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3.4 – Avaliação e supervisão: sinergias para o desenvolvimento docente

Ao longo deste e do capítulo anterior, temos vindo a focalizar a ideia de formação, seja em termos de supervisão, seja em termos de avaliação, concluindo que, tanto a ação supervisiva, como a avaliação do desempenho docente podem contribuir para o desenvolvimento profissional e organizacional, se e quando tiverem em linha de conta o contexto em que são implementadas.

Moreira (n.d.), referindo o “desalento e desinvestimento no desenvolvimento profissional” (p. 242), causados pela implementação do processo de avaliação de desempenho docente então em vigor, defende “uma perspectiva desenvolvimentalista e uma visão emancipatória da supervisão em contexto de avaliação interpares” (p. 242), promotoras do referido desenvolvimento.

Segundo esta autora, um dos aspetos fundamentais da escola atual é a necessidade de mudança da sua “cultura avaliativa” (p. 248), pois só essa mudança poderá favorecer a “cultura de trabalho” em contexto escolar.

Baseando-se no trabalho de autores como Paquay (2004), Moreira (n.d.) distingue duas finalidades básicas da avaliação, conforme explicita a figura X.

Figura X – Finalidades da avaliação docente (adaptado de Paquay, 2004, citado por

Moreira, n.d., p. 249)

Controlar Mobilizar/Motivar

Gestão da carreira

Prestação de contas Melhoria do ensino

Desenvolvimento profissional Administradores Inspectores Coordenadores Outros professores Observação de aulas Portefólios Autoavaliação …

Realizada por Realizada por

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Moreira considera que, de uma maneira geral e com base na legislação sobre a matéria, a avaliação docente tem privilegiado a finalidade de controlo, ou seja, tem estado mais ligada “a uma gestão da carreira mais apertada e à rígida prestação de contas” (p. 249), ao invés de favorecer a sua vertente de motivação e mobilização dos professores no sentido de “melhorarem a sua acção profissional, promovendo, simultaneamente, o seu desenvolvimento profissional e aquisição de competências e melhorando o seu ensino e a aprendizagem dos alunos” (p. 249).

Neste sentido, Hadji (1994, p. 71) considera que, facilmente se procede, na atualidade, à oposição entre “avaliação” e “controlo”, partindo do princípio de que estes dois conceitos implicam objetivos diferentes e, portanto, dissociáveis, segundo a tese de Ardoino e Berger (n.d., citados por Hadji, 1994).

É neste sentido que, atualmente, se distingue na avaliação o seu duplo caráter enquanto avaliação sumativa e enquanto avaliação formativa, o que, em termos de avaliação de desempenho docente, se traduz, no primeiro caso, em ação de controlo e certificação e, no segundo, em reflexão, aprendizagem e desenvolvimento (Formosinho & Machado, 2010).

Na mesma linha de pensamento, Machado (2013) questiona “em que condições é que a avaliação do desempenho docente pode contribuir para o desenvolvimento profissional, sendo certo que, às vezes, pode não contribuir e, outras vezes, pode até ser um «obstáculo»? (p. 25).

Citando Fernandes (2009), Moreira (n.d.)salienta que “avaliação deve ser posta ao serviço da regulação e de melhoria das práticas pedagógicas e profissionais dos professores” (p. 250), sendo que deve assumir especial relevo o caráter formativo da avaliação.

Este conceito de caráter formativo tem sido associado à ideia de intervenção supervisiva, enquanto ação de acompanhamento/reflexão sobre a prática (Alarcão, 2002), tendo-se alguns autores debruçado sobre a articulação entre os conceitos de supervisão e de avaliação.

Assim, Vieira e Moreira (2011) referem que, sendo a avaliação “uma tarefa indissociável da supervisão na sua função de regulação, o conflito entre as funções de ajudar e avaliar tem de ser enfrentado e explicitado” (p. 19), reconhecendo, portanto, a existência de um “conflito” entre as duas atividades.

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Na verdade, vários são os aspetos que distinguem supervisão de avaliação, pois são diferentes os respetivos âmbitos de ação, bem como as suas finalidades e enfoques, entre outras situações apontadas por Nolan e Hoover (2005), citados por Moreira (2009) e indicadas no quadro IX, que apresentamos seguidamente.

Supervisão Avaliação

Finalidade principal Promover o crescimento individual para além do nível atual do desempenho

Formular juízos de valor acerca da qualidade global da competência do professor

Fundamentação Reconhecimento da natureza

complexa e multidimensional do ato de ensinar

Direito legítimo do Estado de

proteger as crianças do

comportamento imoral, incompetente

ou pouco profissional dos

professores.

