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4 METODOLOGIA

4.8 AVALIAÇÃO DE FUNÇÃO DA BARREIRA E DE INFLAMAÇÃO

15 meses de idade, a partir de amostras de urina e de fezes não diarreicas, respectivamente31,122.

O teste L:M foi utilizado para avaliar a função da barreira intestinal122. No momento da coleta, as crianças deveriam estar em jejum de 2 horas e de bexiga vazia, antes da administração de uma solução contendo lactulose (250 mg/mL) e manitol (50

mg/mL), numa dose de 2 mL/kg (dose máxima administrada, 20 mL), a uma concentração de 1002 mOsm/L. Profissionais de saúde coletaram e mediram a urina após micção por 5 horas; 1 a 2 gotas de clorexidina (2,35%) foram adicionadas às amostras de urina. As alíquotas foram armazenadas a -80° C até a realização dos testes. As concentrações de lactulose e manitol foram medidas por cromatografia líquida de alta eficiência com detecção amperométrica pulsada, seguindo a metodologia proposta por Barboza et al172.

Foram aferidas três proteínas nas fezes para verificar a inflamação intestinal: AAT, como biomarcador da permeabilidade intestinal e perda proteica; NEO, como biomarcador da ativação imune de células Th1 e MPO, que é indicativo de atividade neutrofílica na mucosa intestinal 31. As amostras de fezes foram coletadas em um recipiente estéril, divididas em alíquotas e armazenadas em criotubos a -20 ° C até a análise. As amostras foram avaliadas utilizando kits de ensaio imunoenzimático (ELISA) para AAT (Biovendor, Candler, North Carolina), MPO (Alpaco Salem, New Hampshire) e NEO (GenWay Biotech, San Diego, CA), conforme descrição do fabricante.

Como indicativo de EE, foi calculado o EE escore, proposto por Kosek etal31 utilizando os resultados dos três biomarcadores fecais (MPO, NEO e AAT). Primeiramente, foi calculada a distribuição em percentis da população, para cada biomarcador. Em seguida, as concentrações dos biomarcadores foram categorizados em 0, 1 ou 2, com base na distribuição em percentil da população, seguindo o seguinte critério: 0, para valores <= percentil 25; 1, para valores entre os percentis 25–75; 2, se >= percentil 75. Portanto, o EE escore pode ter valores entre 0 e 10. O calculo do EE escore para cada criança foi realizado utilizando-se a fórmula a seguir:

𝑬𝑬 𝒆𝒔𝒄𝒐𝒓𝒆 = 2 × (𝑐𝑎𝑡𝑒𝑔𝑜𝑟𝑖𝑧𝑎çã𝑜 𝑑𝑒 𝐴𝐴𝑇) + 2 × (𝑐𝑎𝑡𝑒𝑔𝑜𝑟𝑖𝑧𝑎çã𝑜 𝑑𝑒 𝑀𝑃𝑂) + 1 × (𝑐𝑎𝑡𝑒𝑔𝑜𝑟𝑖𝑧𝑎çã𝑜 𝑑𝑒 𝑁𝐸𝑂)

4.9 ANÁLISE ESTATÍSTICA

A entrada dos dados foi realizada com digitação dupla, com checagem quanto à consistência. A normalidade da distribuição dos dados foi verificada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Variáveis contínuas com distribuições simétricas foram apresentadas como média e desvio padrão; variáveis com distribuição assimétrica, como mediana e intervalo (Q1-Q3) e variáveis categóricas, como frequências absolutas e relativas.

Os nutrientes com distribuição assimétrica foram convertidos em raiz quadrada e tiveram sua simetria testada novamente. Após transformação em raiz quadrada, ácidos graxos poli-insaturados, vitamina B2, vitamina B6, vitamina B12, vitamina C permaneceram com distribuição assimétrica, não sendo incluídos na análise. Devido à variação diária no consumo de alimentos, o método desenvolvido por Nusser et al45 foi utilizado para ajustar a variabilidade intraindividual. A análise ANOVA unidirecional foi conduzida para estimar a variância intra e interpessoal com base nas médias quadráticas. Em seguida, os valores corrigidos em raiz quadrada foram transformados de volta para retornar às ingestões usuais estimadas em sua escala original. A fim de controlar os fatores de confusão inerentes à ingestão total de energia e reduzir os erros associados às medidas dietéticas, a ingestão dos nutrientes foi ajustada pela energia ingerida, usando o método residual173.

