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As Artes de gramática ex Clenardo para o ensino do Grego em Portugal

2.1. A mal avaliada edição de

Ao contrário do que erradamente vem sendo repetido, ao longo dos últimos cinquenta anos, depois que Justino Mendes de Almeida publicou um artigo sobre esta matéria14, a primeira edição da gramática grega ex Clenardo, publicada em Portugal,

não é a de 1595, como vamos demonstrar, mas a que saiu dos prelos de António Mariz, em Coimbra, no ano de 1594, com um título – Graecae Nominum ac Verborum

Inflexiones in Vsum Tyronum – e um monograma indiciadores quer do seu conteúdo

quer dos seus objectivos e destinatários.

11 Vide apêndice, figuras 7 e 8.

12 Que os responsáveis pelos epítomes portugueses consultaram outros compêndios gramaticias e

por eles foram pontualmente influenciados, fica claro pelo conteúdo de uma ou outra matéria que se afasta momentaneamente do modelo clenardiano, como acontece, conforme veremos, no capítulo de sintaxe da 2.ª edição. Ou ainda por alguns dos comentários que nelas são inseridos, como este da 1.ª edição, em que a propósito do mais-que-perfeito do verbo e„m… se escreve: “Expugitur hoc praeteritu â nõnullis grãmaticis, illud tamen recipit Clenardus”. Refira-se ainda que as anotações e aditamentos de um dos mais famosos escoliastas das Institutiones, P. Antesignanus, também não foram ignorados. A eles se alude através de referências breves do tipo “ut notauit P. Antesignanus” (ed. 1594, fl. 2v) ou “aduertit Antesignanus” (ed. 1594, fl. 6r).

13 Frei Fortunato de S. Boaventura tem desta obra uma descrição pormenorizada, em “Memoria do

começo, progressos, e decadencia da Literatura Grega em Portugal desde o estabelecimento da Monarquia até ao reinado do Senhor D. José I”, Memoria da Academia Real das Sciencias de Lisboa, Lisboa, 1823, p. 36. Da colectânea, existe um exemplar na Biblioteca Nacional de Lisboa (cota: F. 6737).

14 “Institutiones Grammaticae ex Clenardo (a 1.ª edição portuguesa da Gramática Grega de Clenardo)”,

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Fig. 2: Frontispício da edição de 1594 (BNL: Res. 2691 P.)

O facto de o nome do brabantino não aparecer no frontispício, tal como acontece nas restantes edições portuguesas, terá contribuído seguramente para que este epítome tivesse sido mal avaliado e, em consequência disso, nunca tivesse sido incluído na família das gramáticas ex Clenardo. Porém, um simples e rápido cotejo com as Institutiones basta para se concluir que o responsável pela edição do nosso manual transcreveu daquelas, com ligeiríssimas alterações, adaptações ou cortes, o que considerou ser o mínimo necessário para que os jovens estudantes dos Colégios Jesuítas pudessem dar os seus primeiros passos na aprendizagem da língua grega.

Assim, dentro desta linha metodológica, forneceu-lhes, a abrir, o indispensável alfabeto e, a fechar, uns breves rudimentos de fonética, que se restringem à classificação e pronúncia das vogais, dos ditongos e das consoantes, num capítulo cujo título – Pro

rudimentis ex Clenardo – não deixa qualquer dúvida quanto à filiação do epítome15.

Seguem-se-lhe, já à margem do texto gramatical clonado, as orações do Pai-Nosso (Oratio

Dominica), da Ave-Maria (Salutatio Angeli ad Beatissimam Virginem), da Salve-Rainha

(Salue Regina) e do Credo (Symbolum Apostolorum) e ainda um passo do prólogo do Evangelho Segundo S. João sobre o Verbo Divino (Jo. 1. 1-14), acompanhados pelas respectivas traduções latinas.

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Para o miolo do compêndio ficou o fundamental da morfologia, que constitui a essência da própria gramática, já que nela não há lugar para matérias de sintaxe. Numa primeira parte, dedicada à flexão nominal, o aluno tem à sua disposição as cinco declinações dos nomes não contractos e contractos e ainda, por esta ordem, os pronomes pessoais e possessivos e o artigo. Os paradigmas adoptados para as declinações são os mesmos que podemos ler nas Institutiones, tal como são os mesmos os comentários, regras ou explicações que, bem mais sucintos, os acompanham. Mas há um aspecto em que a gramática portuguesa, desde logo, se destaca da de Clenardo: pela forma bem mais clara como apresenta os seus quadros flexionais, evidenciando assim as nítidas preocupações de carácter didáctico-pedagógico do seu desconhecido autor.