Âmbito Restrito (um fator de cada vez) Alargado (juízo globalizante)

Enfoque da recolha de dados

Individualizado, diferenciado, baseado em critérios individuais

Baseado em critérios estandardizados

Valorização da

competência profissional

Competência partilhada e

mutuamente reconhecida

Avaliador certificado pelo

Estado/distrito/escola Relação professor-

supervisor

Colegial, “reciprocidade orgânica” (respeito, confiança, partilha de objetivos, experiência, liderança)

Hierarquizada, com grau razoável de distância de modo a tornar a avaliação o mais justa e neutra possível

Perspectiva do

professor sobre o processo

Oportunidade para correr riscos e experimentar

Desempenho máximo para mostrar ao avaliador

Quadro IX – Dimensões diferenciadoras da supervisão e da avaliação (adaptado de

Nolan & Hoover, 2005, citados por Moreira, 2009, p. 252)

Neste contexto, Vieira e Moreira (2011) referem que a avaliação, por ser percecionada como certificação e controlo, nem sempre corresponde aos fins educativos e formativos para os quais é aplicada, antes está, muitas vezes, ao serviço de modelos de gestão da qualidade que transformam a escola “num centro de vigilância, controlo e dominação” (p. 22) que influencia negativamente o clima de escola e promove “a interiorização de mecanismos de auto-punição, pelos sujeitos avaliados” (p. 22).

Esta é também a perceção de Duke e Stiggins (1990, p. 119), ao afirmarem que, embora a avaliação possa constituir um estímulo para o desenvolvimento docente, pode também ter o efeito oposto, dado o crescimento profissional ser inibido através de uma

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avaliação excessivamente ameaçadora, pobremente conduzida ou desadequadamente comunicada.

Assim, Vieira e Moreira (2011) consideram que, por isso, a avaliação deve antes ser posta “ao serviço da construção de comunidades de desenvolvimento profissional” (pp. 21-22), promotoras da reflexão e partilha de sucessos e insucessos, tendo em vista o desenvolvimento e a melhoria da qualidade.

Nesse sentido, as autoras consideram fundamental o “diálogo crítico” entre supervisão e avaliação, pondo em evidência o papel formativo da avaliação de desempenho, de forma a contrariar “práticas reprodutoras de focalização tendencialmente restritiva e com um impacto redutor sobre o desenvolvimento profissional” (p. 22).

Neste sentido, o “diálogo crítico”, através do qual “a avaliação, como exercício colaborativo de supervisão incidirá nas justificações e consequências da acção profissional a diversos níveis […] em busca de caminhos alternativos” é percecionado por Vieira e Moreira como conducente à aprendizagem e ao desenvolvimento profissional.

Este argumento é igualmente defendido por De Ketele (2010), porquanto considera que a “postura de controlo” da avaliação “tem mais efeitos perversos do que positivos sobre a qualidade do trabalho” (p. 28), pelo que é essencial que a avaliação se enquadre numa “postura de reconhecimento”, debruçando-se mais sobre os efeitos das práticas do que exclusivamente sobre as práticas.

De Ketele afirma que, do ponto de vista do reconhecimento, “qualquer pessoa é um pólo de excelência num domínio específico” (p. 25), pelo que a avaliação deve “identificar, valorizar, gratificar o pólo de excelência de cada professor, de cada aluno, de cada escola” (p. 25).

Segundo De Ketele, sendo a verdadeira finalidade da avaliação ajudar na tomada de decisões com vista à melhoria das práticas, é de especial importância o papel do avaliador, cuja atuação deve ser a de um “amigo crítico” que, como tal, deve adotar determinados comportamentos:

● O amigo respeita a pessoa do outro – situa-se num contexto e numa história; ele tem em conta o seu estatuto;

● O amigo crítico é um “aliado” – ele está presente para ajudar a pessoa e não para a

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● O amigo é “crítico” – ele ajuda a descobrir e a explicar o fundamento das escolhas da

pessoa, das suas ações e dos seus efeitos;

● O amigo crítico é crítico para ele próprio – explicita e submete o fundamento das suas próprias escolhas, das suas ações e dos seus efeitos.

Casanova (2011), considerando a dicotomia avaliação/supervisão, tem sobre esta matéria uma dupla perspetiva, ao afirmar que vê “como um constrangimento mas simultaneamente um desafio a problemática da supervisão e do desenvolvimento profissional promovidos pela avaliação de desempenho” (p. 103).

Assim, a autora advoga que, subjacente ao processo de avaliação, está uma

lógica de acompanhamento que remete para o papel da supervisão, pelo que “a

supervisão poderá ter um papel muito importante na melhoria do desempenho docente” (p. 105).

Nesse sentido, supervisão e avaliação não devem “caminhar de costas voltadas”, antes devem ser implementadas de forma articulada, como sinergias impulsionadoras do desenvolvimento profissional e da melhoria da qualidade do ensino e das aprendizagens dos alunos, numa organização escolar aprendente, onde a discussão, a reflexão e o trabalho colaborativo sejam uma constante na senda dessa mesma melhoria.

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PARTE II

PERCURSO PROFISSIONAL EM