As análises de correlação e associação foram realizadas utilizando-se as medianas das adequações nutricionais. Os quartis Q1 e Q3 de ingestão dos nutrientes apresentaram “n” insuficiente para serem incluídos nas análises.

Os coeficientes de correlação de Spearman (ρ) foram então calculados para avaliar a correlação entre as adequações de nutrientes e função da barreira intestinal (teste L:M) e entre adequações de nutrientes e os biomarcadores de EE.

Foram construídos dois modelos de regressão linear múltipla: um considerando a função da barreira intestinal, e o outro o EE escore como variáveis dependentes. As variáveis dependentes foram testadas quanto a sua normalidade, sendo os resultados do teste L:M normalizados utilizando-se a transformação em escore Z. O SES, medido pelo índice WAMI, foi incluído nos modelos finais como variável de ajuste. As adequações de nutrientes foram consideradas como variáveis independentes, sendo que as variáveis independentes nos modelos finais foram selecionadas considerando a multicolinearidade e as que tiveram r > 0,7 foram excluídas. Os valores de tolerância acima de 0,10 e fatores de inflação da variância

menores que 10 também foram consideradas para selecionar as variáveis independentes dos modelos. Os gráficos de dispersão de resíduos foram utilizados para avaliar outliers, normalidade, linearidade, homocedasticidade e independência dos resíduos. A adequação nutricional para energia, proteína e fibra, e MAR foram as variáveis independentes selecionadas nos modelos finais. Os modelos de regressão linear múltipla foram apresentados com os coeficientes de regressão β, intervalos de confiança (IC) de 95% e p valores. Para a análise dos dados, utilizou-se o pacote de software estatístico SPSS versão 23.0 para Windows.

5 RESULTADOS

As características descritivas dos participantes do estudo encontram-se sumarizadas na Tabela 1 Observou-se que 51,3% das crianças eram do sexo masculino e que, nos 6 primeiros meses de vida, a mediana em dias de aleitamento materno exclusivo foi menor que 2 meses (38,5 dias). Todas as crianças tinham acesso à água potável e a saneamento básico, a mediana do número de bens domésticos foi 7 (entre 8 avaliados) e a mediana do índice WAMI foi 0,8. Aos 15 meses, a mediana para a razão L:M foi de 0,09 (0,05; 0,14) e o EE escore de 5,0 (3,0; 7,0).

Tabela 1. Características gerais, função da barreira intestinal e biomarcadores de inflamação intestinal em crianças do estudo MAL-ED, Fortaleza-CE, Brasil.

Variáveis categóricas n (%)

Masculino, % 118 (50,6)

Em aleitamento materno parcial aos 15 meses de idade, % 143 (61,5)

Variáveis contínuas Mediana (Q1 – Q3)

Dias de aleitamento materno exclusivoa 76 (38 – 126)

Status socioeconômico

Número de bens domésticos 7 (7 – 7)

Escolaridade materna (anos) 9 (8 – 12)

Renda mensal familiar (USD)b 334,3 (304,3 – 393,4)

WAMI 0,8 (0,8 – 0,9)

Função da barreira intestinal

Excreção % de Lactulose 0,14 (0,08 – 0,24)

Excreção % de Manitol 1,86 (0,77 – 3,02)

Razão lactolose:manitol 0,09 (0,05 – 0,14)

Biomarcadores de inflamação intestinal

Alfaa-1-antitripsina (ng/mL) 12,2 (6,5 – 18,6)

Mieloperoxidase (ng/mL) 5074 (2130 – 1190)

Neopterina (nmol/L) 1368 (778 – 3163)

EE escore 5,0 (3,0 – 7,0)

EE = enteropatia ambiental; USD = dólar americano; WAMI = Water, Assets, Mother’s education and Income index.

a Total de dias em aleitamento materno exclusivo durante os primeiros 6 meses de vida. b Dólar americano, utilizando a cotação em 1 de janeiro de 2010.

Um total de 1234 R24H foram coletados. A ingestão habitual e os valores da adequação nutricional encontram-se na Tabela 2. A ingestão de energia, proteína e carboidrato se mostrou dentro dos valores recomendados, como demostrado pelos valores das razões de adequação nutricional. Isso não foi observado para a ingestão de fibras (3,0 g/d), o qual se mostrou abaixo do ideal (razão de adequação = 0,2). Todos os micronutrientes (vitaminas e minerais) apresentaram ingestão acima da ingestão dietética recomendada, RDA, com os valores de NAR>1, o que, consequentemente, levou a um resultado de MAR de 2,2.

