• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3. RESPONSABILIDADE ADMINISTRATIVA DO FUNCIONÁRIO

3.3. Responsabilidade administrativa por ineficiência no ordenamento jurídico pátrio

3.3.1. Na Constituição Federal

3.3.1.2. Avaliação periódica de desempenho

A fim de que o direito à estabilidade não exceda em seus resultados e cumpra o propósito a que foi criado, o artigo 41 da Constituição Federal, a partir da Emenda Constitucional nº 19/98, embora com algumas críticas317, passou a prever que os servidores estáveis poderão perder seus cargos, entre outros, mediante procedimento administrativo de avaliação periódica de desempenho, na forma da lei complementar, assegurada a ampla defesa.

Segundo Elival da Silva Ramos:

O que se quis foi evitar a acomodação que a aquisição da estabilidade por vezes enseja, com a perda de interesse no aperfeiçoamento funcional, o que, em uma quadra de veloz transformação das técnicas laborais, pode redundar em inaptidão do funcionário para realização das tarefas inerentes ao seu cargo, sob o signo do princípio da eficiência, agora expressamente arrolado no caput do art. 37 da Lei Maior.318

315JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo, cit., p. 771-772.

316Em acórdão, o STJ considerou que, entre outros, o fato de a servidora se encontrar em estágio probatório à

época em que praticou determinado ato considerado ineficiente, conduziria à necessidade de aplicação de penalidade menos gravosa do que aquela aplicada pela Administração Pública. (STJ, MS nº 10.220/DF, Ministro Arnaldo Lima, DJU 13.8.2007).

317Conforme LIMA, Ruy Cirne. Princípios de direito administrativo. 7. ed. rev. e reelaborada por Paulo

Alberto Pasqualini. São Paulo: Malheiros Ed., 2007.p. 173 e 456.

318RAMOS, Elival da Silva. A proteção aos direitos adquiridos no direito constitucional brasileiro, cit., p.

Tal hipótese não se confunde com a infração de ineficiência, pois não implica a prática de ilícito disciplinar, “pois seu objetivo é avaliar periodicamente, por critérios técnicos e teoricamente objetivos, as condições de aptidão e o desempenho do servidor público em relação ao cargo para o qual foi admitido”319.

A perda do cargo, neste caso, deve ser a última alternativa, justificando-se apenas nos casos em que há causa para tanto, conforme o disposto no artigo 4º da Convenção nº 158, de 1982, da Organização Internacional do Trabalho: “Não se porá fim à relação de trabalho, a menos que exista uma causa justificada relacionada com a capacidade ou conduta do trabalhador ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa”320.

A incapacidade profissional é deduzida, em regra, por meio de fatos sucessivos, podendo ser apurado somente por meio de contínuas e variadas formas321, que demonstrem que o agente que não é hábil a exercer as funções para as quais foi contratado. Para se realizar tal apreciação, é necessário analisar a atuação e o comportamento da pessoa em confronto com os de seus colegas que exercem as mesmas funções. Se houver constatação de atuação deficiente por parte dele, deverá haver exoneração.

Quando houver constatação da ineficiência contumaz, será possível se estender a responsabilidade, alcançando-se o superior ou o agente que inseriu, escolheu ou manteve o agente ineficiente em função incompatível com as suas limitações ou que deixou de observar a reiteração no comportamento indevido.

Concordamos com Alejandro Uergo Lora que, analisando instituto semelhante na Espanha, afirma que, por não se tratar de hipótese de sanção, não se deve aplicar o princípio da culpabilidade, entre outras coisas porque se chegaria ao absurdo de que os funcionários mais inúteis seriam os mais difíceis de se remover, porque se são ineficientes não é por culpa deles, mas porque não podem atuar de outra forma. Ademais, o princípio da culpabilidade se fundaria no fato de que a sanção persegue o castigo do infrator, sua retribuição, sem que dela dependa diretamente a tutela de um determinado interesse público ou de terceiros. Assim, quando é o interesse público ou de terceiros o que se tutela diretamente, o princípio da culpabilidade poderia ser afastado322. No caso, o que se visa

319ARAÚJO, Edmir Netto. Curso de direito administrativo, cit., p. 306.

320Ver NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do

trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 790.

321Nesse sentido: CAETANO, Marcelo. Do poder disciplinar no direito administrativo português, cit., p. 67. 322HUERGO LORA, Alejandro. op. cit., p. 318 e 380.

proteger diretamente é o bom funcionamento do serviço323 e, sendo assim, o elemento culpa pode, de fato, ser afastado, para que haja punição.

A desnecessidade de culpa também se comprova ao se observar que, no projeto da reforma tratada neste trabalho, havia sido previsto o direito à indenização (meio salário por ano trabalhado), na hipótese de demissão por insuficiência de desempenho324. Se fosse cogitada a necessidade de culpa do agente, a indenização jamais teria sido sugerida.

