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2 DISCUSSÃO TEÓRICA

2.1 Sobre a Educação Infantil

2.2.1 Avaliação: Um breve histórico

Podemos afirmar que a ação de avaliar não é uma prática de conceito atual. O homem sempre esteve diante de situações sobre as quais precisou avaliar e,

consequentemente, tomar decisões. É possível afirmar, portanto, que a ideia de avaliar sempre esteve atrelada a decidir algo, a selecionar, a posicionar-se diante de algo. Ou seja, a avaliação, em um contexto amplo, sempre esteve ligada a definir sobre que caminhos seguir.

Pesquisas sobre o assunto revelam que as primeiras experiências de avaliação estiveram relacionadas à burocracia, às ideias de medir. Depresbiteris (1989) relata sobre os primeiros exames ocorridos durante o império chinês, nos quais se examinavam os oficiais, na busca dos mais capacitados, com as finalidades de promovê-los ou demiti-los, em 2205 a.C.

Garcia (2003) traz a referência de Durkheim que descreveu sobre os rituais de exame pelos quais passavam os candidatos a bacharel, a licenciado e a doutor, com o intuito de demonstrar os conhecimentos adquiridos durante seus estudos na universidade medieval, no século XV.

De acordo com Petitat (1994), com a diminuição do poder da igreja, no final da Idade Média, as escolas elementares iniciaram o ensino seguindo currículos mais práticos, que tinham em seus conteúdos o aprendizado de cálculo e alfabetização, não mais se limitando a aprendizagens ligadas à religião. Nessas escolas as avaliações eram informais e serviam para definir que alunos já haviam aprendido os conteúdos e quais precisariam de mais tempo para aprender.

Segundo o autor, a partir do século XVI, as escolas começaram a modificar sua estrutura, como controle de disciplina e de conteúdos e divisão das turmas por classes, além da submissão dos alunos a atividades escolares ou exames que determinavam os alunos que seriam promovidos e os que seriam rebaixados ou eliminados. (PETITAT, 1994).

Garcia (2003) assevera que o exame foi institucionalizado através de Comenius e, em seguida, por La Salle, no século XVII. O primeiro considerando o exame como um problema metodológico que objetivava a aprendizagem do aluno e, caso essa não ocorresse, seria obrigação do professor rever seus métodos. De forma diferente, La Salle, defendeu o exame como uma ferramenta de controle do aluno e supervisão da aprendizagem.

Podemos perceber que até hoje encontramos essas visões divergentes influenciando as decisões de professores e de gestores, de forma em geral.

Outras pesquisas vêm contribuir com esse histórico ao discorrer que no ambiente educativo a avaliação foi concebida, tradicionalmente, como instrumento de medida e classificação das aprendizagens, determinando os melhores e os piores, os certos e os errados, e dessa maneira contribuindo para ampliar o vácuo existente entre “os que aprendem” e “os que não aprendem”, tornando-se, assim, mais um fator de exclusão para crianças e adolescentes. (PERRENOUD, 1999; LUCKESI, 2005; ESTEBAN, 2013).

Perrenoud (1999) indica que a avaliação “nasceu” coadunada aos colégios por volta do século XVII e tornou-se indissociável do ensino em massa que vigora desde o século XIX, a partir da obrigatoriedade da escolarização. E, desde seu início, veio associada à criação de um modelo de educação que sempre priorizou a hierarquização dos saberes em detrimento da valorização das individualidades.

Depresbiteris (1989, p. 6) apresenta a iniciativa norte-americana como pioneira na criação de um sistema de testagem que aplicou em escolas públicas de Boston exames uniformes, no início do século XIX. Com os resultados desses testes, os organizadores propuseram as seguintes sugestões para a elaboração de exames educacionais: “(a) substituir os exames orais pelos escritos; (b) utilizar, em vez de poucas questões gerais, uma quantidade maior de questões específicas; e (c) buscar padrões mais objetivos de alcance escolar”.

