• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1. EFICIÊNCIA

1.1. Introdução da eficiência no ordenamento jurídico pátrio

1.1.2. Emenda Constitucional nº 19/98

A Emenda Constitucional 19/98 foi precedida pelo Plano Diretor de Reforma do Aparelho Estatal, no qual a Constituição Federal de 1988 foi tida como retrocesso burocrático por ter engessado o aparelho estatal ao impor a mesma estrutura rígida tanto para os serviços do Estado como para o núcleo estratégico do Estado, tanto para a Administração Direta como para a Indireta, por implementar um regime único para os servidores públicos e por retirar do Poder Executivo sua autonomia para tratar de sua própria estrutura.

O Plano Diretor pretendeu instaurar uma administração ágil e com maior grau de autonomia, capaz de enfrentar os desafios de um Estado moderno, que acabara de sair da estagnação econômica e, para alcançar tal intento, considerou imprescindível a alteração das regras constantes do ordenamento jurídico vigente. Para tanto, considerou necessária a publicação de diversas emendas constitucionais. Tais emendas visavam a introdução do

66DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988. 2. ed. 4.

reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 53.

67TÁCITO, Caio. Transformações do direito administrativo. Revista de Direito Administrativo, Rio de

Janeiro, n. 214, p. 27-34, out./dez. 1998.

68Conforme MODESTO, Paulo. Notas para um debate sobre o princípio constitucional da eficiência. Revista

Diálogo Jurídico, Salvador, v. 1, n. 2, maio, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>.

modelo gerencial para resolver a crise do Estado, valendo-se de métodos privados de administração empresarial, que focam o resultado final da ação administrativa, e não o seu processo, como a burocracia. Menciona o plano: “Os resultados da ação do Estado são considerados bons não porque os processos administrativos estão sob controle e são seguros, como quer a administração pública burocrática, mas porque as necessidades do cidadão-cliente estão sendo atendidas” 69.

Assim, a reforma visou “reforçar a capacidade de governo do Estado, através da transição programada de um tipo de administração pública burocrática (rígida e ineficiente, voltada para si própria e para o controle interno) para uma administração pública gerencial (flexível e eficiente, voltada para o atendimento da cidadania)”70.

No que se refere aos recursos humanos, dos quais dispõe o Estado para a realização de suas finalidades, o Plano Diretor de Reforma do Aparelho Estatal apontou vários problemas estruturais (como deficiências na forma de tratamento dos recursos humanos, distorção na distribuição de servidores, falta de rotinização dos concursos a possibilitar contratação constante, falta de amplitude de remuneração dentro de uma mesma carreira que motivasse a ascensão, etc.) e reconheceu a falta de um sistema de incentivos para o profissional, de uma política orgânica de formação, capacitação permanente e de remuneração condizente com a valorização do exercício da função pública. Adicionou a isso tudo uma indevida falta de autonomia dos administradores públicos para decidir questões relacionadas com recursos humanos, materiais e finanças, imprescindível para a fluidez do exercício das funções.

O Plano Diretor afirmou ser prejudicial a aplicação indiscriminada do instituto da estabilidade e, por conta disso, é que a Emenda Constitucional nº 19/98 acabou flexibilizando o instituto da estabilidade, mediante a possibilidade de exoneração após resultado negativo em avaliação periódica, e alterando o prazo para a aquisição da estabilidade, que passou de dois para três anos. A referida emenda passou a prever, ainda, a necessidade de avaliação de desempenho no curso do estágio probatório como condição para aquisição da estabilidade.

Prevê, a emenda, que deverá haver critérios e garantias especiais para a perda do

69PLANO Diretor da Reforma do Estado. Brasília, nov. 1995. Bresser-Pereira Website. Disponível em:

<http://www.bresserpereira.org.br/Documents/MARE/PlanoDiretor/planodiretor.pdf>. Acesso em: 21 out. 2008.