Tabela 2. Ingestão e adequação nutricional da alimentação complementar, dos 9 aos 15 meses (n = 233) de crianças do estudo MAL-ED, Fortaleza-CE, Brasil.

RDA Ingestão * Adequação Mediana (Q1 – Q3) Energia (kcal/kg/d) 80a 79,8 (60,7 – 99,6) 1,0d Fibra (g/d) 19b 3,1 (2,3 – 4,5) 0,2d Macronutrientes Proteína (g/d) 13 36,9 (34,3 – 40,2) 2,8d Carboidrato (g/d) 130 120 (115 – 125) 0,9d Lipídeos totais (g/d)** - 28,6 (26,8 – 30,3) - Gordura saturada (g/d)c** - 16,2 (4) - Gordura monoinsaturada (g/d)c** - 7,5 (1,2) - Colesterol (mg/d)** - 116 (104 – 133) - Açúcar (g/d)** - 26,8 (19,3 – 33,9) - Micronutrientese Vitamina A (μg/d) 300 950 (855 – 1065) 3,3 Tiamina (mg/d) 0,5 0,73 (0,62 – 0,82) 1,4 Folato (μg/d) 150 154 (134 – 177) 1,1 Ferro (mg/d) 7 14,0 (11 – 15,7) 1,9 Zinco (mg/d) 3 8,3 (6,9 – 9,8) 2,7 Cálcio (mg/d) 340 965 (900 – 1054) 2,8 MARf - - - 2,2

RDA = Recommended dietary allowance.

a. Recomendação energética, segundo FAO/WHO/UNU (2004)164

b. Apresentado como valor de ingestão recomendável, Adequate Intakes (AI) c. Média (DP)

d. Razão de adequação calculada como valor ingerido/recomendação e. NAR, calculado como mediana de ingestão/RDA

f. MAR, calculado como ΣNARs/6

*Os nutrientes foram ajustados pela variabilidade intra-individual 45 e pela energia 173. **Sem valor de ingestão recomendado.

Ao testar as correlações entre as adequações de nutrientes, função da barreira intestinal, os biomarcadores fecais e EE escore (Tabela 3), observou-se: (1) relação negativa entre a razão da adequação energética e a razão L:M (ρ = - 0,19; p < 0,05); (2) relação negativa entre o NAR de folato e as concentrações de NEO (ρ = -0,21; p < 0,01); (3) relação positiva entre os NAR de tiamina e de cálcio com MPO (ρ = 0,22; p < 0,01) e NEO (ρ = 0,23; p < 0,01).

Tabela 3. Correlação entre biomarcadores da função da barreira intestinal, biomarcadores de inflamação intestinal, EE escore e adequação nutricional da alimentação complementar

Adequação nutricional

%Lac %Man L:M MPO NEO AAT EE

escore (ρ) Energia 0,00 0,13 -0,19* -0,10 -0,10 -0,11 -0,14 Carboidrato 0,00 0,00 -0,04 -0,03 -0,16 0,02 -0,06 Fibra 0,11 0,13 -0,07 -0,12 -0,12 -0,06 -0,07 Proteína 0,11 0,10 0,00 -0,03 0,02 0,04 0,03 NAR Vitamina A 0,02 0,00 0,02 0,02 -0,01 -0,03 -0,02 NAR Tiamina 0,03 0,02 -0,01 0,22** 0,08 -0,06 0,11 NAR Folato -0,03 -0,12 0,12 0,03 -0,21** 0,03 -0,02 NAR Ferro -0,06 -0,06 0,04 0,12 0,05 -0,01 0,06 NAR Zinco 0,03 0,03 -0,01 0,11 0,03 -0,10 0,00 NAR Cálcio -0,03 -0,08 0,11 0,06 0,23** -0,06 0,01 MAR -0,03 -0,05 0,03 0,11 0,06 -0,06 0,02

AAT = alfa-1-antitripsina; EE score = escore de enteropatia ambiental; LM = razão da excreção urinária entre lactulose:manitol; MAR = mean adequacy ratio, calculado como ΣNARs/6; MPO = mieloperoxidase; NAR = nutrient adequacy ratio, calculado como mediana de ingestão/RDA; NEO = neopterina; %Lac = percentual de excreção urinária de lactulose; %Man = percentual de excreção urinária de manitol.

