al. (2000) - adaptado
Destaca-se que a sistematização e classificação das fases do Auxílio Multicritério à Decisão não são rígidas. Como exemplo, pode-se citar Costa (1996), que delimita, basicamente,
duas etapas distintas: a fase de definição e estruturação do problema e a fase de avaliação de
alternativas e seleção da solução a ser adotada.
Já Galves (2005) inclui na “Fase de Estruturação” as seguintes atividades: identificação do problema de decisão; caracterização do contexto decisório; definição de objetivos e atributos; construção de alternativas e estabelecimento dos níveis de impacto dos atributos. Muito embora o proposto por Galves (2005) esteja em linha com outros autores, como Ensslin et al. (2000), a
própria autora reconhece que se trata de uma “questão difícil” definir onde acaba a fase de estruturação e começa a de valoração, uma vez que são “fases interativas” do processo de análise, bem como lembra que pesquisadores interpretam de formas distintas o termo “estruturação”.
Enfim, conclui-se que o primeiro passo para se abordar um problema de decisão é justamente a reflexão sobre ele, de modo a captar informações ainda não percebidas e compreender, a partir de outras perspectivas, a problemática em tela e seu contexto decisório: atores e decisores; objetivos, necessidades, interesses e restrições que envolvem tal decisão e alternativas existentes e suas consequências.