A partir de então se deu o desenvolvimento, nos Estados Unidos, de testes padronizados promovidos por programas estaduais e regionais, com a finalidade de sugerir melhorias nos padrões educacionais. (DEPRESBITERIS, 1989).

A partir de tais evidências a autora pontua que “durante as primeiras décadas do século XX, a maior parte da atividade que pode ser caracterizada como avaliação educacional formal estava associada à aplicação de testes, o que imprimia um caráter instrumental ao processo avaliativo.” (DEPRESBITERIS, 1989, p. 7).

Em contrapartida a esses ideais de mensuração surgiram, por volta de 1950, os escritos de Ralph Tyler. O autor provocou certo impacto ao defender uma variedade de procedimentos avaliativos, como por exemplo, “testes, escalas de atitude, inventários, questionários, fichas de registro de comportamento e outras formas de coletar evidências sobre o rendimento dos alunos em uma perspectiva longitudinal.” (TYLER, 1949 apud

DEPRESBITERIS, 1989, p. 7).

A novidade apresentada por esse autor não foi a desvalorização da avaliação, mas a necessidade de que a avaliação pudesse ser realizada através de diversos instrumentos. No entanto, essa abordagem ainda “pecava por considerar a avaliação como atividade final de alcance de objetivos, sem vinculá-la a um processo contínuo e sistemático, para o qual também concorrem julgamentos de valor.” (DEPRESBITERIS, 1989, p. 9).

Outro autor que somou importantes contribuições para essa área foi Blomm, ao defender a ideia de uma educação que fosse contínua, sendo dever da escola garantir experiências de aprendizagens bem-sucedidas. Esse autor defendeu que testes podem ser aplicados desde que permitissem, tanto aos alunos quanto aos professores, informações para

um avanço nos desempenhos em aspectos ainda não dominados por eles ou para o incentivo em aspectos já alcançados. (DEPRESBITERIS, 1989).

É importante ressaltar que as produções dos autores norte-americanos influenciaram amplamente as teorias e práticas de avaliação da aprendizagem no Brasil.

No Brasil, os resquícios de um modelo de sistema avaliativo podem ser visualizados desde o período colonial, no qual os jesuítas promoviam um modelo de ensino que tinha como foco a dominação, a doutrinação e a memorização. De acordo com Aranha (1989), as lições de repetição e de memorização foram os meios encontrados para “avaliar” os alunos.

Segundo esse autor, durante as décadas seguintes, quase não se realizavam avaliações posto que se iniciavam os movimentos de formação de professores e não existia ainda um sistema avaliativo estabelecido. A partir do período republicano foram institucionalizadas as provas como meios de se avaliar e estabelecidas as notas como medidas para definir os aprovados e os reprovados. (ARANHA, 1989).

Esse surgimento da avaliação foi fortemente marcado por direcionar práticas empobrecidas e didaticamente conservadoras, além de servir como instrumento regulador. De acordo com Perrenoud (1999, p. 11), “[...] antes de regular as aprendizagens, a avaliação regula o trabalho, as atividades, as relações de autoridade e a cooperação em aula e, de certa forma, as relações entre família e a escola ou entre profissionais da educação”.

Embora tais práticas aparentem ter ficado no passado, ainda é comum visualizarmos essa compreensão classificatória e fiscalizadora da avaliação. Hoffmann (2008) resume as considerações realizadas por Saul (1988) ao realizar análise da evolução teórica dos enfoques educacionais, antropológicos e filosóficos da avaliação. Assim, “[...] conforme seus estudos revelam, pouco ou nada evoluiu em relação ao enfoque de Tyler no que se refere à avaliação da aprendizagem. As propostas que surgiram a posteriori, como a de Benjamin Bloom, perpetuam igualmente o pensamento positivista daquele teórico.” (HOFFMANN, 2008, p. 34).

Tais concepções vêm servir a um modelo de educação que demonstra a visão de uma sociedade sobre que tipo de educação os cidadãos merecem. (LUCKESI, 2005). Dessa forma, esse modelo pressupõe a educação como mecanismo de conservação e reprodução da sociedade no qual a avaliação, realizada de forma autoritária, é elemento necessário para sua garantia. (ALTHUSSER; BOURDIEU; PASSERON, 1975 apud LUCKESI, 2005).