Os modelos de regressão linear múltipla (Tabela 4) mostraram que uma menor ingestão energética foi associada a maiores valores de escore Z de L:M (β=- 0,19; IC 95 % -0.95, -0,10; p=0,02). Já no modelo para a enteropatia ambiental, houve associação inversa entre a adequação da ingestão de fibra e o EE escore (β=-0,20; IC 95% -0,07, -0,00; p=0,04), evidenciando que quanto menor a ingestão de fibras, maior o EE escore na população estudada.

Tabela 4. Modelos de regressão linear múltipla para a função da barreira intestinal e enteropatia ambiental, em crianças aos 15 meses de idade, de acordo com fatores determinantes.

Lactoluse:manitol escore Z EE escore

Variável β-Coeficiente (95% IC) p valor β-Coeficiente (95% IC) p valor Aleitamento materno exclusivo* -0,02 (-0,00; 0,00) 0,85 0,08 (-0,00; 0,01) 0,39 Adequação de energia -0,19 (-0,95; -0,10) 0,02 -0,13 (-2,03; 0,36) 0,17 Adequação de proteína 0,13 (-0,06; 0,63) 0,11 0,11 (-0,41; 1,55) 0,26 Adequação de fibra -0,08 (-0,99; 0,01) 0,34 -0,20 (-7,25; -0,14) 0,04

MAR 0,05 (-0,29; 0,54) 0,56 -0,04 (-1,41; 0,96) 0,71

EE= enteropatia ambiental; O WAMI (Water, Assets, Mother’s education and Income index), foi utilizado como variável de ajuste nos modelos.

6 DISCUSSÃO

A nutrição representa um dos principais fatores que exercem influência sobre a saúde intestinal15,66. O presente estudo teve como objetivo investigar a associação entre a ingestão habitual de nutrientes da alimentação complementar e a função da barreira e inflamação intestinais em crianças dos 9 aos 15 meses. Os resultados encontrados mostraram que a menor ingestão energética e de fibras da dieta foi associada com uma pior função de barreira intestinal e com maior inflamação intestinal, respectivamente. Trata-se, até onde se sabe, do primeiro estudo a avaliar tais variáveis em uma coorte de crianças brasileiras.

Nos últimos 50 anos, em nível global, houve uma diminuição na ingestão inadequada de nutrientes, apesar de ainda ser uma realidade em alguns países do sul da Ásia e na África subsaariana41,174,175. Coortes conduzidas no Nepal e em Bangladesh, que fizeram parte do estudo MAL-ED, encontraram baixas adequações nutricionais provenientes da alimentação complementar de crianças menores de 2 anos. Nessas coortes, a ingestão usual da maioria das vitaminas (vitamina A, E, complexo B) e dos minerais (como cálcio, ferro, zinco) se mostrou insuficiente, quando comparada às recomendações internacionais174,175. Por outro lado, as crianças do presente estudo apresentaram ingestão adequada para todos os nutrientes, principalmente os micronutrientes, com excessão para a ingestão de fibra. O que demostra que as crianças Brasileiras se encontram em uma situação mais favorável de adequação nutricional em relação às crianças de outros países subdesenvolvidos avaliadas no estudo MAL-ED. Como demostrado previamente pelo grupo de estudo do MAL-ED159, o índice WAMI do Brasil (0,8) é maior do que o das crianças de Bangladesh (0,55) e do Nepal (0,69). Por tanto, essas diferenças nas adequações nutricionais mostram que a ingestão nutricional pode estar associada ao contexto socioeconômico.

No Brasil, na última década, poucos estudos foram realizados investigando a ingestão nutricional em crianças, que tenham utilizado em sua metodologia o ajuste da ingestão habitual de nutrientes pela variabilidade intraindividual. Todos os estudos encontrados realizaram abordagem transversal42,43,176–179. De modo geral, a ingestão habitual energética, de macro e micronutrientes em crianças brasileiras mostrou ser maior que a recomendada para a idade. Além disso, somente dois estudos foram desenvolvidos com crianças em idade comparável à população avaliada na presente pesquisa42,43. Em ambos estudos, a ingestão de energia e da maioria dos

micronutrientes também se mostrou maior do que os valores recomendados. No entanto, um estudo encontrou inadequação na ingestão de zinco e ferro42 e no outro inadequação para vitamina E, ferro e folato43. Tais diferenças na ingestão podem ter sido atribuídas ao desenho do estudo, a fatores característicos da população avaliada e do seu acesso aos alimentos.

