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Mapa 4 – Projetos de assentamento de reforma agrária identificados (2005)

4. FORMAÇÃO PROFISSIONAL PARA CONSTRUÇÃO CIVIL E

4.3. O PERCURSO DA PESQUISA

4.5.11. Avaliação dos aprendizes

Educadores e monitores registraram, para cada aprendiz, o diagnóstico do seu conhecimento nos momentos iniciais do curso, e sua evolução ao longo das atividades propostas. A prova escrita, que pode ser um instrumento complementar de avaliação nos cursos do Thaba, foi descartada na experiência de Água Fria, em função da baixa escolaridade dos educandos. O desempenho de cada aprendiz foi avaliado processualmente, incluindo, nessa avaliação, o compromisso com a aprendizagem e o domínio das técnicas profissionais, conforme atesta o educador Adilson Arruda:

Bem, nesse caso do MST, nós não usamos do recurso da prova escrita, até por causa da questão da escolaridade. Mas a avaliação foi feita, pelo acompanhamento diário do aluno, verificando como estava esse aluno ao entrar no curso, e o desenvolver de cada atividade dele, tanto em sala de aula, quanto na parte prática. Então, essa avaliação foi justamente esse acompanhamento diário e cotidiano desse aluno, em cada atividade a ser feita, vendo não só a questão do desenvolvimento da atividade com as

ferramentas, mas também do desenvolvimento profissional dele, da questão da postura, da atitude que ele tinha perante a equipe, perante a atividade que ele estava exercendo.

Esta concepção está coerente com o pensamento de Antunes (2008, p. 17), que afirma que

[...] uma avaliação do rendimento escolar somente pode ser considerada eficiente quando produto de uma observação continuada ao longo do período escolar e não somente concentrada nos momentos de provas e exames. Essa avaliação pode valer-se dessas provas – com e sem consulta – mas precisa aceitar também os trabalhos realizados individualmente e em grupo; a capacidade do aluno de encontrar e selecionar informações e sua propriedade em associá-las aos saberes que pertencem a sua estrutura cognitiva. Somente com um leque de múltiplos componentes pode o professor, como verdadeiro juiz, proferir um criterioso veredicto.

Avaliou-se, portanto, o desenvolvimento e envolvimento do educando, em todo o processo, acompanhando o seu desempenho, e ao final pontuou-se o seu conhecimento em função do seu nível de aproveitamento. Os educandos que alcançaram média seis foram certificados, pela Uneb, como aptos para o desempenho da profissão relativa aos respectivos cursos. Os educandos que não atingiram a média exigida, mas tiveram uma freqüência mínima de 75%, receberam um certificado de participação.

Percebeu-se, entretanto, nas conversas com os assentados, que alguns deles não tinham compreendido todos os critérios de avaliação. Havia, também, algumas insatisfações: alguns dos educandos receberam o certificado de participação, quando acreditavam que – por terem um bom desempenho nas atividades práticas, ou por terem alguma experiência anterior na construção civil – deveriam ter recebido o certificado de qualificação profissional. Este sentimento está presente no depoimento de alguns atores do primeiro grupo focal realizado em Água Fria:

É avaliação dos professor, que viu, achou que eu não tinha capacidade de ser pedreiro, mas antes de eu vir pro curso, eu já fiz minha casa em Salvador, já trabalhei de pedreiro. Não era um pedreiro profissional, que eu não tinha certificado de pedreiro, e tal, mas aqui eu aprendi muito mais. Tanto que eu fiz minha casa [...].

Dona Onildes é uma pessoa que se dedicava bastante na parte de pedreiro. [...] Recebeu acho que de outros, e não o de pedreiro. Carpinteiro, que eu acho que ela nunca subiu em cima de um telhado, ela recebeu. É isso que eu fiquei sabendo, né? Eu acho que um errozinho assim, eu não sei porquê. [...] Eu acho que teve uma falha dentro do curso, alguma coisa que não deu certo pro lado dela, e outros aí também. [...]