Vale lembrar que tal hipótese de afastamento do funcionário público está condicionada à existência de lei complementar que ainda não existe e que, na hipótese de o servidor ser considerado insatisfatório, ele se sujeitará à exoneração, e não demissão, pois não tem natureza punitiva325.

Lembre-se, ainda, que o vínculo profissional que existe entre o servidor e o Estado é característica que integra a personalidade da pessoa, sendo certo que a sua extinção apenas pode ocorrer nas situações e na forma minuciosamente delineadas no ordenamento jurídico, conforme já mencionado. No caso, é obvio que há um prejuízo para o agente, ainda que não haja propriamente uma sanção, de forma que tal exoneração não pode ser arbitrária nem imotivada.

Neste sentido, a concepção reducionista do legislador e do aplicador nessa matéria, sobretudo na disciplinar, no sentido de dar a suas consequências importância reduzida, implica em doença enquadrável como vulnerações da segurança ou da certeza do direito326.

Sabe-se que o princípio do devido processo legal, que compreende o contraditório e a ampla defesa327, possui sentido material e é aplicado em todas as relações jurídicas, inclusive as de direito privado328, de forma que nunca poderá ser afastado, mormente

323Conforme OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Servidores públicos. 2. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2008. p.

40.

324PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Crise econômica e reforma do Estado no Brasil: para uma nova

interpretação da América Latina, cit., p. 288.

325Nesse sentido: MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, cit., p. 303 e Id.

Apontamentos sobre os agentes e órgãos públicos, cit., p. 39.

326Conforme MARTINS, Eliezer Pereira. Segurança jurídica e certeza do direito em matéria disciplinar –

aspectos atuais. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 230, p. 141-152, out./dez. 2002.

327STF, Recurso Extraordinário nº 170.463/DF, Ministro Marco Aurélio; STJ, Recurso em Habeas Corpus nº

7.418/MS, Ministro Vicente Leal; STJ, Recurso Especial nº 159.148/RJ, Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro; TRF4, AMS 94.04.51732-1/RS, DJU 21.10.1998, p. 814, Desembargador Joel Ilan Paciornik; TJSP, AC 163.888-1/5, Desembargador Fonseca Tavares.

quando se discute relações que podem culminar com sanções329 ou qualquer outro prejuízo ao interessado.

Não há como se afastar, portanto, a observância do devido processo legal com todas as suas implicações, principalmente relacionadas ao direito de defesa quando há contrariedade de interesses, pois as garantias individuais estão sempre acima da eficácia da aplicação das sanções administrativas em geral330.

Assim é que entendemos que, independentemente do nome que se dê ao procedimento adotado para a apuração da conduta ineficiente do servidor e da função que ele exerça, não pode haver a perda do cargo sem o devido respeito aos princípios procedimentais do ordenamento jurídico, o que acaba por igualar, na prática, o procedimento avaliatório e o processo administrativo mencionados nos artigos 247, parágrafo único e 41, § 1º, III da Constituição Federal.

Não é possível, portanto, estabelecer distinção entre os procedimentos aludidos em tais normas, mas sim notar o intuito da Constituição Federal de deixar claro a necessidade do processo administrativo com todas as suas garantias tanto na hipótese de perda do cargo por insuficiência de desempenho pelos funcionários públicos em geral, como também e

principalmente por aqueles que exercem atividades exclusivas de Estado, e não apenas

para estes últimos.

Veja-se que o projeto de Lei-Complementar nº 248-D, de 1998, que disciplina a perda de cargo por insuficiência de desempenho do servidor público estável, dispõe que o respectivo processo administrativo deve observar o contraditório e a ampla defesa (artigo 11). Em relação aos que desenvolvem atividades exclusivas de Estado, verifica-se que o processo administrativo é o mesmo. A única diferença é que, para eles, é previsto recurso hierárquico especial com efeito suspensivo para a autoridade máxima do órgão ou entidade a que estiver vinculado, desde que a competência originária para o ato de demissão for atribuída à autoridade hierarquicamente inferior àquela para a qual o recurso for destinado (artigo 16), o que confirma nossa conclusão de que, na essência, os procedimentos não são e nem devem ser diferentes.

329STJ, MS 645/DF, DJ 1.7.1991, Ministro Vicente Cernicchiaro; STJ, Recurso Ordinário em Mandado de

Segurança nº 9.501/PB, Ministro Edson Vidigal; TRF1, AMS 00873-9/DF, DJ 29.6.1990, Desembargador Eustáquio Silveira.

A avaliação de desempenho é um importante instituto a ser utilizado para analisar qual a contribuição do profissional para o perfeito funcionamento da organização, resolver problemas de desempenho, melhorar a qualidade do trabalho e a qualidade de vida dentro das organizações331. Atente-se ao fato de que todo profissional espera um retorno sobre seu desempenho, sem o qual o mesmo caminha às cegas, sem correções ou reconhecimentos, e sem, ainda, o exercício de suas potencialidades, podendo a avaliação de desempenho ser utilizada também nesse sentido, quer dizer, como forma de reconhecer e motivar o funcionário332.

Documentos relacionados