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2.1 Processos de treinamento, desenvolvimento e educação

2.1.1 Avaliação de necessidades de treinamento

Segundo Meneses, Zerbini e Abbad (2010) uma das razões para a baixa efetividade e o pequeno retorno dos investimentos em atividades de treinamento reside na ineficiência dos processos de avaliação de necessidades educacionais. Normalmente, o que se tem observado em estudos empíricos da atividade é a realização de levantamentos assistemáticos com a preparação de listas de cursos ofertados às unidades organizacionais, convencionalmente chamados de “Levantamento de Treinamentos via Cardápio” (MENESES; ZERBINI; ABBAD, 2010). Ferreira (2009) ao demonstrar as diferenças entre os termos “análise” e “levantamento”, comumente usados de forma intercambiável em parte da literatura, explica como a análise implica em um maior rigor metodológico para a definição das necessidades educacionais. O levantamento implica no recolhimento de informações que termina por expressar a impressão subjetiva de gestores e funcionários sobre o que seria necessário para a melhoria de seu desempenho, não raro expressando desejos. A realização de uma análise implica, por sua vez, em um processo prospectivo acerca das causas das lacunas de desempenho, o qual envolve a obtenção de informações acerca dos indivíduos, das tarefas

realizadas pelas unidades e da organização, abordando sua estratégia e relação com o ambiente externo. Desde o início da década de 1960 a ANT é preconizada como a integração de informações nesses três níveis de analise, constituindo-se no modelo básico do processo (Figura 2).

Figura 2: Modelo de ANT. Fonte: McGehee e Thayer (1961) apud Meneses, Zerbini e Abbad (2010)

A análise organizacional busca determinar onde o treinamento se faz necessário e se este se configura como solução para as demandas organizacionais e melhoria do desempenho de forma geral. No nível das tarefas, conforme postulado por Gagné (1970), o foco da análise recai sobre o delineamento preciso das atividades requeridas e os requisitos de desempenho em termos de conhecimentos, habilidades e atitudes (CHA). Por fim, a análise individual se baseia no conhecimento das capacidades dos indivíduos implicados na atividade visando intervenções para o alinhamento dos desempenhos atuais com os desempenhos esperados.

Não obstante tais etapas teóricas há reconhecida dificuldade de uma efetiva articulação entre variáveis organizacionais e individuais (MENESES; ZERBINI; ABBAD, 2010). O campo de TD&E, por sua origem fundamental na psicologia, possui grande ênfase na análise do indivíduo e nos processos de aprendizagem, de forma que a definição de constructos relativos ao ambiente organizacional, que contribuam para uma efetiva teorização de sua relação como ações de educação, ainda é uma lacuna significativa para o desenvolvimento de metodologias integradas de ANT e que, de certa forma, tornem o processo de fato estratégico. A despeito dessas limitações, o avanço metodológico do campo fornece, atualmente, as principais técnicas para identificação de ações de treinamento adequadas às necessidades organizacionais que distinguem o processo de ANT do simples

levantamento. Atualmente o processo de ANT pode ser concebido em uma sequência de cinco etapas: a análise da demanda, as referidas análises organizacional, de tarefas e individual e, por fim a seleção das estratégias educacionais.

A análise da demanda, segundo Meneses, Zerbini e Abbad (2010) não se constitui tecnicamente em uma etapa do processo de ANT, devendo ser empreendida mormente por setores que realizem uma abordagem reativa de atendimento às demandas:

“No caso de a área de TD&E atuar de forma antecipatória, buscando projetar as necessidades de desempenho na organização, o processo de avaliação de necessidade deve ser realizado inicialmente com a análise organizacional e, posteriormente, com a consecução das análises de tarefas e da análise individual. Em situações em que a área mencionada atua de forma reativa, aguardando que as demandas de treinamento sejam apresentadas pelas unidades organizacionais, então a análise da demanda deve ser primeiramente realizada.” (MENESES; ZERBINI; ABBAD, 2010, pg. 36)

Nesse sentido, a análise da demanda se voltará para a investigação das demandas educacionais das áreas organizacionais e análise da adequabilidade daquelas ações como soluções efetivas de lacunas de desempenho, tendo em vista que outros fatores, como baixa motivação dos indivíduos e a falta de suporte material, podem ser, por exemplo, as causas fundamentais de um baixo desempenho.

A análise organizacional, tecnicamente a etapa primária do processo de ANT, terá como objetivo a justificação da importância das ações educacionais a serem empreendidas. Nessa etapa são avaliadas as variáveis do ambiente interno e externo da organização. Esse diagnóstico tem como objetivo analisar a pertinência da aplicação de treinamentos às lacunas de desempenho observadas, solucionáveis, mormente, com o desenvolvimento dos CHAs da força de trabalho. Tal justificativa tem como finalidade convencer os principais tomadores de decisão da organização sobre a pertinência e efetividade da ação educacional. Como conseqüência desse diagnóstico macro-organizacional, obtém-se a perspectiva de alinhamento entre as necessidades de ação educacional, as metas e os objetivos organizacionais, entre outras dimensões de desempenho agregado.