As crianças da presente pesquisa apresentaram adequação da ingestão habitual para todos os nutrientes, com exceção das fibras, cuja adequação foi abaixo da recomendação. Este cenário da ingestão habitual de nutrientes da alimentação complementar com valores maiores que a recomendação, porém com baixa ingestão de fibras, pode ser uma consequência no aumento recente do consumo de alimentos ultraprocessados no Brasil180, pois muitos dos alimentos ultraprocessados produzidos para crianças são fortificados com vitaminas e minerais179,181. De fato, dados recentes de estudos realizados em crianças Brasileiras demonstraram um elevado consumo de alimentos ultraprocessados entre crianças menores de dois anos, que a introdução de alimentos ultraprocessados ocorre antes do sexto mês de vida e, aos 6 meses, a prevalência de consumo de alimentos ultraprocessados atingiu 43%181–183. Em nossa população, a maioria das mães oferecia outros tipos de leites (a fora o leite materno) já a partir do primeiro mês, juntamente com preparações com cereais industrializados em pó a base de trigo, aveia e/ou arroz (farináceos) e produtos lácteos, como descrito por Maciel et al184. Esses produtos são exemplos de alimentos ultraprocessados que foram regularmente encontrados nos recordatórios de 24h dos 9 aos 15 meses nas crianças estudas. O elevado consumo de alimentos ultraprocessados em crianças menores de dois anos é um fato preocupante, tendo em vista os desfechos negativos associados ao consumo desses alimentos. Estudos em adultos demonstraram que o consumo de alimentos ultraprocessados está associado ao aumento na mortalidade por todas as causas185, ao aumento no risco de obesidade186, doenças cardiovasculares187 e câncer188.

Um estudo realizado em nível nacional nos Estados Unidos, mostrou resultados similares, com ingestão adequada para a maioria dos nutrientes e baixa ingestão de fibras, em crianças durante o período da alimentação complementar189. A população norte-americana também possui um elevado consumo de alimentos ultraprocessados190, o que, apesar das diferenças socioeconômicas com o Brasil, pode ter contribuído para as baixas inadequações de nutrientes observadas em ambos países.

A razão da adequação da ingestão de proteína, em especial, foi quase o triplo do valor recomendado para a idade. Apesar de alguns dados conflitantes, estudos têm indicado que a ingestão excessiva de proteína no período da infância poderia elevar as concentrações plasmáticas de aminoácidos que estimulam a liberação de insulina e de fator de crescimento semelhante à insulina-I (IGF-I)191. Também se tem associado ao aumento no ganho de peso corporal e na adiposidade em longo prazo, assim como o subsequente aumento no risco de obesidade, adiposidade e doenças crônicas não transmissíveis191–194. Cabe ressaltar que a pesquisa teve como principal interesse a avaliação da ingestão habitual de energia e nutrientes dos alimentos da alimentação complementar, o que poderia subestimar os resultados tendo em vista que 61,5% das crianças recebiam leite materno aos 15 meses de idade. No entanto, pode-se observar que o MAR – indicativo da qualidade nutricional global da dieta – foi elevado, os NAR foram altos para todos micronutrientes e a mediana da adequação energética mostrou que a ingestão energética dos alimentos da alimentação complementar estava de acordo com os valores recomendados.

Foram encontradas correlações negativas entre a adequação energética e a razão L:M e entre o NAR de folato e as concentrações de NEO, enquanto que houve correlação positiva entre os NAR de tiamina e cálcio com as concentrações de MPO e NEO, respectivamente. Embora as vias atualmente pareçam pouco claras e os estudos sejam escassos, a tiamina, o folato e o cálcio têm sido associadas a função da barreira intestinal e à proteção contra a inflamação intestinal. Essas associações são provenientes de estudos recentes com modelos in vitro e in vivo, submetidos a condições de deficiência dos micronutrientes. Foi observado que a depleção de tiamina prejudica a iniciação das respostas de anticorpos IgA contra antígenos orais106. A deficiência de folato diminui a resistência a infecções e confere maior suscetibilidade à inflamação intestinal (prejudicando a função das células dendríticas)112. E as concentrações extra e intracelulares de cálcio iônico influenciam a função da barreira e a imunidade intestinais113,114. Apesar dessas relações observadas na análise bivariada, os resultados dos modelos finais da regressão linear múltipla mostraram que os componentes nutricionais que apresentaram associação com os biomarcadores foram a energia e as fibras.