Iguais preocupações não só se mantêm na segunda parte do capítulo da morfologia, dedicada à conjugação, como saem ainda reforçadas com a inclusão da já mencionada tradução para vernáculo das diferentes formas verbais, cuja exposição começa com o verbo e„m…, contrariamente ao que se verifica na gramática de Clenardo, que insere este verbo no final da segunda parte (Annotationes in nominum uerborumque diffi-

cultates), entre os anomala in mi. No restante, à semelhança do que acontece com as

declinações, os paradigmas adoptados e a ordem por que aparecem são os mesmos das Institutiones: tÚptw para os verbos temáticos em –w; poišw, bo£w e brusÒw para os verbos contractos; e t…qhmi, ‡sthmi, d…dwmi e zeÚgnumi para as quatro categorias em que são divididos os verbos em –mi. Certamente por economia ou para não massacrar o aluno com excesso de informação, o nosso autor só fornece, dos verbos contractos, a conjugação completa de poišw. Dos dois outros paradigmas, disponibiliza apenas o presente do indicativo, critério igualmente seguido para os verbos em –mi, que não apresentam a tradução portuguesa das suas formas. Sempre que os restantes tempos ou modos são necessários, remete o aprendiz para as Institutiones com um recorrente e significativo Vide Clenardum16.

Face à evidência de todas estas semelhanças, pensamos que a inclusão deste epítome entre as gramáticas portuguesas que derivam da do humanista de Diest não é passível de qualquer contestação. E mesmo que, no espírito dos mais desatentos ou menos informados, alguma dúvida pudesse ainda subsistir, o texto da licença, a este respeito bem esclarecedor, bastaria para a dissipar:

Licença.

Vi por mandado de S. A. a 2. Tusculana de Cicero, o Sexto Liuro de Quintiliano, a prima Decada 3. & 4. de Tito Liuio, & as declinações, & conjugações de Clenardo, o que não tem cousa contra see, & bons costumes, & imprimirseão sem annotações, & cotas, & prefações, porque algu˜ s destes liuros, as trazem suspectas.

F. Bertolameu Ferreyra.

Vista a Informação podem se imprimir os liuros apontados na petição atras, guardandose a aduertencia que o Reueedor diz, & depois de impressos tornem pera se conferirem, & se dar licença pera correrem. Em Lisboa 14. de Sete˜ bro de 93.

O bispo d’Elvas. Diogo de Sousa. Marcos Teixeyra.

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Ao mencionar o epítome, último dos livros de uma lista de quatro abrangida pela autorização17, o revisor acrescenta ao título, apresentado em tradução abreviada

(“Declinações, & conjugações”), a expressão “de Clenardo”, que é seguramente a versão para português da fórmula latina “ex Clenardo”, igualmente usada, como vimos, no capítulo final com alguns rudimentos de fonética. Ao contrário do que acontece nas edições seguintes, esta referência autoral inscrita no texto da licença, não virá a ser incluída no frontispício da obra que virá a ser impressa em Coimbra, no ano seguinte. Mas é a chave que possibilita o cabal entendimento do teor da autorização inquisitorial do epítome gramatical saído em 1595.

2.2. A edição de 1595

Publicada em Lisboa, na oficina de Simão Lopes, com um título mais próximo do da sua fonte – Institutiones Grammaticae ex Clenardo –, esta edição apresenta uma dupla licença que, além de confirmar tudo o que temos vindo a defender, permite inferir que estamos na presença de um compêndio revisto e aumentado18:

Licença.

Podese imprimir outra vez este liuro da Arte Grega, mas da maneira q˜ se imprimio a primeira vez sem cotas nem prefações.

Frey Manoel Coelho.

Vista a enformação podese imprimir esta Arte Grega, & depois de impressa torne a este conselho para se conferir & se dar lice˜ ça para correrem. Em Lisboa a 18. de Outub. de 94.

O bispo d’Elvas. Diogo de Sousa. Marcos Teixeyra.

Licença do que se acrecentou.

Vi o que se ofereceo para acrece˜ tar a Arte Grega, não tem cousa tocãte a fè, ou custumes, & parece sera proveitoso aos q˜ aprende˜ essa lingoa polo que se pode dar licença

se imprima. Em Lisboa 17. de Dezem. de 94.

Francisco Pereira.

Vista a enformação podese imprimir o q˜ se acrecentou a Arte Grega, & depois de impressa torne ao conselho para se conferir com o original, & se dar licença para correr. Em Lisboa a 20. de Dezembro de 94.

O bispo d’Elvas. Diogo de Sousa. Marcos Teixeyra.

