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Avaliação das Propriedades de Medida Pós-Tradução

PARTE II – ESTUDO EMPÍRICO

4. METODOLOGIA

4.3. Tradução e Validação do Instrumento Psicométrico

4.3.4. Avaliação das Propriedades de Medida Pós-Tradução

Após estar terminado o processo de tradução de um instrumento

psicométrico, importa apreciar a sua validade concetual de modo a assegurar-se que a escala mede bem o conceito que é suposto ela medir (Fortin, Côté & Filion, 2009). Nesse sentido, foi realizado um convite a um painel multidisciplinar de peritos na área da Saúde Mental e Psiquiatria e/ou ligados à investigação dos estados confusionais agudos, no sentido de se realizar uma validação de conteúdo do CAM (relação entre os itens e o que se pretende que a escala meça). Apesar de este processo não ser obrigatório (já que se trata de uma tradução e validação de um instrumento psicométrico, e não da sua construção), acreditou-se ser importante verificar se, no contexto de Portugal, se mantinha a adequação entre os itens do CAM e o diagnóstico de delirium.

Para a definição do grupo de peritos aplicaram-se os seguintes critérios de inclusão (presença de dois ou três dos seguintes critérios): ser/ter sido investigador na área da confusão aguda/estados confusionais agudos; ser detentor do grau de Doutor ou Mestre; possuir, no mínimo, dois anos de experiência em Saúde Mental ou nos contextos em que os estados confusionais agudos são mais prevalentes (Medicina Interna, Cirurgia, Cuidados Intensivos, Ortopedia, Geriatria,...).

Foi, assim, endossado um convite para a integração do grupo de peritos a oito profissionais, tendo este sido aceite por três deles (um psicólogo e dois enfermeiros), e recusado por dois (uma médica e uma psicóloga). Dois dos profissionais de saúde convidados (enfermeiros) não deram qualquer tipo de resposta, e uma das convidadas (médica) não pôde aceitar o convite por não apresentar critérios correspondentes aos pré-definidos para integrar o grupo de peritos.

Ao realizar a tradução de um instrumento de medida de uma língua para outra, altera-se a sua fidelidade e a validade, ou seja, alteram-se as suas propriedades psicométricas (Fortin, Côté & Filion, 2009). Nesse sentido, após a conclusão do trabalho de validação de conteúdo (ainda que limitado pelo número reduzido de respostas obtidas), estavam criadas todas as condições para avançar para aquele que é o core do presente trabalho: a avaliação das propriedades psicométricas do CAM para a população portuguesa. Para tal, seria importante a avaliação dos dois grandes tipos de propriedades psicométricas: a fidelidade e a validade (Ribeiro, 2010).

A fidelidade significa, de forma resumida, que as notas obtidas por avaliadores (os mesmos ou outros) quando avaliam as mesmas pessoas em diferentes ocasiões, com os mesmos testes ou com um conjunto equivalente de

itens, são semelhantes (Anastasi, 1990, cit. por Ribeiro, 2010). Os níveis de fidelidade que podem ser identificados num teste são os seguintes: consistência interna (através do cálculo do alfa de Cronbach); fidelidade do avaliador/concordância entre observadores (para garantir que o teste apresenta concordância de resultados quando aplicado por dois avaliadores diferentes); reprodutibilidade/estabilidade (grau de concordância entre duas medidas colhidas em dois momentos diferentes) (Fortin, Côté & Filion, 2009; Ribeiro, 2010). No caso do instrumento psicométrico a validar optou-se, desde logo, por não testar a estabilidade/reprodutibilidade do mesmo na medida em que, segundo a APA (2002), os sintomas de delirium podem persistir durante algumas semanas, mas também podem resolver-se em algumas horas. Assim, poderia verificar-se uma variação de resultados entre as avaliações realizadas provocada pela alteração efetiva da condição clínica, e não pelo défice de estabilidade/reprodutibilidade do instrumento psicométrico a validar.