Achados recentes do estudo de coorte MAL-ED demonstraram que concentrações elevadas de MPO (indicativo de atividade neutrofílica), NEO (indicativo

de atividade de TH1) e AAT (indicativo de perda proteica e aumento na permeabilidade intestinal) tiveram associação com a presença de EE em crianças menores de 2 anos31. No presente estudo, a mediana para os três biomarcadores citados foi maior em comparação com os valores indicados para indivíduos saudáveis em países desenvolvidos124,195,196, sugerindo a presença de EE. Os pontos de corte atualmente utilizados para os biomarcadores de EE avaliados têm como referências populações adultas, tendo em vista a falta de valores de referência para o público infantil22. Lima et al79, de modo similar, encontraram que, entre crianças do estudo de caso-controle do MAL-ED, os valores do teste de lactulose:manitol, MPO e NEO foram elevados, tanto em crianças desnutridas quanto naquelas com adequado peso ou estatura para a idade.

Outros estudos, realizados com os demais países envolvidos no estudo MAL-ED 20,33, demonstraram que o SES (indicado pelo índice WAMI) foi associado com uma melhor função da barreira intestinal e um menor EE escore. Esses resultados indicaram que fatores ambientais como melhor acesso à água potável, ao saneamento básico e a bens domésticos influenciam a saúde intestinal de crianças menores de dois anos, sendo por isso o WAMI utilizado como variável de ajuste no presente estudo.

No que diz respeito aos fatores dietéticos, observa-se ineditamente que, em um contexto de suficiência de energia, macro e micronutrientes, houve associações entre a adequação energética e a função da barreira intestinal e entre a adequação de fibra e o EE escore.

A maior parte do conhecimento acumulado sobre o papel do aporte energético sobre a barreira intestinal é proveniente de estudos com modelos em animais, utilizando dietas com restrição calórico-proteicas71–74. Os achados mostram que essas dietas causam alterações na estrutura e função do epitélio intestinal, incluindo diminuição em número, volume e altura dos vilos72 e da profundidade das criptas intestinais71, alteração das proteínas das TJ e aumento da permeabilidade intestinal73, prejuízos na digestão e absorção de nutrientes e estímulo das respostas imunes intestinais e sistêmicas72,73. Já os estudos em humanos se concentram no impacto do status nutricional (o qual reflete a restrição calórico-proteica) sobre a função da barreira intestinal73. O déficit no crescimento, uma característica da restrição calórico-proteica em crianças, tem sido associado ao aumento da

permeabilidade intestinal avaliada pela razão L:M em crianças com EE em Bangladesh76, Malawi77, Índia78 e em crianças Brasileiras30,79.

Foi encontrado somente um estudo que investigou a associação entre a ingestão energética da alimentação complementar e o teste L:M, como biomarcador da função da barreira intestinal. Campbell197, em estudo conduzido em Bangladesh, com crianças aos 18 meses de idade, também encontrou associação inversa entre a ingestão energética da alimentação complementar e a razão L:M. Deve-se destacar que, diferentemente da população do presente estudo, as crianças em Bangladesh geralmente possuem uma ingestão insuficiente de energia, como também de carboidratos, gordura, proteínas198 e micronutrientes175. Logo, pode-se inferir que ingestão energética da alimentação complementar está associada com a função da barreira intestinal em crianças com EE.

A associação entre a ingestão de fibras com uma menor inflamação e permeabilidade intestinais tem como possíveis hipóteses a atuação das fibras via produção de ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) pela microbiota intestinal66, como também na atuação direta das fibras sobre componentes da mucosa intestinal8. Os AGCC têm efeitos benéficos sobre a barreira intestinal por atuar como fonte energética para os enterócitos, possuem propriedades anti-inflamatórias, via inibição da ativação do fator nuclear kappa B e por meio da ligação a receptor acoplado à proteína G (GPR), GPR41, GPR43 e GPR109A199,200. Evidências recentes apontam para um papel direto desses receptores na mediação dos fatores anti-inflamatórios dos AGCC sobre a barreira intestinal199,201.

A baixa adequação da ingestão de fibras observada em nossa população é particularmente preocupante levando-se em consideração que uma maior ingestão de fibras vem sendo associada à redução no risco de desenvolvimento de doenças crônicas como cânceres do colo retal202, do ovário e mama203, síndrome metabólica204, diabetes tipo 2205, aterosclerose e doenças cardiovasculares206.

Por outro lado, algumas fibras podem interagir diretamente com as células imunes, atenuando as citocinas pró-inflamatórias nas células dendríticas por meio da

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