• Nenhum resultado encontrado

2.3 Modelos estratégicos de gestão de pessoas

2.3.3 Modelo estratégico de alinhamento e flexibilidade de gestão de pessoas

Wright e Snell (1998) buscam um modelo consolidado de gestão estratégica de pessoas que complemente os princípios clássicos de integração vertical e horizontal com a necessidade de criação de maior capacidade adaptativa do capital humano, referida por meio do conceito de flexibilidade. Os autores explicam, de forma semelhante a Paauwe e Boon (2009) e Legge (2005) que há certa oposição entre a noção de adequação estratégica e flexibilidade adaptativa, de forma que a atividade organizacional promoveria um foco estratégico em prejuízo do outro. Nessa perspectiva haveria uma determinação da estratégia conforme o grau de previsibilidade ou dinamicidade do ambiente organizacional. Os autores apresentam, assim, um modelo teórico integrado no qual acreditam não ser necessária a oposição dessas abordagens. O argumento é de que são elementos completamente diferentes, sendo o alinhamento estratégico um estado estrutural, temporalmente pontual, em que há correspondência entre estruturas de GP e a estratégia organizacional e a flexibilidade seria um traço, mais ou menos permanente, que se refere a um conjunto de práticas que permitem a rápida adaptação organizacional (WRIGHT; SNELL, 1998). O ideal, portanto, é o desenvolvimento de ambos os elementos, de forma a caracterizar a atuação estratégica da GP.

Para análise do alinhamento estratégico, três variáveis conceituais, comumente utilizadas na literatura são analisadas: as práticas de gestão de pessoas; os conhecimentos e habilidades dos funcionários e; os seus comportamentos (WRIGHT; SNELL, 1998). Sob a perspectiva clássica, o alinhamento estratégico pressupõe que as organizações devam dispor de escolhas estratégicas para a modelagem de seus processos de gestão de pessoas conforme sua estratégia, de forma a desenvolverem perfis profissionais adequados às suas necessidades.

A dimensão da flexibilidade representa uma inovação em relação à teoria clássica, porém sua ocorrência não é tão evidente em processos formais quanto a perspectiva do alinhamento estratégico (WRIGHT; SNELL, 1998). As três variáveis conceituais citadas são mantidas, como variáveis fundamentais da GEP, porém a sua dimensão de análise se volta para o respectivo grau de flexibilidade. Baseado em outros autores, Wright e Snell (1998) apresentam duas formas de flexibilidade genéricas: a flexibilidade de recursos (resource flexibility), que representa o quanto determinado recurso pode ser aplicado em diferentes situações; e a flexibilidade de coordenação (coordination flexibility), na qual a estrutura dos processos pode ser facilmente modificada de forma a se compatibilizar com diferentes recursos, ou gerar diferentes resultados. Ambas as perspectivas são conceitos de flexibilidade acerca dos meios de produção, aplicando-se ambas à gestão do capital humano e aos processos de gestão de pessoas. O objetivo da função estratégica de pessoas, nesse caso, torna-se: 1) desenvolver sistemas de GP que podem ser facilmente modificados e adaptados; 2) desenvolver uma base de capital humano com uma ampla gama de conhecimentos e habilidades; 3) promover a flexibilidade comportamental entre os funcionários. Os objetivos de cada dimensão com relação às variáveis estão representados no Quadro 2.

Dimensão Foco Concepção

Práticas de Gestão de Pessoas Conhecimentos e Habilidades Comportamentos Alinhamento Estratégico Longo Prazo Planejada e Racional Orientação de práticas de gestão de pessoas aos objetivos organizacionais Desenvolvimento de conhecimentos e habilidades previstos na estratégia Comportamentos desejados para aplicação da estratégia (role behaviors) Flexibilidade de Recursos Curto Prazo Adaptativa Emergente Aplicabilidade da prática em diferentes situações e funcionários (Versatilidade) Variedade de conhecimentos e habilidades por pessoa, com alta

capacidade de aprendizagem

Variedade de comportamentos

para lidar com situações imprevistas e problemas Flexibilidade de Coordenação Curto Prazo Adaptativa Emergente Possibilidade de mudança rápida de políticas e práticas de gestão de pessoas (Flexibilidade) Capacidade de captação e alocação ágil do capital intelectual dentro da organização Comportamentos diversificados e multiplicidade de pontos de vista