A confusão, ou incerteza, entre os assentados, quanto ao sistema de avaliação e às certificações emitidas, percebida na fala acima, também pode ser verificada em outras declarações:

[...] A avaliação teve a parte da dedicação, e também teve algumas faltas, que faltou muito. Tem pessoas que faltou uma etapa inteira. E passou o diploma. Aí ficou uma interrogação.

[...] Como teve muita gente aqui que até hoje eu fico em dúvida. Porque, o que acontece: aqui no curso, tinha muita gente, aqui, que não participava das coisas muito bem, e que recebeu o certificado, aqui.

A assistente social Rosângela Jacó confirma que a avaliação foi feita de forma criteriosa, e que estes critérios foram constantemente relembrados aos aprendizes, ao longo do curso:

Foi uma avaliação processual, né? Além disso, a gente avaliava também a postura na hora da refeição, né? Se ela era cooperativo, se ele ajudava o companheiro, ou se ele só se preocupava consigo. Às vezes, parece que a certificação tá ligada só ao desempenho relacionado à profissão, né? Então, muitos chegaram a pensar assim: “poxa, mas eu já trabalho nisso, então vou receber certificado de qualificação, porque eu só quero aqui pegar o certificado”. Na verdade, durante o processo, eu acredito que ele percebeu que não era só isso, não era simplesmente ter a habilidade da profissão, né? O nosso curso, ele tem que ter o envolvimento, ele tem que ter o compromisso, ele tem que respeitar o companheiro. Então, são quesitos que a gente vai colocando a todo momento, e vai avaliando a cada atividade que ele faz.

Este desenvolvimento da capacidade de relação interpessoal e inserção social, apontado acima por Jacó, e de significativa importância para o assentamento e – em especial – para o grupo que daria continuidade à construção das casas, também é sinalizado por Antunes (2008, p. 22), ao destacar a necessidade de que o educando, ao passar por processos educativos, progrida em questões como

[...] sociabilidade, sensibilidade pelo outro, sentimento de empatia e atitudes de solidariedade, participação, prestatividade, cooperação. É importante que descubra a força social do grupo e domine maneiras cooperativas de integrá- lo, desempenhando papéis diversos e assumindo a dimensão individual de suas responsabilidades coletivas. Em síntese, é essencial que aprenda a viver

com os outros mesmo com os quais não se nutre sentimentos de afeto e

empatia.

Mais uma vez, Arruda sinaliza que a avaliação enfoca valores que vão além das habilidades profissionais:

É justamente isso daí, que alguns achavam que, por estar trabalhando bem com a ferramenta, já estavam sendo profissionais, mas um profissional não é só trabalhar bem com a ferramenta. Toda a questão de postura, de atitude.

Outro fato importante notado em alguns aprendizes foi o medo da reprovação, que os fez evadir do curso na última semana, receosos com o provável recebimento do certificado de participação. Preferiram ser caracterizados como desistentes, a passar, perante o grupo, pelo constrangimento – na percepção deles – de não receber o certificado de qualificação. Mesmo

assim, a sua certificação – de participação – foi realizada. Este medo da reprovação é bem característico da escola brasileira de quarenta anos atrás, “[...] onde o horror da reprovação, além de humilhar e diminuir, segregar e mentir, roubava do aluno um ano inteiro de sua vida” (ANTUNES, 2008, p. 40). Assim, infere-se que os educandos que evadiram do curso – especificamente pelo provável recebimento do certificado de participação – trazem traumas de uma época em que a educação servia unicamente para aprovar ou penalizar: “[...] o importante não era transformar-se e sim passar de ano” (ANTUNES, 2008, p. 41). Atualmente, reconhecidos os malefícios dessa prática, busca-se acabar com a cultura de retenção do estudante, por meio de mecanismos pedagógicos de sedução do educando, instrumentos de reforço na compreensão da aprendizagem significativa, e eficientes sistemas de recuperação (ANTUNES, 2008, p. 41-42). O depoimento de Arruda atesta a preocupação do Thaba em desmistificar o pavor da reprovação:

A gente quer mostrar que não é um constrangimento, mas que ele não obteve o resultado esperado.