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As infecções por patógenos intestinais causam impacto na saúde especialmente nos primeiros anos de vida, tendo em vista que as doenças diarreicas são a quarta principal causa de óbito em menores de cinco anos no mundo49. Particularmente entre crianças de países pobres e em desenvolvimento, observa-se um aumento das infecções entéricas a partir do período da introdução dos alimentos da AC18–20.

A ocorrência de infecções entéricas de repetição, com ou sem (subclínicas) a presença de diarreia, leva a danos na barreira intestinal, produzindo uma condição denominada disfunção entérica ambiental ou enteropatia ambiental (Environmental

Enteric Dysfunction, EED, ou Environmental Enteropathy, EE)21, que tem como principal desfecho o déficit no crescimento linear infantil, contudo pode ter outros desfechos em médio e longo prazo22.

A EE caracteriza-se por ser um estado de ativação imune persistente e permeabilidade intestinal alterada decorrente de infecções entéricas frequentes e numerosas, com ou sem a presença de diarreia 21. Entre os desfechos associados à EE em curto e médio prazo estão: impactos negativos sobre respostas a vacinas 25, diminuição do crescimento linear 24,30,31 e desenvolvimento cognitivo 26. Em longo prazo, associam-se à EE o aumento no risco de obesidade, diabetes do tipo 2, síndrome metabólica e doenças cardiovasculares 27.

A EE afeta principalmente crianças que vivem em países pobres e em desenvolvimento, com acesso limitado a alimentos, água de qualidade e saneamento básico 21,115. Estando o Brasil incluído como área de risco, dados recentes apontam para a ocorrência de uma carga substancial de patógenos entéricos presentes nas fezes de crianças do Nordeste Brasileiro79. Nesse mesmo estudo, as infecções subclínicas por enteropatógenos mostraram ser condições comuns nas crianças (tanto nas desnutridas ou não) além de altas concentrações de biomarcadores de inflamação intestinal e sistêmica, sugerindo uma crônica e endêmica EE 79. Resultados de um estudo de coorte multicêntrico, com crianças da América Latina (incluindo o Brasil), África e Ásia, mostraram que a infecção por enteropatógenos foi comumente presente tanto nas amostras de fezes diarreicas quanto nas não- diarreicas das crianças em todos os países analisados 116. E a carga assintomática de enteropatógenos teve importante contribuição no déficit de crescimento infantil 24, situações características da EE21.

As características histológicas típicas da EE incluem infiltração da lâmina própria por linfócitos e plasmócitos, aumento dos linfócitos intraepiteliais (LIE), embotamento das vilosidades e hiperplasia das criptas 21,22,117. Essas alterações histológicas resultam em diminuição da área superficial absortiva das células epiteliais intestinais, perda das enzimas da borda em escova, levando à má absorção de macro e micronutrientes e aumento na permeabilidade a pequenas moléculas22,23,30. Em adição aos achados histológicos e da má absorção, outros componentes da EE são o aumento da permeabilidade intestinal (função de barreira prejudicada), inflamação da mucosa intestinal, translocação microbiana e inflamação sistêmica 22,23,115,118.

Quanto aos biomarcadores de disfunção da barreira e de inflamação intestinais, muitos estudos têm sido realizados com o objetivo de identificar os potenciais indicadores de EE. Idealmente, esses biomarcadores devem poder ser mensurados em fezes, urina ou sangue com significância clínica suficiente para ter o déficit de crescimento como desfecho, ou seja, que possam ser bons preditores do retardo no crescimento consequente à EE 31,118–120. A avaliação de biomarcadores em fezes e urina é particularmente importante e vantajosa para a investigação da saúde intestinal em crianças, por serem testes não invasivos, rápidos, simples e relativamente baratos 29,121.