Já a validade refere-se ao que o teste mede e a quão bem o faz, ou seja, é a garantia que o teste dá que mede o que se propõe medir (Ribeiro, 2010). Os tipos de validade que podem ser identificados num teste são os seguintes: validade de conteúdo, no presente caso, através de um grupo de peritos (que se estabelece pela evidência de que os atributos incluídos no teste são uma amostra representativa do que se pretende medir) (Ribeiro, 2010); validade de critério (que indica a eficiência de um teste em prever o comportamento de uma pessoa numa dada situação) (Anastasi, 1990, cit. por Ribeiro, 2010); validade de constructo (que diz respeito à capacidade de um instrumento para medir o conceito ou o constructo definido teoricamente) (Fortin, Côté & Filion, 2009). No presente estudo, optou-se pela validação para Portugal da versão reduzida do CAM (algoritmo do CAM), ou seja, pela versão que contempla apenas quatro itens (Anexo VIII). Esta opção deveu-se ao facto de, com o presente trabalho, se pretender, acima de tudo, a validação de um instrumento de rastreio e/ou diagnóstico sendo que, para efeitos de cotação, apenas os quatro primeiros itens do instrumento permitem avaliar a presença ou ausência de delirium (os restantes itens, ainda que permitam diagnosticar/avaliar o delirium, não apresentam uma forma expressa e validada de cotação, ou seja, não concorrem para o diagnóstico) (Inouye, 2003).

Assim, o algoritmo do CAM (daqui por diante designado apenas por “CAM”) foi aplicado a uma amostra constituída por pessoas idosas internadas. De forma a observar as propriedades métricas do instrumento foi aferida a sua validade

concorrente e foram realizados testes de sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e negativo, likelihood ratio positivo e negativo (em todos os

casos, utilizando como gold standard os critérios do DSM-IV-TR® para o

diagnóstico de delirium, sendo estes critérios avaliados, igualmente, pelo investigador). Na análise das propriedades métricas do CAM, optou-se pela avaliação dos parâmetros que haviam sido alvo de aferição no estudo de construção e validação do instrumento (Inouye et al., 1990), bem como em outros estudos de validação realizados para os mais diversos contextos (Wei et al., 2008; Wong et al., 2010). Assim, a somar às propriedades acima referidas, foi ainda analisada a prevalência de delirium mediante avaliação com o método sensível de pontuação do CAM e com o método específico de pontuação.

Antes de avançar para esta distinção, que constitui um ponto-chave no trabalho realizado, importa ressalvar o seguinte: o critério um do CAM foi apresentado, no estudo inicial de validação, como “início agudo e curso flutuante”. Porém, durante estudos iniciais de aplicação do instrumento, verificou-se a dificuldade de preenchimento relativamente ao curso flutuante, sobretudo em entrevistas de 10 a 20 minutos, sem conhecimento prévio da pessoa (ou seja, tal como realizado na colheita de dados que esteve na origem do presente trabalho). Para além disso, verificou-se que o uso do critério “início agudo ou curso flutuante” permitiu o aumento da sensibilidade do CAM para a deteção de todos os possíveis casos de delirium (ainda que, em alguns casos, a especificidade tenha sido altamente prejudicada). Assim, e porque o mais importante seria que o CAM servisse como instrumento de rastreio, com a maior sensibilidade possível, optou-se pela alteração do critério um para “início agudo

ou curso flutuante”. Portanto, existem duas formas de utilizar o CAM: para obter

a máxima sensibilidade, o critério um deverá ser “início agudo ou curso flutuante”; para obter a maior especificidade possível, o critério um deverá ser “início agudo e curso flutuante”. Como tal, no presente estudo, optou-se por realizar a avaliação das propriedades métricas do CAM de acordo com as duas formas possíveis de cotação do critério um.

No que concerne à validade de constructo, foi realizada a avaliação da

validade convergente entre o CAM e a Escala de Confusão NeeCham, de modo a

perceber se existem diferenças significativas entre os dois instrumentos, ou seja, se ambos medem, efetivamente o mesmo conceito (já que, teoricamente, o primeiro mede apenas o delirium, enquanto o segundo faz uma avaliação mais ampla, da confusão aguda). Já no que respeita à fidelidade, a sua avaliação foi realizada, unicamente, pela avaliação da concordância entre observadores (sendo o observador um enfermeiro generalista a quem foi dada uma breve explicação acerca do preenchimento da escala e dos parâmetros a considerar para preenchimento dos itens, tendo sido realizada a avaliação comparativa, em

simultâneo, de pessoas idosas internadas em serviços de Cirurgia e de Medicina Interna). A aferição da concordância entre observadores seguiu os passos preconizados por Inouye (2003), ou seja, foi realizada a aplicação do MMSE e, seguidamente, o preenchimento do CAM pelo investigador principal e pelo observador, alternadamente (ou seja, se a primeira entrevista fosse realizada pelo investigador, na entrevista seguinte este passaria para o papel de observador, e assim sucessivamente).