Luckesi (2005, p. 18) realiza uma discussão em torno do caráter de promoção ou não à série subsequente, modelo adotado no sistema educacional brasileiro. Para o autor, “o

nosso exercício pedagógico escolar é atravessado mais por uma pedagogia do exame que por uma pedagogia do ensino/aprendizagem”. Desta forma, tanto pais, professores, alunos como o próprio sistema social de ensino centram sua atenção nos resultados de provas e exames.

Ainda segundo o autor, esse foco dado aos resultados em detrimento de todo o processo resultou em efeitos nada promissores a uma educação de qualidade, como a utilização de provas como meios reguladores e punitivos. (LUCKESI, 2005).

Essa realidade, na qual a avaliação assume um papel ameaçador, traz consequências, segundo o referido autor, prejudiciais ao real papel da educação. Pedagogicamente, ela não contribui com a aprendizagem dos estudantes e não cumpre sua função de subsidiar a decisão da melhoria da aprendizagem. Psicologicamente, auxilia para que se desenvolvam personalidades submissas. E, sociologicamente, reforça a seletividade social, ao articular-se com a reprovação, sendo mais um instrumento excludente. (LUCKESI, 2005).

Esteban (2013, p. 98) também chama atenção para o fato de que o uso de alguns tipos de instrumentos e procedimentos de avaliação “podem estar contribuindo para que alguns sujeitos sejam potencializados e incluídos na dinâmica pedagógica, enquanto outros vão sendo desvalorizados, isolados e excluídos”. As práticas avaliativas engessadas que buscam a homogeneização dos educandos configuram-se dentro dessa perspectiva de educação que julga e exclui.

Partindo desse contexto, as discussões em torno dessa temática vêm se ampliando e, com isso, aperfeiçoando as concepções existentes a respeito da qualidade na educação, aprendizagem e avaliação.

Guimarães e Oliveira (2014) destacam a importância do crescimento das discussões sobre essa temática e questionam sobre a impossibilidade de se falar em qualidade da Educação Infantil sem que se faça uma reflexão sobre o atendimento que é oferecido às crianças, ressaltando que essa reflexão não pode prescindir do conhecimento da realidade que só é possível através dos dados que são obtidos com a avaliação na/da Educação Infantil.

Atualmente, os modelos de avaliação centrados na classificação também são firmemente contestados por vários estudiosos da área, que compreenderam os malefícios desse tipo de prática que limita a atuação docente e discente, centraliza toda a ação na figura do professor e permite ao aluno ser um mero espectador desse processo.

Nessa esfera de argumentação, Ferreira (2013, p. 29) ressalta a forte crítica que tem sido feita a esses modelos de avaliação que “têm como marca a predição (do futuro escolar da criança), a meritocracia (que discrimina e exclui), o controle (da escola e da

criança) e o reducionismo dos processos educativos a diagnósticos (numéricos ou descritivos).”

Diante de tais críticas, pesquisadores vêm buscando tornar mais ampla a disseminação da compreensão da avaliação como elemento que não pode estar distanciado da prática pedagógica, como bem explicita Luckesi (2005, p. 95):

Em primeiro lugar, propomos que a avaliação do aproveitamento escolar seja praticada como uma atribuição de qualidade aos resultados da aprendizagem dos educandos, tendo por base seus aspectos essenciais e, como objetivo final, uma tomada de decisão que direcione o aprendizado e, consequentemente, o desenvolvimento do educando. Com isso, fugiremos ao aspecto classificatório que, sob a forma de verificação, tem atravessado a aferição do aproveitamento escolar.

Deste modo, já se tem a percepção, embora não amplamente incorporada, de que a avaliação deve ocorrer de forma contínua e não apenas uma ação que acontece ao final de um processo. O seu objetivo principal deve ser o de fornecer informações acerca dos processos de ensino e de aprendizagem e, desta forma, contribuir com a melhoria dos mesmos.