O biomarcador mais amplamente utilizado para avaliar a função da barreira intestinal na EE é o teste urinário da razão L:M21,58. O teste envolve a ingestão de dois

açucares, a lactulose (peso molecular 342 daltons) e o manitol (peso molecular 182 daltons), sob condições controladas e quantificadas na urina58. Ambos os açúcares não são degradados no trato gastrointestinal superior nem metabolizados após sua absorção, sendo assim, excretados na urina 58. A lactulose é um dissacarídeo que só pode ser absorvido cruzando passivamente entre junções celulares rompidas, por isso a quantidade desse açúcar na urina reflete a permeabilidade intestinal alterada58,122. O manitol é um monossacarídeo que é absorvido através das membranas celulares e entre as junções celulares21. Acredita-se que a inflamação intestinal crie pequenos poros entre as células epiteliais, permitindo a permeação paracelular da lactulose, enquanto a atrofia vilosa reduz a área de superfície epitelial e a absorção de manitol, resultando em um aumento na razão L:M58. Uma maior razão L:M tem sido usada como uma indicação de EE, embora a recuperação dos dois açúcares seja algumas vezes relatada separadamente para desagregar a permeabilidade e a absorção 58,123. A mieloperoxidase (MPO) é um biomarcador de atividade neutrofílica na mucosa intestinal 124. Essa enzima é um dos principais constituintes proteicos dos grânulos primários (azurófilos), especialmente de neutrófilos jovens, que catalisa a produção de espécies reativas de oxigênio (ERO), por isso tem importante papel na fase efetora da resposta imune inata 125. Os produtos da atividade da MPO também podem contribuir para o desenvolvimento de doenças autoimunes e regular positiva ou negativamente a geração de respostas imunes adaptativas 125,126. Sendo assim, concentrações fecais de MPO têm sido avaliadas em condições de inflamação intestinal, como nas doenças inflamatórias intestinais, doença de Crohn e colite ulcerativa127,128 e na EE31,129. Uma das vantagens da análise da MPO fecal na população infantil é que seus níveis não se encontram elevados no leite materno ou nas fezes de crianças amamentadas, assim como a lactoferrina e calprotectina, as quais também são indicativos atividade neutrofílica comumente avaliados 130.

A neopterina (NEO), produzida a partir da guanosina trifosfato na via de síntese da biopterina, é sintetizada e liberada por células fagocitárias ativadas – principalmente macrófagos e células dendríticas – após estimulação com interferon- gamma (IFN-γ) produzido por linfócitos T ativados131. Embora o IFN-γ represente o principal indutor da liberação de NEO, outros mediadores pró-inflamatórios solúveis, incluindo o fator de necrose tumoral-alfa (TNF-

α

) e componentes bacterianos como lipopolissacarídeos (LPS), também podem atuar como cofatores que promovem sua

liberação132. A NEO é um composto notavelmente estável, biologicamente inerte e altamente resistente à proteólise e, portanto, apropriado para testes em fezes132. Por ser um marcador de ativação imune de células T auxiliares 1 (TH1), o potencial uso da NEO na doença inflamatória intestinal133 e na EE 31,129,134 tem sido estudado.

A alfa-1-antitripsina (AAT) é um inibidor sérico de protease, que é liberada durante a inflamação para proteger as células contra as enzimas proteolíticas liberadas pelos neutrófilos durante a infecção 135. Diferentemente de outras proteínas séricas, a AAT é altamente resistente à proteólise intestinal e pode ser excretada intacta nas fezes 136. Na inflamação intestinal, a AAT pode extravasar do soro para o intestino, devido ao aumento da permeabilidade intestinal e, finalmente, ser detectada nas fezes135. Assim, a AAT fecal é utilizada como biomarcador de alteração na permeabilidade intestinal e de enteropatia perdedora da proteínas 137. Várias pesquisas têm avaliado desse biomarcador especialmente em crianças com desordens intestinais, investigando disfunção na permeabilidade intestinal e perda entérica de proteínas plasmáticas 31,79,138–140.

Recentemente, tem-se levantado a hipótese de que a combinação de biomarcadores poderia explicar melhor os déficits de crescimento linear em comparação com um biomarcador único31. O estudo da Etiologia, Fatores de Risco e Interações de Infecções Entéricas e de Desnutrição e suas Consequências para a Saúde e Desenvolvimento infantil (The Etiology, Risk Factors and Interactions of

Enteric Infections and Malnutrition and the Consequences for Child Health and Development, MAL-ED), permitiu a proposição de um “escore composto de EE” (o EE score), que é calculado utilizando os biomarcadores fecais AAT, MPO e NEO31. Dados já publicados mostraram o uso do EE escore como marcador de atividade da doença em crianças com EE em Bangladesh141,142.

Levando em consideração o papel dos nutrientes sobre a função da barreira e imunidade intestinais, estudos foram realizados avaliando as associações entre os biomarcadores de EE e os nutrientes. De modo geral, os estudos foram realizados em crianças com infecções entéricas diarreicas, avaliando os biomarcadores de EE em relação ao status de determinados micronutrientes como também após a suplementação com micronutrientes.