70SANTOS, Alvacir Correa dos. Princípio da eficiência da administração pública. São Paulo: LTr, 2003. p.

cargo pelo servidor público estável que, por força do cargo exercido, desenvolva atividades exclusivas de Estado. Segundo a justificativa da emenda, tal norma trata da regulamentação da estabilidade de forma rígida para as carreiras que desenvolvam funções exclusivas de Estado, e, de forma mais flexível, para os demais funcionários.

Houve a extinção do regime unicista, o que conferiu prerrogativas próprias da estabilidade apenas a determinada categoria de funcionários.

Apesar de a eficiência ter sido a base de fundamentação de toda reforma71, não constou do Plano Diretor qualquer alusão à inclusão da eficiência como princípio administrativo no texto constitucional. No entanto, ele foi acrescentado ao lado dos demais princípios que permaneceram inalterados.

O projeto da emenda fazia alusão à expressão “qualidade do serviço público”, tendo havido, no Senado, a alteração para a expressão “eficiência”. Esse fato é encarado, por alguns, como comprovação de que as ideias privatísticas que vigoravam durante toda a reforma, conferindo-lhe conotação econômica, não podem ser utilizadas na interpretação deste princípio, ainda mais porque sua previsão nem mesmo constou do Plano Diretor ou do projeto da Emenda Constitucional72.

Alvacir Correa dos Santos assim entende:

Saliente-se que mesmo que tenha sido a intenção dos reformadores da Constituição (via Emenda Constitucional 19/98) introduzir no caput do art. 37 da Constituição a figura da eficiência à moda da administração empresarial privada, isso em nada altera o significado diante da Administração Pública, pois, em qualquer organização (seja pública ou privada) deve-se sempre buscar o melhor resultado com o menor esforço ou custo possíveis, com a diferença de que a procura pelo menor gasto

com o maior lucro pode ser livremente perseguida pelo administrador

privado, desde que não encontre vedação legal em sentido contrário, ao passo que, no âmbito da Administração Pública, a busca será pelo menor

gasto com a maior produtividade no atendimento do interesse público

(aqui residindo efetivamente o lucro do ato administrativo), devendo tal busca se dar somente mediante previsão legal.73

Não há, entretanto, como afastar completamente as ideias que predominavam quando da introdução da emenda constitucional, sendo certo, ainda, que tais ideias devem

71Conforme DIAS, Jefferson Aparecido. op. cit., p. 72.

72Nesse sentido: GUIMARÃES, Daniel Serra Azul. O princípio geral da eficiência na administração

pública. 2007. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. p.

83-84 e 94 e CHICÓSKI, Davi. O princípio da eficiência e o procedimento administrativo. Revista de

Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 237, p. 93-118, jul./set. 2004.

ser adaptadas ao sistema vigente na Administração Pública há longas décadas, até porque ela conta com peculiaridades que não se encontram no sistema privado.

A introdução da eficiência no ordenamento jurídico pretendeu, sem dúvida, estabelecer uma nova forma de administração, já que a que vigorava até então não vinha se mostrando apta a dar bons resultados, mas isso não precisa necessariamente desvirtuar ou alterar o sistema atualmente existente, mas sim “revigorar o movimento de atualização de direito público, para mantê-lo dominante no Estado Democrático e Social”74, até porque, lembra Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Por mais que se idealize a fuga do direito administrativo, ela nunca poderá ser integral, porque, mesmo quando se socorre de institutos do direito privado, tais normas são parcialmente derrogadas pelo direito público”75.

A utilização de mecanismos do sistema privado existe porque o direito administrativo ainda não conseguiu desenvolver técnicas que acompanhem as novas realidades. Se desenvolvidas tais técnicas, verificar-se-á que a opção não seria a manutenção do sistema ora vigorante e tampouco a aplicação de um sistema importado das relações privadas, mas sim, o aproveitamento do que os dois ramos têm de melhor, “propondo uma mudança de paradigmas capaz de estabelecer um diálogo fecundo que permita desenvolver novos padrões conceituais a partir dos quais seja possível apreender e orientar as inevitáveis transformações do setor público”76.

Documentos relacionados