Quadro 2: Dimensões e variáveis de análise características do modelo estratégico de gestão de pessoas. Fonte: Elaborado com base em Wright e Snell (1998)

As práticas de gestão de pessoas em um modelo estratégico, além de contribuírem para a estratégia organizacional, por meio da formação de perfis profissionais adequados (CHAs), devem possuir flexibilidade para ajustar-se a diferentes situações, conforme as necessidades organizacionais (WRIGHT; SNELLL, 1998). As práticas e processos de GP são elementos desenvolvidos sob a perspectiva de obtenção de vantagem competitiva (GRATTON, 1999) e que tem maior valor estratégico quando, ao atuar sobre os recursos humanos, atribuem à força de trabalho a flexibilidade para adaptarem-se a diferentes situações (WRIGHT; SNELL, 1998). As práticas de gestão de pessoas, voltadas para a influência do desempenho humano na organização (GRATTON, 1999), devem possuir o grau de diversidade adequado para definir os comportamentos requeridos por diferentes unidades de negócio, carreiras e perfis profissionais, podendo ser adaptáveis ao nível do indivíduo. Sob essa perspectiva, compreende-se que essas práticas possuem flexibilidade de recurso. Avaliações de desempenho são um exemplo de práticas que podem ser rígidas, ao utilizar critérios universais de avaliação, ou flexíveis, ao individualizá-la por meio, por exemplo, de planos de trabalho (WRIGHT; SNELL, 1998).

Sob o ponto de vista da flexibilidade de coordenação, as práticas devem ser capazes também de serem modificadas em sua estrutura, sem sofrer com a pressão por estabilidade ou observância normativa, típica de ambientes burocráticos e de forte institucionalização. O objetivo de manter as práticas flexíveis do ponto de vista coordenativo visa ampliar o controle dos gestores sobre o conteúdo dessas práticas para sua rápida adequação conforme as estratégias emergentes (WRIGHT; SNELL, 1998), expressando também a capacidade de transformação e responsividade do setor de gestão de pessoas ante as pressões ambientais (GRATTON, 1999).

Conhecimento e habilidades, como recurso organizacional, são flexíveis na medida em que são abrangentes e variados, permitindo que um mesmo funcionário possa trabalhar em diferentes atribuições. No entanto, tal flexibilidade é efetivada caso haja flexibilidade coordenativa, a qual, nesse caso, se refere à rápida movimentação e alocação dos funcionários, possuidores de conhecimentos e habilidades tidas como necessárias, nos processos nos quais são demandadas. Tal perspectiva permite à organização a adoção com maior rapidez de uma variedade de estratégias em resposta à dinâmica de seu ambiente (WRIGHT; SNELL, 1998).

Por sua vez, a variável que versa sobre o repertório de comportamentos dos funcionários também é concebida como passível de flexibilização. Os comportamentos, na perspectiva de recursos, devem expressar certa heterogeneidade de posturas, estilos de

trabalho e de liderança entre funcionários. Sob a perspectiva coordenativa, deve haver liberdade de aplicação desses repertórios de forma efetiva, em posições gerenciais ou participação de equipes, que necessitem de repertórios atitudinais específicos (e.g. perfil voltado para inovação, solução de problemas, regulação normativa, etc.) (WRIGHT; SNELL, 1998)