A etapa seguinte, de análise de tarefas, visa o delineamento do estado atual dos processos de trabalho da unidade para determinação dos requisitos ideais de CHAs necessários ao bom desempenho humano no trabalho. A princípio, é realizado o detalhamento das atribuições e responsabilidades ocupacionais dos profissionais das unidades organizacionais, lançando-se mão de metodologias de coleta de dados que variam desde a análise documental a entrevistas in loco. A importância dessa etapa e as formas de interação são apontadas por Goldstein (1980), que já demonstrara razões para a resistência dos

trabalhadores aos processos de ANT oriundas da falta de inclusão de todos os níveis de trabalhadores nos programas de treinamento, assim como pela percepção de que os responsáveis pela atividade de TD&E possuíam pouco conhecimento das condições reais de trabalho. Nesse sentido, a apreensão e descrição do perfil real das atividades dependem da interação com os profissionais nas unidades organizacionais, normalmente sendo necessário o auxílio de especialistas no mapeamento das atividades de caráter técnico e específico. Posteriormente, as atribuições levantadas devem ser descritas sob a forma de comportamentos observáveis. Os comportamentos requeridos são hierarquizados por meio da atribuição da sua importância relativa para o desempenho do processo organizacional.

A etapa de análise individual por fim, buscará estabelecer o nível de domínio que cada profissional possui sobre aquelas competências, previamente identificadas e hierarquizadas, como forma de estabelecer as lacunas de proficiência que serão objeto de solução por intermédio de ações de treinamento. Essa etapa, normalmente é realizada com utilização de metodologias quantitativas, com a aplicação de escalas de domínio em larga escala em toda a organização.

O produto do encadeamento das etapas de ANT é o conhecimento sistemático das lacunas de competências atestadas por cada indivíduo e a possibilidade de priorização das ações de treinamento pela consideração das medidas de importância de cada competência. A análise organizacional permite identificar também a relevância e a sustentabilidade das ações de treinamento, sinalizando quais competências têm um papel fundamental no longo prazo, assim como aquelas que possuem um caráter emergencial, visando adequações ao ambiente. O cumprimento das etapas metodológicas da ANT deve ser capaz de orientar a elaboração de uma estratégia de treinamento, normalmente consubstanciada em um plano de capacitação ou, conforme a literatura estratégica, uma estratégia de desenvolvimento humano e organizacional de curto e longo prazo (GRATTON, 1999). A falta de mecanismos de integração e adaptação da ANT a variáveis organizacionais tem sido uma lacuna significativa tanto do ponto de vista das variáveis que interferem no sucesso da atividade propriamente dita, quanto de variáveis que, ao serem negligenciadas, diminuem a capacidade de aderência das estratégias de treinamento elaboradas às necessidades organizacionais.

Nesse sentido, a integração sistêmica do ambiente às metodologias de ANT tem sido explorada por recentes trabalhos na área (IQBAL; KHAN, 2011). Trabalhos científicos nesse campo têm verificado que a efetividade do processo de ANT depende não só de sua aplicação técnica apurada, mas também de fatores como o contexto organizacional e perfil da força de trabalho. Nessa perspectiva, fatores ambientais, de natureza formal e informal, têm sido

apontados como relevantes para a consecução de processos efetivos de ANT. Do ponto de vista de aspectos ambientais, Ferreira (2009) apresenta um modelo abrangente de ANT no qual são inseridas variáveis do contexto organizacional e ambiental para subsídio das estratégias de capacitação. Iqbal e Khan (2011) ressaltam a relevância contexto político organizacional, demonstrando que a importância dada a ANT pelo corpo de funcionários e pela cúpula, em articulação com os interesses gerenciais são importantes antecedentes para o suporte à ANT na organização, a qual depende invariavelmente da sensibilização de seu público-alvo. Latham (1988) e Herold et al (2002) atestam pela importância de variáveis demográficas e psicológicas da força de trabalho, identificando a influência de variáveis como faixa etária, cargo e personalidade nos resultados da ANT.

O empreendimento de pesquisas visando o aperfeiçoamento do processo de ANT sinaliza na direção de sua caracterização teórica como um processo estratégico de forma mais evidente. Iqbal e Khan (2011) demonstram que o processo de ANT tem se desenvolvido cada vez mais no sentido de se tornar uma ferramenta de diagnóstico amplo, com a inclusão de análises de clima organizacional e perfil da força de trabalho. A inclusão da dimensão ambiental permitiria o monitoramento de tendências que orientem para uma atuação mais estratégica. Um dos pontos abordados é o estabelecimento de uma relação recursiva entre a estratégia organizacional e os resultados da ANT, na qual ambos são mutuamente considerados. Nesse sentido, a ANT, em sua versão ampla, parece ser o processo organizacional teoricamente responsável pela integração técnica do setor de gestão de pessoas à organização, não sendo, dessa forma, desconsiderada a integração política da unidade, apontada como relevante por diversos autores (e.g. BRANDL; POHLER, 2010; IQBAL; KHAN, 2011), tendo em vista que esta permite a utilização da competência técnica para a retroalimentação do sistema de elaboração estratégica organizacional.

Parte da literatura estratégica de gestão de pessoas considera processos como a ANT como sendo centrais para o alinhamento estratégico da unidade de gestão de pessoas (e.g. GRATTON, 1999) assim como para a atribuição de flexibilidade organizacional para lidar com necessidades emergentes (e.g. WRIGH; SNELL, 1998). Os avanços realizados no campo de TD&E direcionados à abordagem estratégica permitem que as atividades de treinamento sejam, dessa forma, integradas aos modelos de gestão estratégica de pessoas.

O desenvolvimento teórico da gestão estratégica de pessoas ocorre por meio de pesquisas que buscam explicar como ocorre a influência das práticas de gestão de pessoas na geração e renovação de competências organizacionais, no alcance de objetivos estratégicos e melhoria do desempenho organizacional (FREITAS; JABBOUR; SANTOS, 2011). Nesse

sentido, o desenvolvimento estratégico de pessoas integra como elemento fundamental modelos estratégicos mais amplos de gestão de pessoas (GARAVAN; COSTINE; HERATY, 1995).