17 Dos restantes livros citados, apenas conseguimos identificar o primeiro e o terceiro, saídos

ambos dos prelos de Simão Lopes, em Lisboa, no ano de 1593, com os seguintes títulos: M. T. C. Tusculanarum Quaestionum liber secundus / De Tolerando Dolore (BNL: RES. 2455/2 P.; Anselmo, n.º 811); e T. Liuij Patauini Historiarum Ab Vrbe Condita decadae primae liber primus (BNL: RES. 2741 P.; Anselmo, n.º 800). Dado o mau estado de conservação do segundo, só nos foi possível consultar o primeiro exemplar depositado na Biblioteca Nacional de Lisboa, que não apresenta a licença de publicação. Vide nota seguinte.

18 Esta licença surge repetida, quase ipsis verbis, no segundo volume das Tusculanas de Cícero

(M. T. Ciceronis Tusculanarum Quaestionum Liber Primus / Ad Brutum / De Contemnenda Morte), impresso igualmente na tipografia de Simão Lopes, no ano de 1595 (BNL: Res. 2455/1 P.; Anselmo n.º 811). Vide nota anterior.

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Porque ignorava que a edição de 1594 era a que havia iniciado o rol das gramáticas clenardianas publicadas em Portugal, Justino Mendes de Almeida, em artigo por nós já referido, tem desta licença uma interpretação que, como se pode constatar, se revela algo forçada e até mesmo abusiva19:

Mas será a edição olissiponense das Institutiones Grammaticae, saída dos prelos de

Simão Lopes em 1595, a primeira edição – resumida, como dissemos – portuguesa da

Gramática Grega de Clenardo? Eis por que nos decidimos pela afirmativa. (...)

Ora, a verdade é que na autorização eclesiástica não se diz «2.ª impressão» mas sim «pode-se imprimir outra vez». Não havendo qualquer elemento que permita suspeitar de uma edição portuguesa anterior, deve entender-se que a Gramática Grega de Clenardo,

já impressa de 1530 a 1594, dezenas de vezes, nas mais diversas cidades e países, era editada uma vez mais, mas agora em Portugal.

Perfeitamente claro, o conteúdo dos textos dos revisores, ao contrário do que pretende e sustenta Mendes de Almeida, exclui qualquer hipótese de esta ser uma primeira edição. Na verdade, este compêndio, incorporando novas matérias, devidamente autorizadas por uma “licença do que se acrecentou”, vem suprir algumas das lacunas ou omissões do primeiro epítome, saído em 1594 com uma tiragem que provavelmente terá sido reduzida, atendendo ao curto intervalo de tempo que medeia as duas impressões.

Fig. 3: Frontispício da edição de 1595 (BGUC: 1-(23)-36)

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Com raras correcções e alguns retoques sem importância num ou noutro título, esta edição, até ao capítulo dos verbos contractos, é igual à de 1594. As principais alterações ou novidades encontram-se a partir daqui, ou seja, na parte final do texto gramatical. De facto, para evitar as constantes remissões para as Institutiones, que se multiplicavam no fim da primeira edição, este renovado compêndio inclui a conjugação completa dos verbos bo£w e crusÒw e todas as formas, para além do presente do indicativo, das quatro conjugações dos verbos em –mi20. E ao último capítulo, que na edição de 1594 incluía

apenas a classificação e pronúncia dos fonemas vocálicos e consonânticos, acrescenta novas questões de fonética (o espírito, os sinais de pontuação, os acentos, as regras da acentuação e algumas das abreviaturas mais comuns e sua descodificação), breves noções de prosódia (quantidade das sílabas) e ainda vários assuntos de morfologia (os numerais, o comparativo e o superlativo, a formação de nomes a partir de raízes verbais, a que chama verbalia, as preposições, os géneros dos nomes e algumas considerações sobre as seis conjugações)21. Mas a parte mais importante deste aditamento prende-se com

uma súmula de preceitos sintácticos, incrustada entre os assuntos de morfologia e que sugestivamente se designa “De constructione praecepta aliquot tyronibus ediscenda”22. Sob

este título, o responsável pela organização do epítome inclui, com o mesmo teor e pela mesma ordem, as matérias tratadas por Clenardo na Syntaxeos ratio, a quarta e última parte das Institutiones, já por nós abordada23. Depois de uma primeira edição muito sucinta,

a prática lectiva nos colégios Jesuítas terá evidenciado, desde cedo, esta necessidade de inclusão de um breve capítulo de sintaxe bem como de outras questões de morfologia, assuntos que serão conservados, em grande parte, nas publicações seguintes.