Por fim, o sistema de gestão estratégica de pessoas, sob a perspectiva da flexibilidade de conhecimentos, habilidades e comportamentos, deve estar organizado de forma que: 1) permita a aprendizagem dos funcionários para que esses busquem habitualmente o desenvolvimento de múltiplas competências para aplicações futuras e; 2) crie um ambiente adequado para a expressão de múltiplas competências, de forma que os funcionários possuam autonomia para mobilizá-las em resposta às contingências ambientais (WRIGHT; SNELL, 1998). A organização desse sistema, com vistas à flexibilidade organizacional, não entra em conflito com o sistema formal-sinóptico (BREWSTER; LARSEN; MAYRHOFER, 2000), o qual se volta para o planejamento de longo prazo da força de trabalho, ao contrário, integra-o na medida em que a manutenção de uma estrutura flexível para aproveitamento do capital humano é parte das atividades de planejamento de gestão de pessoas, vinculado aos objetivos organizacionais (WRIGHT. SNELL, 1998). A apresentação total do modelo está evidenciada na Figura 5.

Conforme o modelo, o processo de elaboração estratégica possui uma perspectiva formal, no qual os resultados das estratégias de gestão de pessoas retroalimentam o processo decisório estratégico como um todo, assim como possui uma perspectiva dinâmica concebida como infra-estrutura participativa. O foco na flexibilidade enseja um fluxo dinâmico de comunicação entre funcionários e gerência como forma de monitoramento do ambiente organizacional. Nesse sentido a infra-estrutura participativa se refere aos canais de informação e tomada de decisão cotidianos e informais pelos quais os aspectos emergentes do ambiente organizacional são trazidos ao conhecimento de gerentes. Nesse ínterim, a resposta ao ambiente recorre aos graus de flexibilidade organizacional para elaboração de estratégias emergentes (WRIGHT; SNELL, 1998).

O modelo integrativo de Wright e Snell (1998) elabora uma nova dimensão de contribuição estratégica das práticas de GP, para além do modelo clássico, por meio da geração de maior flexibilidade à organização. A dupla função da gestão estratégica de pessoas (alinhamento estratégico e flexibilidade) combina os modelos de elaboração estratégica clássico e emergente. No entanto, os autores reconhecem as limitações da perspectiva racional, ao considerar a diferença entre estratégia planejada e estratégia realizada, havendo uma lacuna entre as intenções dos atores organizacionais e os resultados reais de suas estratégias. Ademais, argumentam que a perspectiva racional de ajuste estratégico gera pressupostos de difícil consecução na realidade: de que os gestores tenham conhecimento de todas as necessidades da organização em termos de capital humano; de que haja grande controle sobre todos os processos de GP para sua adequação e especificação precisa; e que o ambiente é estável o suficiente para a implementação bem sucedida de uma estratégia projetada no futuro (WRIGHT; SNELL, 1998). Em razão desses pressupostos, argumenta-se que um efetivo alinhamento estratégico é de difícil consecução em organizações modernas, de forma que, com base em outros autores, propõe-se que a função de GP participe do planejamento estratégico sob uma perspectiva inversa, na qual a capacidade do capital humano monitorado pelo setor de GP seja fator condicionante no processo de elaboração estratégica (WRIGHT; SNELL, 1998). Nessa perspectiva, um sistema estratégico de gestão de pessoas se coadunaria com a abordagem de capacidades dinâmicas da organização, na qual a atividade de gestão de pessoas seria responsável pela prontidão e adequação das competências do capital humano para a adequação da organização às mudanças em seu ambiente (PLOYHART; MOLITERNO, 2011; WRIGHT; SNELL, 1998).

Assim, a atividade de desenvolvimento de pessoas influencia a estratégia organizacional e permite uma atuação proativa do setor de GP na organização (WRIGHT;