A suplementação com vitamina A tem sido associada à redução da permeabilidade intestinal143–145. Em estudo prospectivo, randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, Lima et al143 observaram que a prevalência de infecções

parasitárias, especialmente por Giardia spp., foi significativamente menor no grupo de crianças suplementadas com vitamina A, quando comparado ao grupo placebo, sugerindo que esse nutriente estaria associado a melhora da defesa do hospedeiro contra infecções intestinais. Nesse mesmo estudo, no entanto, a razão L:M não diferiu entre as crianças suplementadas com vitamina A daquelas do grupo placebo143. Estudos prévios realizados com crianças na Índia e em Gambia mostraram que a suplementação com vitamina A foi capaz de reduzir a permeabilidade intestinal, com menor razão de L:M144,145. De fato, a deficiência de vitamina A leva ao aumento da susceptibilidade a vários tipos de agentes patógenos, enquanto que a sua suplementação reduz a morbidade e mortalidade por doenças infecciosas, como a diarreia146,147.

A suplementação com zinco diminui o risco e a duração de diarreia por infecções entéricas em crinaças148. O uso de suplementação com zinco se mostrou capaz de reduzir a permeabilidade intestinal (avaliada pela razão L:M) em alguns estudos149, mas não em outros150. Em estudo realizado com crianças brasileiras, a suplementação com zinco e vitamina A levou a uma significativa redução da razão L:M, indicativo de melhora na função da barreira intestinal, além de influenciar positivamente no crescimento linear151. No entanto, essa melhoria na razão L:M não foi observada entre crianças da Gâmbia com infecção entérica após a suplementação com zinco150.

Em relação ao papel do ferro, uma maior ingestão desse micronutriente (suplementação ou fortificação) pode aumentar o risco de diarreia e de infecções por enteropatógenos, devido ao aumento da permeabilidade intestinal, formação de radicais livres e de estresse oxidativo, impacto negativo sobre a microbiota intestinal e aumento da inflamação intestinal104,152.

Resultados do estudo MAL-ED indicaram que em crianças com EE, acompanhadas desde o nascimento até 24 meses de idade, a baixa ingestão de vitamina B9 da alimentação complementar se mostrou associada a uma maior carga de enteropatógenos153. Adicionalmente, a presença de enteropatógenos demonstrou aumentar as concentrações dos biomarcadores de inflamação intestinal (MPO, NEO e AAT)33, nessa mesma população de crianças.

Somente um estudo foi encontrado investigando a associação entre a ingestão de micronutrientes da alimentação complementar com os biomarcadores de EE (L:M, MPO, NEO e AAT)154. Nesse estudo, onde foram avaliadas crianças de

Bhaktapur (Nepal), os pesquisadores encontraram associação significativa entre a ingestão de potássio, magnésio, fósforo, folato e vitamina C e o marcador de inflamação intestinal MPO154. Deve-se notar que os nutrientes que mostraram associação significativa com o biomarcador intestinal não foram os usualmente relacionados e pesquisados em relação à saúde intestinal154.

O estudo MAL-ED, do qual a presente pesquisa faz parte, trata-se de uma investigação longitudinal da inter-relação entre morbidade por doenças entéricas infecciosas e o consumo alimentar e ingestão nutricional, uma vez que afetam o crescimento infantil, o desenvolvimento cognitivo e a eficácia de vacinas. Esse estudo teve como hipótese que a função comprometida da barreira intestinal seria o mediador biológico chave dessas interações122,155,156. Para tanto, como biomarcadores fecais de inflamação intestinal, foram avaliadas MPO (para indicar atividade neutrofílica na mucosa intestinal) e NEO (indicando atividade das células TH1) e, para avaliar permeabilidade e absorção intestinais, a AAT fecal e o teste urinário da razão L:M122.

Dados recentes do estudo MAL-ED indicam que as concentrações fecais desses biomarcadores e a razão L:M urinária são influenciadas pela carga de enteropatógenos, condições de saneamento e higiene e pelo status

socioeconômico20,32,33. Contudo, não está claro se e/ou até que ponto esses biomarcadores são adicionalmente influenciados por fatores além dos enteropatógenos, como a ingestão de nutrientes da dieta.

4 METODOLOGIA

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