McMAHAN, 1992). As práticas de desenvolvimento transcendem o foco no nível do indivíduo de prepará-lo e adequá-lo para o desempenho regular no cargo (ROTHWELL; KAZANAS, 1991 apud GARAVAN; COSTINE; HERATY, 1995), e adquirem um foco sistêmico na medida em que promovem o alinhamento entre o ambiente, a estratégia organizacional e o desenvolvimento de competências individuais para o alcance dos objetivos organizacionais (GARAVAN; COSTINE; HERATY, 1995; TORRACO; SWANSON, 1995). Por outro lado, enquanto a perspectiva formal-sinóptica busca o alinhamento de competências sob uma perspectiva racional de prospecção dos ambientes interno e externo, a perspectiva informal-incremental se fundamentará, na literatura estratégica, no conceito de capacidades dinâmicas na organização, na qual se busca a adequação constante da organização ao seu ambiente. Uma das formas percebidas de viabilização da capacidade dinâmica organizacional é por meio da capacidade do sistema de gestão de pessoas de desenvolver competências flexíveis de sua força de trabalho, preparando-a para rápidas adaptações de atividade e reação a mudanças ambientais. Nesse sentido, a integração e a rápida comunicação entre as unidades organizacionais, por meio de parcerias estratégicas, é que se torna fator fundamental para que as informações acerca de necessidades emergentes cheguem ao setor de gestão de pessoas. Dessa forma a unidade pode atuar por meio da detecção dos perfis de competência a serem ajustados para uma rápida resposta ao ambiente em constante mudança. Garavan, Costine e Heraty (1995) e McCracken e Wallace (2000) apresentam um modelo teórico que diferencia o perfil da atividade de desenvolvimento entre um padrão reativo e um padrão estratégico, estabelecendo um foco na dimensão do processo, em que se considera o grau de influência da unidade de GP no processo decisório estratégico, conforme proposta por Paauwe (2004). Os autores terminam por harmonizar pressupostos formais-sinópticos e informais-incrementais, assim como os requisitos de conteúdo das práticas de desenvolvimento e de participação da unidade de gestão de pessoas no processo decisório, conforme a Figura 6.

Figura 6: Modelo de Desenvolvimento Estratégico de Pessoas. Fonte: Adaptado de McCracken e Wallace (2000)

A exposição dos respectivos modelos teóricos fornece subsídios para a caracterização dos setores de GP nas organizações. Porém, conforme abordado no início do capítulo, esses modelos representam uma complementação progressiva dos modelos clássicos de GEP e terminam por gerar uma teoria fragmentada, em que diversos aspectos e dimensões teóricas que permitem a compreensão do modelo são abordados por diferentes teorias (PAAWUE; BOON, 2009). Os modelos revisados foram bem sucedidos ao integrar teoricamente aspectos, a princípio, antagônicos, como a abordagem de curto e longo prazo e as perspectivas clássica e emergente de elaboração estratégica. No entanto, conforme observado pelos próprios autores dos modelos, além de outros pesquisadores, há relativamente pouca referência acerca dos aspectos ambientais que condicionam a adoção dos modelos estratégicos e como ocorre sua influência nesse processo (GRATTON, 1999; McCRACKEN; WALLACE, 2000; SHEEHAN, 2005; TRUSS, 2003; 2008; WRIGHT; SNELL, 1998). Conforme mencionado, investigações empíricas, nesse sentido têm analisado quais fatores ambientais condicionam a adoção de modelos estratégicos pelas organizações (e.g. BRANDL; POHLER, 2010; BREWSTER et al, 2006; CODA et al, 2009; DATTA; GUTHRIE; WRIGHT, 2005; DE PABLOS, 2004; FARNDALE et al, 2010; GOODERHAM;

NORDHAUG; RINGDAL, 1999; LACOMBE; TONELLI, 2001; MULLER, 1999; McCRACKEN; WALLACE, 2000; PAAUWE; BOON, 2009; TRUSS, 2003, 2008; TRUSS, 2009 apud BRANDL; POHLER, 2010).

Paauwe (2004) aborda essa questão procurando criar um modelo teórico que consolidasse as inovações teóricas dos diferentes modelos estratégicos de gestão de pessoas. Com base nos avanços do campo de gestão de pessoas e integrando perspectivas da teoria institucional, teoria baseada em recursos e de abordagem contingencial e configuracional (PAAUWE, 2004; PAAUWE; BOON, 2009), o autor propõe um modelo abrangente que busca considerar os possíveis fatores ambientais intervenientes na implantação e formatação de um modelo de GEP.